quinta-feira,18 abril 2024
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As consequencias pela resolução do contrato de compra e venda de imóveis e os seus regimes jurídicos

As consequências pela extinção do contrato de compra e venda de imóvel variam conforme o regime jurídico a ser aplicável. Podem ser citadas as principais normas: lei de Incorporação Imobiliária (Lei 4.591/1964), lei de Loteamentos (Lei 6.766/1979), lei do Consumidor (Lei 8.078/1990), lei do Sistema Financeiro Imobiliário (Lei 9.514/1997), lei civil (Código Civil/2002), e a lei dos Distratos (Lei 13.786/2018).

Com efeito, em relação aos contratos de promessa de compra e venda de imóveis celebrados até 26.12.2018, regidos pelas Leis de Incorporação Imobiliária, de Loteamento e do Código do Consumidor, o Superior Tribunal de Justiça firmou a orientação de que, na hipótese de resolução, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo  comprador integralmente, em caso de culpa exclusiva do vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento, a teor da Súmula 543.

Apesar de a Lei de Incorporação Imobiliária estabelecer que os contratos de promessa de compra e venda nela previstos serem irrevogáveis e irretratáveis, a orientação jurisprudencial do STJ, anterior à legislação de distrato, reconhece o direito de o consumidor/comprador desistir unilateralmente do contrato e receber, de forma imediata e, em pagamento único, a restituição dos valores pagos devidamente corrigidos monetariamente, assegurado ao construtor/vendedor sem culpa pelo distrato, de outro lado, o direito de reter parcela do montante (STJ, 2ª Seção, REsp 1.723.519/SP, rel. Min. Maria Isabel Gallotti).

No contrato de promessa de compra e venda regido pelo Código de Defesa do Consumidor, há de ser estabelecido um prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão de financiamento ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto a cláusula de tolerância de prazo razoável (STJ, 4ª Turma, AgInt no AgInt no AREsp 1507011/RS, rel. Min. Raul Araújo).

Registre-se que a construção imobiliária sob o regime de administração, em que os compradores formam um condomínio, ajustando a construção do empreendimento imobiliário, sob o regime de preço de custo, é regida exclusivamente pela Lei 4.591/64, em seu art. 58, não havendo a incidência do Código do Consumidor. Nesta hipótese, os condôminos são os únicos responsáveis pelo pagamento integral dos custos da obra, e as contribuições financeiras são destinadas ao condomínio, enquanto que o construtor limita-se a receber a remuneração ajustada para a execução da obra, de sorte que o preço do imóvel e o prazo de construção são meramente estimados.

No regime de construção por administração, a responsabilidade pelo andamento, recebimento das prestações e administração da obra é exclusiva dos próprios condôminos/adquirentes, por meio da comissão de representantes, e não da construtora, que é parte ilegítima para responder por demandas visando à rescisão da compra e venda ou à devolução dos valores pagos (STJ, 4ª Turma, REsp 426.934/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão).

Nos negócios jurídicos regidos pelas Leis de Incorporação Imobiliária, Loteamento e do Consumidor celebrados até 26.12.2018, se a extinção do contrato de promessa de compra e venda se operasse por inadimplemento contratual do comprador/consumidor, foi assentada a orientação de que deveria haver a retenção pelo vendedor/construtor de até 25% do total da quantia paga, com correção monetária a partir de cada desembolso e juros moratórios a partir do trânsito em julgado (STJ, 3ª Turma, AgInt no REsp 1862927/RJ, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze).

De outro lado, se a extinção do contrato de promessa de compra e venda se operasse por inadimplemento contratual do vendedor/construtor, haveria a restituição integral dos valores, com correção monetária a partir de cada desembolso e juros moratórios a partir da citação (STJ, 4ª Turma, AgInt no AREsp 1597320/RJ, rel. Min. Maria Isabel Gallotti).

Em ambos os casos, na hipótese de ter usufruído do imóvel, entende-se que deve haver o pagamento a título de indenização pelo tempo em que o comprador ocupou o bem, desde a data em que a posse direta lhe foi transferida, evitando-se o enriquecimento sem causa (STJ, AgInt no AREsp 1378049/SE, rel. Min. Raul Araújo).

Neste sentido, o pedido de resolução contratual cumulada com a devolução dos valores pode ser postulado judicialmente pelo comprador/consumidor, assumindo a culpa pela extinção do contrato (desistência unilateral) ou imputando a culpa ao vendedor/construtor.

Em entendimento de legalidade discutível, há julgados que adotam a orientação de que a resolução judicial do contrato de compra e venda de imóvel, em demanda promovida pelo vendedor/construtor, na qual pleiteia a extinção do contrato e a reintegração da posse do imóvel, implica a restituição das partes ao estado anterior, constituindo a eficácia restituitória, de sorte que a sentença de procedência do pedido que imponha a extinção do contrato e a reintegração de posse deve também determinar a devolução dos valores pagos ao comprador/consumidor, independentemente de pedido da parte (STJ, AgRg no REsp 1289600/TO, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze).

A motivação de que a declaração judicial de rescisão do contrato de compra e venda contém, implicitamente, comando de devolução das quantias eventualmente pagas pelo comprador/consumidor, independentemente de pedido formulado em juízo, colide frontalmente com os princípios dispositivo e da congruência previstos nos ars. 141 e 492 do CPC, eis que a decisão judicial deve se ater aos limites do pedido formulado em juízo, sob pena de nulidade absoluta.

A rigor, a concessão em sentença de uma providência estranha que não foi postulada pelo comprador/consumidor configura decisão extra-petita a ensejar a nulidade absoluta do ato decisório. Em situação análoga, com vistas à observância do princípio da congruência, o verbete da Súmula 381 do STJ aponta que “nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”.

Há recente julgado do STJ no sentido de que, em ação possessória de reintegração da posse movida por vendedor, a condenação ao pagamento por benfeitorias realizadas no imóvel pelo comprador exige a formulação de pedido no momento da contestação, o que deve ser aplicável, pelos mesmos motivos, em relação à temática da devolução dos valores (STJ, 3ª Turma, REsp 1836846/PR, rel. Min. Nancy Andrighi).

Por oportuno, o inadimplemento da obrigação pelo vendedor no contrato de promessa de compra e venda pode implicar, além da devolução dos valores pagos devidamente corrigidos e com juros de mora devidos a partir da citação, a condenação por lucros cessantes condicionada à comprovação dos danos que razoavelmente deixou de lucrar.

Mas, há que se fazer uma distinção importante. Um cenário é quando, em havendo atraso na entrega do imóvel, o comprador ainda manifesta interesse em manter o vínculo contratual, hipótese em que o prejuízo, a título de lucros cessantes, é presumido consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar a obrigação de indenizar por aluguel mensal com base na locação de imóvel assemelhado na mesma região, com termo final na data de disponibilização da posse direta do imóvel ao comprador (STJ, REsp. 1.729.593/SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellize).

De outro lado, tratando-se de pedido de resolução contratual formulado pelo comprador, com base no atraso da entrega do vendedor/construtor, não nos parece lógico presumir os danos, sendo imprescindível a sua efetiva comprovação, a título de lucros cessantes, eis que não mais se manterá o vínculo contatual (TJRS, 17ª CC., AC 0191296-43.2019.8.21.7000, rel. Des. Paulo Sérgio Scarparo).

Em tese, o mero inadimplemento contratual, em razão do atraso na entrega do imóvel, não é fato configurador de dano moral indenizável (STJ, 4ª Turma, AgInt no REsp 1725507/SP, rel. Min. Raul Araújo).

Reputam-se válidas e regulares as cláusulas contratuais que prevejam a responsabilidade pelo pagamento do encargo da comissão de corretagem ao comprador, desde que efetivamente informado do preço total da compra e venda, com destaque do valor da corretagem (STJ, 2ª Seção, REsp 1599511/SP, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino) e a tolerância de 180 dias na entrega do imóvel em construção, por se tratar de regra que atenua os fatores de imprevisibilidade que afetam a construção civil, tais como intempéries, chuvas, escassez de insumos, greves, falta de mão-de-obra, crise no setor, dentre outros (STJ, 3ª Turma, REsp 1.582.318/RJ, rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva).

Pelo princípio da boa-fé objetiva, em se tratando de contrato de compra e venda regido pelo Código do Consumidor, a previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do comprador, deverá ela ser considerada para fixação de indenização pelo inadimplemento do vendedor (STJ, REsp. 1.614.721/DF, rel. Min. Luis Felipe Salomão).

Por oportuno, nos contratos de compra e venda de imóvel cumulados com mútuo com pacto de alienação fiduciária em garantia, afetos ao sistema financeiro imobiliário, a Lei 9.514/97, em seus arts. 26 e 27, estabelece que as consequências da extinção do contrato pelo inadimplemento contratual do devedor devem ocorrer em razão do desfecho do leilão extrajudicial do bem, não havendo um direito subjetivo do consumidor à devolução de valores.

No regime do sistema financeiro imobiliário, a resolução dos contratos de compra e venda e mútuo com pacto de alienação fiduciária, por inadimplemento do devedor, autoriza o credor a proceder à venda extrajudicial do bem imóvel para o ressarcimento do seu crédito, incidindo a obrigação de devolver ao devedor o saldo apurado que exceda o limite do débito (STJ, 3ª Turma, REsp 166753/SP, rel. Min. Castro Filho).

As consequências dependem do resultado do leilão extrajudicial do imóvel a ser conduzido diante do inadimplemento contratual do devedor. Somente haverá direito à devolução de valores em favor do devedor, desde que o lance ofertado no leilão supere o valor da dívida. Se não houver lance ou caso o valor do lance não supere a dívida, haverá a quitação do devedor, sem direito à devolução de valores ao devedor (STJ, 3ª Turma, AgInt nos EDcl no AgInt no REsp 1523934/RS, rel. Min. Moura Ribeiro).

Assim, adotou-se o entendimento de que, ocorrendo inadimplemento do devedor em contrato de alienação fiduciária em garantia de bem imóvel, as consequências da extinção do contrato devem observar as regras especiais previstas nos arts. 26 e 27 da Lei 9.514/1997, afastando a aplicação do art. 53 do Código do Consumidor e da Súmula 543 do STJ (STJ, 4ª Turma, AgInt no AREsp 1724267/DF, rel. Min. Luis Felipe Salomão).

Diante da crise do mercado da incorporação imobiliária e de loteamento, a par de uma perspectiva da análise econômica do direito imobiliário, foi editada a Lei dos Distratos (Lei 13.786/2018), em que instituiu novo regramento para os contratos regidos pelas Leis de Incorporação Imobiliária, de Loteamento e do Consumidor.

Registre-se que, pelo critério da especialidade, os contratos de compra e venda e de mútuo, com pacto de alienação fiduciária de imóveis, ainda continuam sendo regidos pela Lei do Sistema Financeiro Imobiliário, de sorte que as hipóteses de resolução por inadimplemento do comprador/devedor ainda continuam sendo regidas pelos arts. 26 e 27 da Lei 9.514/1997. O § 14, do art. 67-A, da Lei 4.591/64, introduzido pela Lei 13.786/18 é muito claro ao afastar a incidência da nova norma dos contratos com garantia de alienação fiduciária: “Nas hipóteses de leilão de imóvel objeto de contrato de compra e venda com pagamento parcelado, com ou sem garantia real, de promessa de compra e venda ou de cessão e de compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia, realizado o leilão no contexto de execução judicial ou de procedimento extrajudicial de execução ou de resolução, a restituição far-se-á de acordo com os critérios estabelecidos na respectiva lei especial ou com as normas aplicáveis à execução em geral”.

A Lei dos Distratos estabelece que a multa por desistência do comprador varia de 25% da quantia paga, podendo chegar até 50%, quando se tratar de incorporação imobiliária submetida ao regime do patrimônio de afetação, devendo haver previsão contratual clara, fixando tais parâmetros (STJ, 3 Turma, REsp 1820330-SP, rel. Min. Nancy Andrighi).

A devolução dos valores ao comprador deverá ocorrer no prazo máximo de 30 dias após o “habite-se” em se tratando de incorporação imobiliária submetida ao patrimônio de afetação, e, no prazo de até 180 dias, contado da data do desfazimento do contrato, caso a incorporação imobiliária não seja submetida ao regime do patrimônio de afetação. Estabeleceu, ainda, que o comprador pelos valores correspondentes à fruição do imóvel (0,5% sobre o valor do contrato), ao IPTU, ao condomínio e à corretagem imobiliária.

As regras previstas na Lei 13.786/2018, sobre a devolução dos valores pagos e o percentual a ser retido pelo fornecedor em caso de rescisão contratual, por parte do consumidor, sem culpa do fornecedor, são inaplicáveis aos contratos de promessa de compra e venda de imóveis celebrados anteriormente à sua vigência em observância ao princípio da segurança jurídica (STJ, 2 Seção, REsp 1.723.519-SP, rel. Min. Maria Isabel Gallotti).

Sendo assim, há que se identificar o regime jurídico aplicável para serem identificadas as consequências jurídicas para a extinção por resolução dos contratos de compra e venda de imóveis: (i) o verbete da súmula 543 do STJ aplica-se aos contratos de compra e venda celebrados até a vigência da Lei 13.786/2018; (ii) as disposições da Lei 13.786/2018 somente se aplicam aos contratos de compra e venda celebrados a partir da sua vigência; (iii) os contratos de compra e venda e mútuo com pacto de alienação fiduciária ainda continuam sendo regidos pelas disposições constantes dos arts. 26 e 27 da Lei 9.514/97, cuja aplicação foi ressalvada expressamente pela Lei 13.786/2018.

Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor da graduação e do Mestrado na UFRN. Advogado.

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