sexta-feira,29 março 2024
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Audiência de Custódia e o Projeto de Lei 8.045/2010 – Novo Código de Processo Penal

Por: Cristiane Silva Ferreira Correia*

À audiência de custódia consiste na apresentação da pessoa detida em flagrante delito ao juiz competente no prazo de 24 horas, conforme determina o artigo 306 do Código de Processo Penal. O objetivo é combater as prisões ilegais e o cabimento de prisão que poderá ser convertida em prisão preventiva ou liberdade provisória.

A história desse instituto em Processo Penal nos diz que o objetivo é muito mais amplo, trata-se de garantias de direitos fundamentais como verificar a tortura, os maus tratos e o respeito a dignidade da pessoa humana, mesmo sendo um acusado de crime não perde a identidade de “pessoa humana”, pelo contrário, deve-se o Estado voltar a sua atenção nessa pessoa porque transgrediu as suas normas e portanto não concorda ou não está aceitando as regras de convivência em sociedade ou pode ter um desvio de comportamento grave, merecendo atenção e cuidado.

Trata-se de recente iniciativa do Conselho Nacional de Justiça que implantou e estendeu o projeto em todas as Unidades da Federação, que se iniciou em fevereiro de 2015 no Estado de São Paulo. Sendo assim, esse instituto tem sido alvo das atenções em todo o território nacional devido às superlotações das prisões que vem causando rebeliões graves nas últimas décadas. A intenção é diminuir a quantidade de prisões provisórias que acabam fazendo com que o acusado passe muito tempo preso, superlotando os CDPs, passando a conviver com presos já sentenciados muitas vezes por terem cometido crimes graves e, portanto, tem que ficar custodiados pelo Estado.

O histórico da audiência de custódia vem junto com o Habeas Corpus que tem três principais momentos. O primeiro deles remonta ao período romano, com o Interdito de Homine Libero Exhibendo. O segundo momento é o da Magna Carta de 1215, na Inglaterra. O terceiro consiste na consolidação efetiva do habeas corpus, tal como se concebe hoje, no Habeas Corpus Act de 1679, também da Inglaterra.

A respeito do interdito Homine Libero Exhibendo, no Livro LXXI do Digesto, Ulpiano explica que a pessoa livre detida fraudulentamente deve imediatamente ser levada à aparição pública e notória, para que seja possível vê-la e tocá-la. Ulpiano explica que o termo “produzir a pessoa”, presente na fórmula latina, significa, literalmente, não manter a pessoa em segredo.

A celeridade do interdito romano era um de seus aspectos mais importantes, de modo que a apresentação corpórea do detido era a própria comprovação do cumprimento legal. O objetivo era evitar a prisão em segredo. Assim, no direito romano, a presença do corpo diante do magistrado significava verdadeira garantia legal. Ou seja, mais do que um instrumento de liberdade, o interdito romano significava principalmente a proteção e a tutela jurisdicional.
Por sua vez, o desenvolvimento do habeas corpus, propriamente dito, se insere em um longo processo de lutas político-jurídicas que se desenrolaram desde a Magna Carta de 1215 – tendo passado pela PetitionofRights de 1628 – até finalmente ganhar sua feição atual através dos Habeas Corpus Acts de 1679 e de 1816 (CAMARGO, 2004, p. 02; GRINOVER et al, 2011, p. 269).

Nesse longo processo histórico de consolidação do habeas corpus, um ponto de evidente destaque é o Habeas Corpus Act de 1679, do qual saiu o termo que hoje é amplamente difundido por todo o mundo. Segue a inscrição da fórmula latina, que, no caso, representa a forma do habeas corpus ad subjuciend: Praecipimustibi corpus x, in custodia vestradetentum, ut dicitur, una cum causa captionis et detentionissuae, quocumque nomine idem x censeatur in eadem, habeas coram nobis, apud Westminster, ad subjiciendum et trecidiendumeaquae cúria nostra de eo ad tunc et ibidem ordinaricontinget in hac parte.

A tradução aproximada pode ser colocada nos seguintes termos: Ordenamos-vos que o corpo de X, detido sob vossa custódia, segundo se diz, acompanhado do dia e da causa de sua detenção, por qualquer nome que o dito X possa ser agora reconhecido, exiba-se nesta corte de Westminster, diante de nós, para se subjugar.

Originariamente, o habeas corpus (do latim, habeo, habere = ter, exibir, tomar, trazer; corpus, corporis = corpo) era simplesmente um meio de se obter o comparecimento físico de alguém perante uma corte” (GRINOVER et al, 2011, p. 268). O habeas corpus “original” era, então, uma fórmula que significava uma ordem do juiz à autoridade policial que detinha uma pessoa. Essa ordem demandava a apresentação do corpo do detido ao juízo. Assim, se podia avaliar a legalidade da prisão (MASSAÚ, 2008, p. 08).

Uma vez que o impetrante era trazido à corte, e sua detenção era justificada, o juízo fazia a audição e determinava peremptoriamente se era legítima. Da decisão decorria a retomada da liberdade do corpo ou a manutenção da custódia (WILKES, 2002).

A apresentação do corpo ao juízo por meio do habeas corpus surge também como instrumento de observação da detenção, ou seja, era um instrumento para evitar o segredo, o oculto da prisão, com o objetivo de expor à luz o potencial arbítrio ilegal da autoridade.

O assentamento histórico do habeas corpus no Brasil negligenciou, portanto, o instituto enquanto garantia à integridade física do detido, do direito de defesa imediato e do direito à presença; direito este presente no Pacto São José da Costa Rica, em seu art. 7º, nº 05: Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais.

A importância jurídica da audiência de custódia se multiplica em um país marcado por uma história de regimes autoritários, dos quais a força policial ainda herda a truculência e a arbitrariedade. Mais do que garantia mínima, é um fundamental instrumento de legitimação do uso da força pelo Estado.

A audiência de custódia é instrumento de garantia, de liberdade e, mais importante, de legitimação. Quem está com a audiência de custódia está com a história dos direitos fundamentais, está na defesa de um direito que rejeita peremptoriamente o arbítrio, o autoritarismo e a ilegalidade.

Mas, ainda se faz necessário regulamentar, melhorar e estabelecer parâmetros para que à audiência de custódia cumpra com o seu papel principal, garantir direitos fundamentais.

Diante desse histórico, tramita na Câmara dos Deputados a PL 6.620/2016 que dispões sobre as prisões em flagrante, alterando o Código de Processo Penal e regulamentando às audiências de custódias. Esse projeto de lei foi apensado ao projeto PL 8.045/2010 que se refere ao novo Código de Processo Penal.

O projeto do novo Código de Processo Penal, internaliza de forma categórica os princípios fundamentais constitucionais, e neste caso, nos remete ao princípio da presunção inocência que consta no artigo 5, LVII que diz:

“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Princípio este mitigado pelo STF quando admitiu que, uma pessoa que tenha um processo penal sendo julgado em grau de recurso seja presa.

Sem contar com o processo de execução penal, regulado pela Lei 7.210/84, que apesar de constar vários princípios fundamentais constitucionais não vem sendo cumpridos pelo Estado, talvez a internalização expressa desses princípios no corpo do novo Código de Processo Penal faça com que as autoridades cumpram com aquilo que é determinado e respeitem os pactos e tratados que somos signatários.

Outra medida que agora está expressa no novo código é a previsão de que a medida de segurança terá estrita obediência ao devido processo legal constitucional, bem como todas as garantias processuais, isto porque o condenado ao ter convertido sua pena em medida de segurança tinha uma segunda condenação, a de prisão perpétua, tendo que cumprir, muitas vezes, além da pena privativa de liberdade que havia sido condenado, passando os estabelecimentos como verdadeiros depósitos humanos.

Todo processo penal realizar-se-á sob o contraditório e a ampla defesa e fica garantido a defesa técnica em todas as fases procedimentais, bem pensando nas audiências de custódias, como o início da fase processual, entendo que além do defensor técnico está garantido a ampla defesa e o contraditório, ou seja, o juiz não irá somente verificar se a prisão em flagrante é legal ou não e sim dar ao acusado o direito de produzir o mínimo de provas para não ter sua prisão convertida em prisão preventiva, garantido o direito fundamental constitucional respondendo ao processo judicial, se for o caso, em liberdade.

Isto nos faz pensar que, em muitos casos, poderá já de início, o acusado de não responder a processo, resolvendo a lide em 24 horas ou em dias sem processo. O processo penal já é extremamente penoso e de cunho destruidor ao acusado que passa a ser considerado réu.

Pelo princípio da publicidade, o acusado fica exposto, passando a ser visto pela sociedade como “culpado” por um crime que, muitas vezes nem é culpado ou pode ser alterado para uma contravenção penal e isto só se dá ao final do processo que é extenso e penoso, sendo muitas vezes absolvido; o crime não era grave e poderia ter sido resolvido num primeiro momento, na audiência de custódia.

Evita-se mover a máquina judiciária que ficará preocupada em resolver crimes de maior gravidade, os CDPs não ficarão superlotados e o acusado não será exposto aos revezes de uma prisão, as vezes desnecessária.
Ao vedar a iniciativa do juiz na fase de investigação, veda o contato do juiz julgador do processo de se contaminar com as provas produzidas no inquérito policial. O artigo 155 do atual Código de Processo Penal assim diz:

“ O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. ”

Ao meu ver, o juiz julgador do processo, quando possível, tem que pedir a produção de provas durante a persecução processual, o que não se observa nos dias de hoje, muitas vezes as provas produzidas na investigação criminal, durante o inquérito policial, são as mesmas levadas ao processo.

Se na audiência de custódia, tendo o acusado preenchidos os requisitos objetivos para responder em liberdade, produziu provas de sua possível absolvição, sendo instruído com essas provas, já em grau de processo e sendo outro o juiz a julgar, fica garantido o contraditório e a ampla defesa, e mais, a imparcialidade do juiz, retirando das mãos da autoridade policial, em muitos casos, de ser a única testemunha e a única prova da culpa.

Entendo que, neste caso, fica dividido as funções dos juízes, nas audiências de custódia terá que ter um juiz garantista, que deverá primar pelos princípios fundamentais constitucionais e processuais mas não julgará o caso, devendo remeter o processo, com as devidas provas produzidas, ao juiz julgador, conforme preceitua o artigo 155 do Código de Processo Penal atual, para que um outro juiz analise novamente o caso e proceda com a prolatação da sentença no processo de conhecimento ou acate a denúncia do Ministério Público.

Estamos nos últimos anos com tantas arbitrariedades, excessos, descasos, que o legislador optou em deixar expresso no novo código a proibição dos excessos, privilegiar a dignidade da pessoa humana ea máxima proteção aos direitos fundamentais na tutela penal, vedando a ampliação do sentido de normas restritivas de direitos e garantias fundamentais.

Mais uma vez se observa a necessidade de se delinear como primado em direito penal e processual penal os direitos fundamentais constitucionais, principalmente, no que se refere aos princípios de direitos humanos mínimos que vem estabelecidos na Constituição Federal de 1988 e consequentemente aos tratados e convenções internacionais que somos signatários que é consonante com as nossas leis.

Às audiências de custódias são de extrema emergência e deve ser efetuada como manda o Pacto de São José da Costa Rica no artigo 7, item 5: Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais.

Mantendo desta forma, os princípios iniciais de conceito de Habeas Corpus ditados por Ulpiano, mas que não foram instituídos pelo nosso legislador quando incorporou esse instituto em nossos ordenamentos. Devemos, como fiscalizadores dos nossos legisladores, zelar pela internalização do instituto “Audiência de Custódia”, que tem sua origem no Habeas Corpus, em nossos ordenamentos jurídicos como realmente tem que ser, primar pelos princípios fundamentais constitucionais e processuais ao acusado.

No capítulo II do novo Código de Processo Penal, foi instituído o Juiz Das Garantias, uma das mais importantes e atuais novidades do projeto, que seria responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos fundamentais do acusado, cabendo inclusive, ao Ministério Público, nesta fase, apenas como fiscalizador e não como parte.

O juiz de garantias se torna o responsável pelas audiências de custódias e por todos os atos, tais como: zelar pelos direitos do preso, determinar o trancamento ou a prorrogação do inquérito, bem como decidir sobre os pedidos de interceptação telefônica, quebra de sigilo, pedido de arquivamento.

Com as mudanças, caberá ao juiz das garantias atuar na fase da investigação ficando o outro juiz do processo responsável pela tarefa de julgar o caso. Cria-se, assim, uma causa de impedimento para o juiz de garantias: não poderá ele funcionar no processo. No entanto, o referido impedimento não se aplicará às comarcas ou seções judiciárias onde houver apenas um juiz.

O novo Código de Processo Penal, sai do ranço inquisitorial, autoritário e centralizador, para a ideia de acusatorial, ou seja, o inquérito policial não terá o peso opressivo e indiscriminado, caraterística marcante no Código de Processo Penal foi feito em 1941, baseado no modelo penal italiano de cunho fascista, despreocupado com as garantias constitucionais, direitos fundamentais e com a pessoa humana.

A ideia de Juiz Garantidor, atuará na fase inicial do processo, quando o acusado, preso em flagrante, é apresentado em 24 horas na audiência de custódia, neste momento atuará garantido que se produza provas processuais, princípios fundamentais, convertendo prisão em flagrante em preventiva e também as cautelares que são mitigadas pelo judiciário.

Esse modelo processual já vem sendo utilizado na Europa e na América do Sul por vários países como a Itália, Chile, Peru, Bolívia e Colômbia, e é a partir desses modelos, que o legislador brasileiro justifica a implantação do Juiz Garantidor. Esse magistrado tem competência para atuar na fase investigatória e na fase intermediária (recebimento/rejeição da acusação ou exame de pedido de arquivamento da investigação pelo Ministério Público).

Diante do exposto, conclui-se que é de extrema emergência a internalização das audiências de custódias em nosso ordenamento, com as devidas regulamentações e regras. Hoje, o nosso quadro nos processos penais e principalmente, nas audiências de custódias é de horror e desrespeitos aos direitos fundamentais. Fica fácil constatar que as prisões em muitos casos são irregulares, as torturas e os maus tratos não foram mitigados. O juiz da audiência de custódia, em muitos casos é o mesmo que aturará no julgamento da lide. O Ministério Público é o mesmo que denunciará o acusado e, por fim, o acusado é o menos importante nessa confusão toda.

Terá sua liberdade restringida, logo de imediato, sendo que um dos princípios fundamentais da nossa Constituição é: artigo primeiro, inciso terceiro: a dignidade da pessoa humana; como direito e garantia individual, no artigo quinto caput: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, À LIBERDADE (…). Se faz necessário a regulamentação desse instituto em nossos ordenamentos como manda a sua origem.


Referências:

Câmara dos deputados – comissão especial PL 8.045/10 e apensados – consultoria legislativa – área XXII – penal, direito penal e procedimentos investigatórios. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490263

SILVA, Larissa Marila Serrano da. Universidade Federal de Minas Gerais – Faculdade de Direito – A construção do juiz das garantias no Brasil: A Superação da Tradição Inquisitória – Belo Horizonte 2012. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/BUBD-99QJAH/dissertacao_juiz_das_garantias.pdf?sequence=1

GARCIA, Rafael de Deus. A Audiência de Custódia tem história? – A genética da Audiência de Custódia e o habeas corpus – Sem Pena do Direito Penal. Disponível em https://deusgarcia.wordpress.com/2015/10/28/a-historia-da-audiencia-de-custodia/

*Cristiane Silva Ferreira Correia, colaborou com nosso site por meio de publicação de conteúdo.

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