sexta-feira,29 março 2024
ColunaCivilista de PlantãoAs mensagens de WhatsApp como “prova escrita” na ação monitória

As mensagens de WhatsApp como “prova escrita” na ação monitória

As mensagens de whatsapp podem fundamentar a pretensão monitória, desde que o juízo se convença da verossimilhança das alegações e da idoneidade das declarações, possibilitando ao réu impugnar-lhe pela via processual adequada.

Palavras-chaves: Direito Processual Civil. Provas. Ação Monitória. Prova escrita. Mensagens eletrônicas por whatsapp

Introdução

A tradição inerente à atividade do Poder Judiciário não pode torna-las estagnadas no tempo, porquanto, deve evoluir de acordo com as transformações e complexidades ocorridas no âmbito da sociedade.

O processo civil contemporâneo, que prima por resultados, não pode ser mais taxado de moroso e ineficiente.

O avanço tecnológico é inexorável e seus benefícios incontestáveis. O legislador e o ordenamento jurídico devem acompanhar e absorver essas mudanças, aperfeiçoando-se seus institutos.

Denota-se a sua importância, porquanto a utilização das mensagens eletrônica por whatsapp são práticas correntes no meio empresarial e instrumentos imprescindíveis que fomentam o dinamismo e crescimento da economia.

Muito embora o sistema jurídico brasileiro tenha adotado, em relação à ação monitória, o procedimento puro e documental, é lícito às partes “empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos… para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz” (Código de Processo Civil, artigo 369).

De fato, conforme veremos, se a legislação brasileira não veda a utilização de documentos eletrônicos como meio de prova, soaria irrazoável dizer que uma relação negocial e o débito ali decorrente, não possam ser comprovados por trocas de mensagens pelo referido aplicativo, em especial, nas contendas judicias discutidas em sede de ação monitória.

Conceito de prova

Conforme leciona o dicionarista De Plácido e Silva [1] o vocábulo prova deriva do:

“Do latim proba, de probare (demonstrar, reconhecer, formar juízo de), entende-se, assim, no sentido jurídico, a denominação, que se faz, pelos meios legais, da existência ou veracidade de um fato material ou de um ato jurídico, em virtude da qual se conclui por sua existência do fato ou do ato demonstrado”

Trata-se de um direito fundamental tanto formal, porquanto se encontra positivado no artigo 5º, incisos LIV e LV, quanto material, na medida em que é uma função precípua do direito ordenar condutas, aplicando consequências jurídicas somente a fatos que realmente ocorreram.

Na acepção jurídica do termo, é empregado como sinônimo de verificação, exame, inspeção e demonstração dos fatos alegados no processo.

Sob o aspecto objetivo, o Professor João Batista Lopes [2] nos ensina que:

“É o conjunto de meios produtores da certeza jurídica ou o conjunto de meios utilizados para demonstrar a existência de fatos relevantes para o processo”

De outra banda, na perspectiva subjetiva, disserta o citado Mestre [3]:

“É a própria convicção que se forma no espírito do julgador a respeito da existência ou inexistência de fatos alegados no processo”

O objeto da prova são sempre os fatos considerados controvertidos, e seu destinatário o Juízo. É cediço que o direito não pode e nem precisa ser objeto de prova, porquanto é dever do juiz conhecê-lo, a exceção do quanto disposto no artigo 376 do CPC.

Não dependem de prova os fatos: notórios; afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; admitidos no processo como incontroversos; em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade (artigo 374 do CPC).

Prova x indícios

Indícios são fatos, que devem ser provados nos autos. Presunções são inferências que deles decorrem. Assim sendo, verbi gratia, a fumaça é o indício, cuja prova se deve exigir. A existência de fogo é a presunção ou inferência dela decorrente.

O professor João Batista Lopes [4], Citando o Mestre Federico Marques, leciona com propriedade que os indícios e presunções não se cuidam de meio de prova e sim de “operação mental que conduz à aceitação de um fato independentemente de prova” e traça a distinção de indícios e presunções da seguinte forma:

“Com efeito, os indícios constituem sinais, vestígios ou circunstâncias que isoladamente, são insuficientes para demonstrar a verdade de uma alegação [..]
A seu turno, as presunções constituem raciocínios, deduções e não propriamente meio de prova”

Porém, submetidos à análise e raciocínio do juiz, podem conduzir à prova pretendida.

Ônus da prova

De início, cumpre observar que antes do juízo apreciar o problema do ônus da prova, deve fixar os pontos controvertidos, ou seja, verificar quais fatos foram alegados pelas partes e impugnados pelo adversário.

Reza o artigo 373 do CPC:

“Art. 373 – O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”

Trata-se de uma distribuição legal e fixa: incumbindo, em tese, ao autor a prova dos fatos constitutivos e ao réu a prova dos fatos impeditivos, extintivos e modificativos.

O Professor João Batista Lopes [5], neste contexto, disserta:

“Entende-se por fato constitutivo o acontecimento da vida que serve de fundamento ao pedido do autor (ex: a locação e a mora do inquilino são fatos constitutivos na ação de despejo por falta de pagamento). Fato impeditivo é o que obsta as consequências jurídicas objetivadas pelo autor (ex. incapacidade civil). Fato modificativo é o que opera alteração na relação jurídica (ex. ocupação inicial do imóvel a título de comodato que, depois, se converte em locação). Fato extintivo é o que acarreta o fim da relação jurídica (ex. o pagamento da dívida)”

Com efeito, as hipóteses aventadas pelo artigo 373 do CPC, representam o ônus subjetivo da prova, isto é, perquirir a quem incumbe o ônus da prova, em manifesta regra de instrução.

Doutra parte, o ônus objetivo da prova, é uma regra de julgamento, porquanto o juiz enquanto destinatário dela julgará a causa “independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento” (artigo 371 do CPC).

A legislação brasileira não veda a utilização de documentos eletrônicos como meio de prova. Assim sendo, soaria irrazoável dizer que uma relação negocial e débitos ali decorrentes não possam ser comprovados por trocas de mensagens via e-mail.

Veremos adiante, o critério de valoração racional da prova, ora consagrado no vigente código de processo civil.

Critérios de avaliação da prova

Dispõe o artigo 371 do CPC:

“Art. 371 – O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento”

O CPC/2015 fez questão de retirar a palavra “livre”, a fim de deixar clara a opção legislativa no sentido da necessidade de valoração racional da prova.

Adotou-se, portanto, o critério da valoração racional da prova, determinado que:

“a eficácia de cada prova para a determinação dos fatos seja estabelecida caso a caso, seguindo critérios não predeterminados, discricionários e flexíveis, baseados essencialmente em pressupostos racionais” [6]

Veda-se, neste compasso, o arbítrio das decisões judiciais, sem qualquer motivação, como forma de prestigiar o contraditório e ampla defesa, porquanto a parte vencida e, eventualmente insatisfeita, possa confrontar a decisão nas mesmas bases argumentativas.

A discricionariedade judicial não pode ser transmudada em arbítrio, conforme nos ensina o Ministro Eros Grau [7]:

“O direito moderno, posto pelo Estado, é racional, porque cada decisão jurídica é a aplicação de uma proposição abstrata munida de generalidade a uma situação de fato concreta, em coerência com determinadas regras legais. Eis o que define a racionalidade do direito: as decisões deixam de ser subjetivas [arbitrárias e aleatórias], tornam-se previsíveis. Racionalidade jurídica é isso: o direito moderno permite a instalação de um horizonte de previsibilidade e calculabilidade em relação aos comportamentos humanos, sobretudo àqueles que se dão nos mercados”

O convencimento do julgador deve se ater ao conjunto probatório constante dos autos, de forma que, em decisão devidamente motivada, mediante raciocínio probatório, ocorra a necessária conjugação lógica entre suas premissas, razões e a conclusão (silogismo), livre de qualquer convicção pessoal.

Ação Monitória

A ação monitória conforme leciona a Doutrina de Gediel Claudino [8]:

“Tem cabimento quando o credor de quantia certa, de coisa fungível ou de determinado bem móvel, assim como o credor de obrigação de fazer ou não fazer, munido com documento escrito sem eficácia de título executivo, desejar efetuar a cobrança judicial do que lhe é devido”

Dispõe o artigo 700 do CPC:

“Art. 700 – A ação monitória pode ser proposta por aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, ter direito de exigir do devedor capaz:
I – o pagamento de quantia em dinheiro;
II – a entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel;
III – o adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer”

O procedimento monitório tem por objetivo abreviar a formação do título executivo, encurtando a via procedimental do processo de conhecimento. A ação monitória encontra fundamento nos artigos 700 a 702 do Código de Processo Civil.

No tocante a sua natureza jurídica, o Mestre Marcus Vinícius Rios Gonçalves [9] leciona:

“a ação monitória é uma ação de conhecimento, de procedimento especial, porque, não havendo resistência do réu, constitui-se de pleno direito o título executivo judicial e passa-se à fase de execução”

A prova escrita, exigida pelo artigo 700 do CPC é:

“todo documento que, embora não prove, diretamente, o fato constitutivo, permite ao órgão judiciário deduzir, através de presunção, a existência do direito alegado. Lição da doutrina italiana” (E. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ap. Cível n. 597.030.873. Rel. Des. Araken de Assis. Julgado em 15/5/97. RJ 238/67. BAASP 2074).

Nesta linha de raciocínio, para admissibilidade da ação monitória:

“Para a admissibilidade da ação monitória, não é imprescindível que o autor instrua a ação com prova robusta, estreme de dúvida, podendo ser aparelhada por documento idôneo, ainda que emitido pelo próprio credor, contanto que, por meio do prudente exame do juiz, exsurja juízo de probabilidade acerca do direito afirmado” (REsp n. 1.381.603. Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça. Min. Rel. Luis Felipe Salomão. Julgado em 06 de outubro de 2016)

O Professor Antonio Carlos Marcato [10], firme no posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, REsp. n. 1.381.603 acima transcrito, leciona que:

“qualquer documento ou conjunto documental -, ainda que produzido unilateralmente pelo autor” é apto a embasar o pedido monitório quando se demonstra a existência da obrigação em meio escrito, sem a necessidade de ser “robusta, estreme de dúvida”, como na hipótese de correio eletrônico (e-mail), desde que haja “verossimilhança das alegações” e “idoneidade das declarações”, conforme a casuística”

Carece de interesse processual o autor que ostentar documento que já constitua título executivo, porquanto a finalidade da ação monitória restaria prejudicada; no entanto, perdendo a eficácia executiva, pode o documento embasar a ação monitória.

Todavia, em face do disposto no § 5º do artigo 700 do CPC, é permitida a mudança do procedimento, frisa-se, por meio de emenda a inicial: para o procedimento comum ou de execução, conforme a espécie de documento, objeto da ação.

O aplicativo WhatsApp

O whatsapp é um software para smartphones utilizado para troca de mensagens de texto instantaneamente, além de vídeos, fotos e áudios por meio de uma conexão a internet. A conta do aplicativo é associada ao número de telefone do usuário perante a sua operadora.

A tecnologia do aplicativo é tão disruptiva, a ponto de tornar a correspondência eletrônica (e-mail) obsoleto em várias modalidades de negócios contemporâneos.

A facilidade e a mobilidade da comunicação desta plataforma fez surgir novos modelos de negócios com suporte em diversos aplicativos de serviços, como o de transportes e de entrega de comidas, sendo difundido por startups diversas, como os aplicativos (app) de negócios (Uber, Ifood e etc).

De acordo com pesquisas do instituto Panorama [11] 55% dos usuários ativos no Brasil já utilizam o whatsapp para conversar com empresas sobre seus produtos e serviços.

Uma pesquisa realizada pelo próprio WhatsApp [12] e anunciada em seu blog já mostrou que, no Brasil, cerca de 80% das pequenas empresas já utilizam o aplicativo para se comunicar com seus clientes.

Desta forma, o judiciário não pode ficar a margem desta realidade contemporânea dos negócios e rotina das pessoas, e assim, deve dar guarida jurídica e valor probatório ao conteúdo negocial presente nas conversas eletrônicas, como meio de convencimento do juiz e de comprovação das alegações das partes.

Mensagem eletrônica por WhatsApp pode ser considerado prova para instruir ação monitória

No atual estágio da sociedade, há uma forte tendência de diminuição de documentos produzidos em meio físico, reduzindo consideravelmente o uso do papel.

Tal constatação também se mostra evidente no âmbito das relações comerciais, cujas tratativas são realizadas, em boa parte, por meio eletrônico, bastando lembrar os serviços bancários online (internet banking) e as negociações e empreendimentos via e-mail.

No ponto, sobre as provas oriundas de meio eletrônico, o Código Civil de 2002, em seu artigo 225, preceitua que:

“As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão” (original sem grifos).

Os enunciados n. 297 e 298 [13], aprovado na IV Jornada de Direito Civil (CJF/STJ) destaca que:

“O documento eletrônico tem valor probante, desde que seja apto a conservar a integridade de seu conteúdo e idôneo a apontar sua autoria, independentemente da tecnologia empregada”

“Os arquivos eletrônicos incluem-se no conceito de ‘reproduções eletrônicas de fatos e coisa’, do art. 225 do Código Civil, aos quais deve ser aplicado o regime jurídico da prova documental”

Por sua vez, a Lei n. 11.419/2.006 [14] permitiu uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais e na comunicação de atos e transmissão de peças processuais, aplicando-se indistintamente aos procedimentos civis, penais e trabalhistas, em qualquer grau de jurisdição, bem como aos juizados especiais (art. 1º).

Sob esta nova perspectiva digital, o novo Código de Processo Civil, ao tratar sobre as provas admitidas no processo, possibilita expressamente o uso de documentos eletrônicos, condicionando, via de regra, a sua conversão na forma impressa:

“Art. 439. A utilização de documentos eletrônicos no processo convencional dependerá de sua conversão à forma impressa e da verificação de sua autenticidade, na forma da lei”

“Art. 440. O juiz apreciará o valor probante do documento eletrônico não convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor”

“Art. 441. Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e conservados com a observância da legislação específica”

Com esse mesmo raciocínio é o artigo 369 do Código de Processo Civil de 2015:

As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz” (grifos nossos).

Quanto à sua força probante, o maior questionamento está adstrito ao campo da veracidade e da autenticidade das informações.

Em outras palavras, consiste em saber se uma “conversa eletrônica” pertence às partes da demanda monitória, bem como se o seu conteúdo não foi alterado durante o tráfego das informações.

Entretanto, há mecanismos capazes de garantir a segurança e a confiabilidade da correspondência eletrônica e a identidade do emissor, permitindo a trocas de mensagens criptografadas entre os usuários.

Para fins de conferir maior idoneidade aos famosos “prints” das mensagens de texto para instruir o processo pode-se encaminhar o aparelho celular a um cartório e solicitar a elaboração de ata notarial (artigo 384 CPC), porquanto se trata de transcrição fidedigna da conversa, devidamente registrada em cartório e respaldada pelo tabelião, dotado de fé pública.

Caso contrário, é recomendável não apagar a mensagem do celular, pois em caso de impugnação pela parte contrária, o aparelho poderá ser periciado, confirmando a autenticidade da mensagem.

O aplicativo oferece ao usuário a opção “exportar a conversa” podendo o interessado juntar o “print”, bem como, esse diálogo exportado no processo.

Vale ressaltar que neste arquivo gerado pelo software, frisa-se, a partir da exportação, fica registrado as datas e horas exatas das mensagens enviadas e recebidas, cujos subsídios são de fundamental importância para a construção da narrativa dos fatos da inicial.

O problema se apresenta na hipótese de gravação de áudios de conversas por meio do aplicativo, sendo, necessário, fazer aqui a distinção entre a gravação da conversa com interceptação telefônica, sendo que esta última necessita de autorização judicial, porquanto a conversa captada é feita por terceira pessoa estranha à conversa.

Assim sendo, a gravação efetuada pelo próprio interlocutor da conversa, sem o conhecimento do outro, constitui prova lícita.

Neste contexto, exemplifica o Professor Sanchez [15]:

“quanto à interceptação de conversa telefônica, a posição dos tribunais superiores é bem definida, de sorte que, mantida uma conversa eletrônica, sua gravação valerá como prova desde que um dos locutores tenha conhecimento dela. Assim, em uma conversa entre “A” e “B”, se “A” grava esse diálogo, a prova é tida como lícita. Ao revés, e m uma conversa mantida entre “A” e “B”, se “C” a grava, sem o conhecimento dos interlocutores e sem autorização legal para tanto, configura-se a ilicitude da prova”

Diante destes fundamentos, fica evidente que os citados “prints” podem fundamentar a pretensão monitória, desde que o juízo se convença da verossimilhança das alegações e da idoneidade das declarações, e, por óbvio, submetida ao contraditório, podendo o réu impugnar sua veracidade, nos termos do artigo 430 e seguintes do CPC.

O exame sobre a validade, ou não, da mensagem eletrônica deverá ser aferida no caso concreto, juntamente com os demais elementos de prova trazidos pela parte autora.

Conclusão

O Poder Judiciário brasileiro possui um histórico de dificuldade na absorção de novas tecnologias para reconhecê-las enquanto meio de prova nas contendas judiciais, bem como, para incorporá-las no seu modus operandi, frutos de um desnecessário e irracional conservadorismo.

O Professor Fabio Ulhoa Coelho [16], ilustra bem essa problemática:

“Em 1929, o Tribunal da Relação de Minas Gerais anulou uma sentença criminal porque ela tinha sido datilografada, por considerar que o uso da máquina de escrever podia antecipar a sua publicidade. Nos anos 1980, foi indeferida a petição inicial de um mandado de segurança, porque não tinha sido observado o vernáculo. Na verdade, os primeiros editores automatizados de texto não conheciam os signos do português inexistentes no inglês, como o cedilha e o acento circunflexo. Nos anos 1990, anularam se sentenças judiciais elaboradas com utilização do microcomputador, por receio de que a reprodutibilidade do texto impedia o estudo acurado do processo a que devem se dedicar os juízes”

A vida moderna amparada pela tecnologia é intrínseca a vida humana; ao cotidiano do comércio e a rotina das pessoas, em suas necessidades primárias, como transporte, comunicação dentre outras.

O conservadorismo desmedido soa como retrógrado. Os documentos eletrônicos oriundos de conversas eletrônicos por meio de app são suficientes para instruir a ação monitória, desde que idôneos e com congruência lógica quanto à pretensão de direito deduzida pelo autor, sendo defeso o ato de interceptação, frisa-se, por terceiro estranho e observado o sigilo profissional e a intimidade, a vida privada , a honra e a imagem das pessoas, assim descritos no inciso X, do artigo 5º, da Constituição Federal.

A tecnologia é desenvolvida e difundida para maximizar e satisfazer uma necessidade humana, muitas vezes, de modo instantâneo, como os aplicativos de mensagens disponíveis no mercado, propiciando uma melhor comodidade e qualidade de vida.

Conforme vimos, no ordenamento jurídico processual, em matéria de prova, vigora o princípio da livre persuasão racional ou da livre convicção motivada, vale dizer, não há uma escala de valor probatório, cabendo ao juiz, no caso concreto, extrair dos elementos de prova à força que reputar existente, sempre justificando sua decisão.

Partindo dessa premissa, indaga-se: as conversas eletrônicas do aplicativo seriam imprestáveis como prova escrita do direito alegado pelo autor, em sede de ação monitória, em face da sua unilateralidade?

E, ainda, fazer o seguinte questionamento: a mensagem eletrônica é título hábil a embasar a propositura da ação monitória, tendo em vista a possibilidade de ter seu conteúdo alterado ou mesmo criado por qualquer pessoa?

Com efeito, a prova escrita, dotada de aptidão e suficiência para influir no livre convencimento motivado do juiz, deve ser considerada como documento hábil a instruir a ação monitória. Explicamos.

Muito embora o sistema jurídico brasileiro tenha adotado, em relação à ação monitória, o procedimento puro e documental, é lícito às partes “empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos… para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz” (Código de Processo Civil, artigo 369).

Doutra parte, extraem-se do artigo 700 do CPC, os requisitos para a propositura da ação monitória: comprovação da relação jurídica por meio de prova escrita; ausência de força executiva do título e dívida referente a pagamento de soma em dinheiro ou de entrega de coisa fungível ou bem móvel.

Nesse passo, o legislador não definiu o termo “prova escrita”, tratando-se, portanto, de conceito eminentemente doutrinário-jurisprudencial.

Com efeito, a prova hábil a instruir a ação monitória, a que alude o artigo 700 do Código de Processo Civil, não precisa, necessariamente, ter sido emitida pelo devedor ou nela constar sua assinatura ou de um representante.

Basta que tenha forma escrita e seja suficiente para, efetivamente, influir na convicção do magistrado acerca do direito alegado.

Neste sentido:

“PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (mão de obra para construção civil) – Ação monitória – Embargos monitórios – Ilegitimidade passiva da proprietária do imóvel – Prova de que efetuou pagamentos parciais, mantendo tratativas (whatsapp) até a entrega finalizada da obra – Elementos de prova e contrato que lhe irradiam – Legitimidade passiva reconhecida – Pagamento de parcela intermediária não evidenciado Saldo do preço devido – Descumprimento pelos requeridos do preceito do art. 373, inciso II do NCPC – Embargos rejeitados – Título executivo judicial regularmente constituído – Sentença parcialmente modificada – Recurso do autor provido, e desprovido o apelo do requerido, e majorada a verba honorária (art. 85, §11º do NCPC)” (E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação nº 1021331-52.2016.8.26.0554. 15ª Câmara de Direito Privado. Des. Rel. José Wagner de Oliveira Melatto Peixoto. Julgado em 5 de fevereiro de 2018. GN).

Há a possibilidade até mesmo de o causídico cobrar os honorários contratuais, tendo como substrato a contratação firmada por meio do app em discussão, desde que atendido o devido sigilo profissional, veja-se:

“CONTRATO VERBAL DE SERVIÇOS JURÍDICOS – POSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO PELO WHATSAPP – RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DO ADVOGADO QUANTO À ESCOLHA DA VIA ADEQUADA PARA COBRANÇA DOS HONORÁRIOS NÃO ADIMPLIDOS PELO CLIENTE, POIS DEPENDE DO CASO CONCRETO – ADVOCACIA CONTRA EX CLIENTE – NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DE SIGILO PROFISSIONAL.
O advogado pode ajuizar ação de arbitramento ou de cobrança lastreada em contratação pelo aplicativo WhatsApp ficando responsável quanto à escolha da via adequada, pois depende do caso concreto. O profissional sempre deve guardar sigilo das informações obtidas no exercício do mandato (artigos 48 e 54 do CED). Precedentes: E-2.372/01, E-3.753/09, E-4.298/13, E-4.561/15 e E-4.954/17. Proc. E-5.192/2019 – v.u.., em 24/04/2019, do parecer e ementa da Rel. Dra. Renata Mangueira de Souza, Ver Dr. Ricardo Bernardi, Presidente Dr. Guilherme Martins Malufe. (Disponível em: www.oabsp.org.br/tribunal-de-etica-e-disciplina/ementario/2019/e-5-192-2019. Capturado em 23/11/19)

Outro caso interessante, reporta-se a uma monitoria extinta sem resolução de mérito, com fundamento no artigo 485, inciso IV, do Código de Processo Civil, por entender o juiz de piso que as conversas eletrônicas, por meio de whatsapp não são suficientes para embasar uma ação monitória.

O autor apelou suscitando preliminar de cerceamento de defesa em decorrência do julgamento antecipado, sem dilação de provas, afirmando que o réu apelado “ao ser cobrado via WhatsApp” reconheceu seu débito e , em momento algum, questionou a validade de tais conversas via Whatsapp ou tampouco afirmou que tais conversas teriam sido travadas com outra pessoa, deixando bem claro que ele é o interlocutor e o destinatário das mensagens encaminhadas pelo Autor.

Alega que houve afronta ao disposto no artigo 369 do Código de Processo Civil, considerando ser admissível “e-mail como forma de prova eficaz” e, portanto, “diferente não poderá ser quando o julgador deparar-se com mensagens trocadas ‘via WhatsApp”

Ao final a 29ª Câmara de Direito Privado do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, anulou a r. sentença e acolheu a preliminar de cerceamento de prova, determinando a devolução dos autos ao juízo de origem para a devida dilação probatória, nos termos da ementa abaixo:

“MÚTUO – Empréstimo de dinheiro – Ação monitória – Prova documental – Transferência eletrônica para conta corrente de terceiro e conversas por whatsapp – Sentença de extinção sem resolução de mérito fundada na inadequação da via eleita – Apelo do autor – Cerceamento de prova – Preliminar acolhida – Necessidade de dilação probatória – Impossibilidade de julgamento imediato pelo tribunal – Sentença anulada – Apelação provida (E. 29ª Câmara de Direito Privado Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ap. n. 1004325-40.2017.8.26.0152. Des. Rel. Carlos Henrique Miguel Trevisan. Julgado em 30 de novembro de 2018)

Portanto, para a admissibilidade da ação monitória, não é imprescindível que o autor instrua a ação com prova robusta, estreme de dúvida, podendo ser aparelhada por documento idôneo, ainda que emitido pelo próprio credor, contanto que, por meio do prudente exame do juiz, exsurja juízo de probabilidade acerca do direito afirmado.

Quanto ao cerne da questão, o exame sobre a validade, ou não, da correspondência eletrônica deverá ser aferida no caso concreto, juntamente com os demais elementos de prova trazidos pela parte autora (verbi gratia, testemunhas, pedidos de compra para a prova do negócio e etc).

Doutra parte, uma vez recebida a petição inicial, o documento escrito contendo as conversas virtuais poderá ser submetido ao crivo do contraditório diferido, na hipótese em que o réu optar por apresentar os embargos monitórios.

De fato, conforme vimos, se a legislação brasileira não veda a utilização de documentos eletrônicos como meio de prova, soaria irrazoável dizer que uma relação negocial não possa ser comprovada por trocas de mensagens via whatsapp.

Afinal de contas, conforme bem ponderado em voto da E. Ministra Nancy Andrighi, “os avanços tecnológicos vêm, gradativamente, modificando as rígidas formalidades processuais anteriormente exigidas” (REsp 1.073.015/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/10/2008, DJe 26/11/2008).

A dúvida que pode surgir sobre a autenticidade do dialogo eletrônico deve ser avaliada pelo magistrado no exame do caso concreto, cabendo ao demandado, se assim o quiser, apresentar os embargos para questionar a idoneidade do documento eletrônico, utilizado pelo autor para sustentar a existência da relação jurídica e o eventual inadimplemento da obrigação.

Nota-se, ainda, que a incerteza sobre a validade de determinada prova não é exclusiva dos documentos eletrônicos, pois um suposto instrumento contratual impresso em papel, mesmo que assinado por qualquer das partes, também pode ter sua eficácia questionada pela parte contrária, permitindo, inclusive, suscitar a sua falsidade nos termos do artigo 430 do CPC.

Reprisa-se: há uma crescente desmaterialização do “papel” e sua substituição por meio magnético, enquanto suporte, nas mais varias relações contratuais, desde uma simples compra de passagem aérea até grandes contratos, com valores expressivos na esfera mercantil.

Deste modo, compete ao Direito, na acepção de conjunto de regras que harmonizam a convivência humana, absorver essas mudanças tecnológicas para lhe conferir reconhecimento, estabilidade, certeza e segurança nas relações jurídicas.

Portanto, forçoso reconhecer “prova escrita” como todo e qualquer documento que autorize o Juiz a entender que há direito à cobrança de determinada dívida, muito embora, eletrônica e produzida de forma unilateral pelo autor, como é o caso da transcrição de textos ou áudios realizados no famigerado aplicativo.

Neste compasso, não há a necessidade de ser robusta e estreme de dúvida, desde que haja verossimilhança das alegações e idoneidade das declarações, conforme a casuística.

Referências bibliográficas e notas

[1] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Ed. Forense. 15ª. Ed. P.656.
[2] [3] [4] [5] LOPES, João Batista. A prova no Direito Processual Civil. 3ª ed. Ed. RT. P. 26, 42 e 66.
[6] TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Trotta, 2011. p. 387, tradução livre
[7] GRAU, Eros Roberto. Sobre a prestação jurisdicional: direito penal. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 17.
[8] ARAUJO JUNIOR, Gediel Claudino de. Prática no Processo Civil. 20ª. Ed. GEN. Pág 369.
[9] GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. (coord. Pedro Lenza). Direito processual civil esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 918.
[10] MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos Especiais, 17ª ed., 2017, Atlas, p. 273
[11] Panorama Mobile Time/Opinion Box é um conjunto de pesquisas periódicas sobre hábitos dos brasileiros no consumo de conteúdos e serviços móveis. Atualmente, são trabalhadas cinco linhas de pesquisa, algumas com frequência anual e outras, semestral: Uso de Apps; Comércio Móvel; Mensageria; Uso de smartphones por crianças; Roubo de celulares; e Identificação e Autenticação Digitais. Há ainda uma sexta iniciativa, o Mapa do Ecossistema Brasileiro de Bots, uma radiografia do mercado nacional de desenvolvedores de chatbots, produzida por Mobile Time a partir de coleta de dados diretamente com as empresas. Disponível em: https://panoramamobiletime.com.br/comercio-movel-no-brasil-setembro-de-2019/ Capturado [12] em 23/11/19.
[12] Disponível em: https://blog.whatsapp.com/?l=pt_br. Capturado em 23/11/19.
[13] IV Jornada de Direito Civil. Conselho da Justiça Federal. Coordenador-Geral Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/ Capturado em: 10/11/19.
[14] BRASIL. Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a informatização do processo judicial; altera a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; e dá outras providências.
[15] CUNHA, Rogerio Sanches. STJ: É lícita a gravação de conversa feita pelo destinatário de solicitação de vantagem indevida. Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2018/04/02/stj-e-licita-gravacao-de-conversa-feita-pelo-destinatario-de-solicitacao-de-vantagem-indevida/. Capturado em: 23/11/19.
[16] COELHO, Fabio Ulhoa. O Judiciário e a tecnologia. Portal Migalhas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI298546,91041-O+Judiciario+e+a+tecnologia. Capturado em 13/05/19.

Advogado e Consultor. Pós-Graduado em Direito Societário pelo Instituto Insper (SP), com Especialização em Direito Processual Civil pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP (Lato Sensu). Atua nas áreas de Direito Empresarial, Societário, Direito Bancário e Recuperação Judicial. Autor de diversos trabalhos científicos publicados na área.

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