quinta-feira,28 março 2024
ColunaAdministrativoAbuso de poder e suas espécies

Abuso de poder e suas espécies

Atendendo a pedido de uma querida leitora, o tema de hoje irá versar sobre abuso, excesso e desvio de poder.

Não é de hoje que tal tema despenca nas provas de concursos públicos. Vejamos uma questão posta na prova da Agência Nacional de Saúde em 2010 elaborada pela banca examinadora Fundação Carlos Chagas:

 
Abuso de poder; excesso de poder; desvio de poder:

 a)o primeiro e o segundo são manifestações do terceiro

b) o primeiro e o terceiro são manifestações do segundo.

c) o segundo é manifestação do primeiro e do terceiro.

d) o terceiro é manifestação do primeiro e do segundo.

e) o segundo e o terceiro são manifestações do primeiro.
 

Perceba que a questão aparentemente não é tão complexa, mas exige justamente o conhecimento conceitual de cada item. Ao final do presente estudo a resposta surgirá naturalmente. Então, vamos lá!

Para que a Administração Pública consiga realizar o seu principal papel, qual seja, atingir o bem comum, é concedido a ela alguns poderes. São eles: Discricionário, poder de polícia, hierárquico, regulamentar, disciplinar e vinculado. O erro ocorre quando no exercício de um dos poderes há ilegalidade, incompetência para a prática, ausência de interesse público ou omissão.

Primeiro ponto a se destacar em se tratando de abuso de poder é que trata-se de um gênero, assim, o excesso de poder e desvio de poder (ou desvio de finalidade) são espécies dele.

Antes de partirmos para o detalhamento das espécies, vejamos a brilhante colocação de  José Cretella Júnior:

 

Não só no direito universal como no direito brasileiro, os doutrinadores empregam as expressões ‘excesso de poder’, ‘abuso de poder’, ‘desvio de poder’ ou ‘desvio de finalidade’ como expressões sinônimas. Observe-se que a expressão ‘abuso de poder’ é constituída de dois termos diferentes, ‘abuso’ e ‘poder’, ligados pelo conectivo preposicional e ambos com sentido técnico que é preciso esclarecer. O vocábulo ‘abuso’ é a primeira parte da expressão, aliás bastante precisa: ultrapassagem, passagem além do uso, uso abusivo. Nesse caso, o agente ‘abusa do poder’ que lhe foi dado. A segunda parte da expressão é ‘poder’, completando, assim, o substantivo ‘abuso’, assim explicado pelos autores: o poder administrativo exerceu-se ultrapassando os fins visados pela lei. ‘Abuso de poder’ é, assim, o uso imoderado da sua competência. Para alguns autores as três expressões ‘desvio de poder’, ‘excesso de poder’ e ‘abuso de poder’ são absolutamente sinônimas, ao passo que, para outros, ‘desvio de poder’ é a simples modalidade do ‘excesso de poder’ ou ‘abuso do poder’.

 

 

ABUSO DE PODER

Para que o exercício do poder seja considerado legítimo, o agente público deve seguir estritamente a previsão legal, como se sabe, ao contrário do particular, a Administração Pública só pode fazer aquilo que a lei determina.

No memento em que o agente público age de forma ilegítima é que se caracteriza a o abuso de poder.

O abuso de poder pode se manifestar de forma omissiva ou comissiva. Vejamos o que bem conceituou a renomado doutrinador Hely Lopes Meirelles:

O abuso de poder tanto pode revestir a forma comissiva como a omissiva, porque ambas são capazes de afrontar a lei e causar lesão ao direito individual do administrado. A inércia da autoridade administrativa,  deixando de executar determinada prestação de serviço a que por lei está obrigada, lesa o patrimônio jurídico individual. É forma omissiva de abuso de poder, quer o ato seja doloso ou culposo.

Tendo em vista que o abuso de poder é mais amplo, é gênero, encontram-se duas espécies dele decorrente: Excesso de poder e desvio de poder.

 

EXCESSO DE PODER

O excesso de poder se manifesta quando a atuação do agente público desrespeita os  limites da sua competência . Assim, diz-se que há excesso de poder no momento em que o agente público  ultrapassa os limites de atuação previamente estabelecidos pela lei.

Neste diapasão, a incompetência pode ser total ou parcial. Um agente pode praticar determinado ato no  qual é totalmente incompetente, ou seja, que é completamente fora da sua alçada. Mas há ainda, atos que inicialmente são legítimos por serem praticados nos limites determinados por lei, contudo, em algum aspecto se mostram eivados de excesso de poder, visto que, o agente extrapolou os limites de sua competência.

Ponto bastante interessante dentro da temática se refere a consequência gerada pelo ato cometido com excesso. Será tal ato nulo de pleno direito? A resposta ao questionamento encontra guarida no Art. 55 da lei 9784 de 1999:

Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração.

Desta forma, entende-se que ainda que o ato seja praticado totalmente fora da competência atribuída ao agente, pode ser convalidado, passa a ser válido então mediante a ratificação do ato. Para que isso ocorra, leva-se em consideração o fato de o vício ser sanável ou não. Tal análise é feita levando em consideração a possível lesividade da convalidação. Deste modo, se da convalidação não ocorrer prejuízos a terceiros, tampouco lesão ao interesse público, entende-se que o vício é sanável.

Não há que se falar em ratificação se é praticado ato maculado pelo excesso de poder  é de competência absoluta de outro ente ou quando a incompetência se der em razão da matéria.

Destaca-se que os atos vinculados são obrigatoriamente convalidados (quando obedecidos os requisitos estabelecidos)  ao passo que, os discricionários obedecem a conveniência e oportunidade.

Lembremos-nos ainda que a responsabilidade do Estado é objetiva, portanto, sempre que do excesso praticado pelo agente público surgir prejuízo ao particular, cabe ação judicial contra a Administração. Contudo resguarda-se o direito de regresso que atingirá o servidor, analisando neste caso a ocorrência de dolo ou culpa do agente. Vejamos a acertada decisão do Tribunal de Minas Gerais:

TJ-MG – Apelação Cível AC 10145120309458001 MG (TJ-MG)

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – ABUSO DE PODER DA POLICIA MILITAR – VIOLÊNCIA DESPROPOSITADA E DESPROPROCIONAL – VÍTIMA FATAL – RESPONSABILIDADE DO ESTADO – DANOS MORAIS – PENSIONAMENTO MENSAL. Nos termos do art. 37 , § 6º , da Constituição da República, a administração pública e os prestadores de serviço público responderão objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Comprovada a atuação da polícia militar com abuso de poder e excesso, mediante violência despropositada e desproporcional, que ocasionou, inclusive, a morte do filho dos autores. A indenização por danos morais não deve implicar em enriquecimento ilícito, tampouco pode ser irrisória, de forma a perder seu caráter de justa composição e prevenção. O pensionamento mensal deve ser feito conforme a orientação do STJ no caso de morte de filho menor, pensão aos pais de 2/3 do salário percebido (ou o salário mínimo caso não exerça trabalho remunerado) até 25 (vinte e cinco) anos e, a partir daí, reduzida para 1/3 do salário até a idade em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos.

 

Observa-se que na decisão supra exposta, a polícia extrapolou sua competência, de forma truculenta  buscou aplicar sanção, que obviamente, não é da sua competência e sim do judiciário.

Para facilitar, lembre-se:  o excesso de poder ocorre quando o agente excede sua competência. 

DESVIO DE PODER

Também chamado de desvio de finalidade, o desvio de poder é praticado por agente competente, porém, a finalidade é estranha ao interesse público.

O mestre Hely Lopes Meirelles assim define:

O desvio de poder verifica-se quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou fins diversos dos objetivados por lei ou exigidos pelo interesse público. É uma violação moral da lei, colimando o administrador fins não queridos pelo legislador, ou utilizando motivos ou meios imorais para a prática de um ato administrativo aparentemente legal.

Tal situação fica clara quando um agente público, por exemplo, embora competente para pedir transferência de outro servidor, só o faz por suspeitar que o mesmo mantenha um romance secreto com sua esposa. Perceba que na trágica situação hipotética exposta, o agente praticou o ato eivado de finalidade estranha ao interesse da Administração. É sim competente para tal, contudo, o que o motivou não interessa à coletividade, em nada se aproveita para o bem comum. Fica claro que se configurou o desvio de poder, visto que, tal ato apenas massageou o ego do servidor desconfiado e o deixou digamos, com a cabeça um pouco mais leve.

Alguns doutrinadores ampliam a abrangência conceitual, definindo ainda como desvio de motivo.

Observemos agora o posicionamento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

TRF-4 – APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO APELREEX 3936 RS 2006.71.14.003936-9 (TRF-4)

Data de publicação: 24/03/2010

Ementa: INFRAÇÕES DE TRÂNSITO. NULIDADE. MOTIVO E FINALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO ATINGIDOS. DESVIO DE PODER CONFIGURADO. O que se verifica é que, ao lavrar os AIT’s, o agente policial não teve como intuito punir o autor por infrações previstas no Código de Trânsito Brasileiro , mas sim puni-lo pela agressão que sofreu minutos antes, a evidenciar que o agente de trânsito atuou com desvio de poder, eis que se serviu de um ato para satisfazer finalidade alheia à natureza do ato utilizado.

No país do “jeitinho’’, casos de desvio de poder são recorrentes. Como acertadamente afirmou Celso Antonio Bandeira de Melo, “desgraçadamente, no Brasil, casos de desvio de poder existem aos bolhões, ao ponto de poder-se imaginar que sejamos expoentes nesta matéria.”. Deste modo, não se esqueça que todas as vezes que se deparar com questões que demonstrem que embora competente, o agente  desvia seu  motivo ou finalidade para algo alheio ao interesse público, estaremos diante de desvio de poder.

Ah, depois de darmos uma visão geral acerca do tema, certamente  você já sabe qual a resposta da questão colocada no início, não é mesmo? 

A resposta é a letra “E’’ :

Questão: Abuso de poder; excesso de poder; desvio de poder

e) o segundo e o terceiro são manifestações do primeiro.

 

VAMOS GABARITAR ADMINISTRATIVO!  😉

 

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3 COMENTÁRIOS

    • Não. Abuso de poder na modalidade excesso de poder é atuar fora dos limites de sua competência. Nesse sentido.. ou ele ultrapassa o limite da competência ou age fora da competência. Omissão não é compatível com essa modalidade de abuso de poder.

    • Existe sim.
      Para concursos, a banca CEBRASPE adota a tese de que tanto no Excesso quanto no Desvio de Poder, cabem a modalidade omissiva. Vejamos:

      1) Ao se omitir, você está sendo permissivo. É da sua competência ser permissivo? Não

      2) Você está agindo além da sua competência ao ser permissivo com algo que você deveria coibir? Sim, porque sua competência é coibir.

      3) Agir além da sua competência é excesso de poder? Sim.

      Portanto, OMITIR-SE diante de uma conduta que você deveria COIBIR é sim uma conduta de excesso de poder.

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