quinta-feira,28 março 2024
ColunaTrabalhista in focoA Súmula nº 443 do TST e o combate à discriminação

A Súmula nº 443 do TST e o combate à discriminação

Coordenação: Francieli Scheffer H.

 

A redação da Súmula nº 443 do TST é razoavelmente bem conhecida no âmbito das relações trabalhistas. Ela possui a seguinte redação: “Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego”.

Na década de 80 a AIDS assombrou o mundo com o rápido adoecimento de pessoas e a morte era quase que inevitável. A doença ainda pouco conhecida, gerava muito preconceito, até mesmo pela falta de informação, além de dificuldades no tratamento.

O entendimento consubstanciado no enunciado da súmula foi construído por inúmeras decisões de empregados que possuíam o vírus HIV e eram alvo de atitudes discriminatórias pelo empregador e, geralmente, culminava na rescisão do contrato.

Esses trabalhadores procuravam a Justiça do Trabalho para relatar situações de segregação no seu emprego e então pleiteavam o retorno ao emprego e ainda, em alguns casos, a condenação do empregador em uma compensação financeira pelo dano moral sofrido.

As decisões judiciais, em sua grande maioria, estabeleceram que, apesar de não existir lei de garantia ao emprego para o trabalhador nestas circunstâncias, o ato discriminatório limita o poder de rescisão do contrato.

A discriminação é repudiada pela Constituição de 1988, nos termos do artigo 3º, inciso IV e o próprio respeito à dignidade da pessoa humana é fundamento basilar do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, inciso III). Dessa forma, assegurar o cumprimento desses princípios sobrepõem-se à própria inexistência de dispositivo legal que assegure ao trabalhador portador do vírus HIV estabilidade no emprego (BRASIL, 1998).

No âmbito internacional, já em 1996, vige no Brasil a Convenção nº 111 da OIT, que trata do combate de toda forma de discriminação no âmbito laboral. Neste sentido, é “papel do Judiciário Trabalhista, considerando a máxima eficiência que se deve extrair dos princípios constitucionais, a concretização dos direitos fundamentais relativamente à efetiva tutela antidiscriminatória do trabalhador portador de doença grave e estigmatizante, como a AIDS” (BRASIL, 2011a).

Assim, em que pese o direito do empregador em rescindir o contrato de trabalho, este não se traduz em direito puramente potestativo, ou seja, que depende somente do arbítrio de uma das partes, mas sim meramente potestativo, quando a vontade se submete a fatores externos.

As decisões judiciais, portanto, em sua grande maioria acolhiam o pedido dos trabalhadores e determinavam a reintegração ao trabalho, pois declaravam o ato rescisório inválido.
O entendimento do combate à discriminação foi ampliado e abarcou a limitação de rescisão contratual pelo empregador para situações além do portador de HIV, mas sim de todas as outras doenças que trouxessem um impacto semelhante.

Como precedente da Súmula 443 do TST está o julgamento ocorrido nos autos do processo nº 2215001020085020057 em que um empregado foi demitido um dia após o retorno de sua licença médica decorrente de um tratamento de câncer.

No julgamento os ministros do TST se posicionaram que “o empregador, como quem ingressa na ordem econômica e social da república democrática brasileira, deve assumir sua postura diante dos princípios constitucionais de valorização do homem trabalhador. Assim, o direito potestativo do empregador de despedir a empregada na circunstância dos autos não encontra amparo legal e moral, diante de uma interpretação sistemática da Constituição, revelando-se a rescisão contratual completamente discriminatória e arbitrária”.

O fato de o empregado possuir esquizofrenia também trouxe o reconhecimento judicial de dispensa discriminatória e determinação de reintegração no julgamento do Recurso de Revista do processo nº 105500-32.2008.5.04.0101.

A decisão judicial foi fundamentada no art. 8º, caput, da CLT e ainda na interpretação ampliativa da Lei 9.029/95, que proíbe práticas discriminatórias no âmbito das relações de trabalho: “Isto porque, sendo a empregadora conhecedora do acometimento do empregado de doença incurável, era seu dever encaminhá-lo ao órgão previdenciário, para que pudesse usufruir do seu direito ao gozo do auxílio-doença previdenciário durante o prazo que fosse necessário ao tratamento e, se for o caso de constatada a incapacidade laborativa, possa este, usufruir do benefício de aposentadoria por invalidez” (BRASIL, 2004).

Diante de outros inúmeros casos que estavam sendo julgados no mesmo sentido, em 2012, o TST aprovou a Resolução 185 com a redação da Súmula 443.

Apesar de constar expressamente que portador de vírus HIV tem a presunção em seu favor, a súmula também deixa claro que ela é direcionada para outras doenças em que se encontra o mesmo estigma ou preconceito.

Em julgamento do processo nº 10006751120205020374, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, foi proferido o entendimento que o estigma é caracterizado tanto pelas deformações físicas, quanto por distúrbios mentais, vícios, dependências tóxicas entre outras além de outras espécies de discriminação por motivos de sexo, origem, raça, cor, crença, conforme o art. 1º da Constituição (BRASIL, 2021a).

No entanto, o Tribunal Superior do Trabalho já se posicionou quanto à depressão não estar no rol de doenças que importem em estigma ou preconceito: “Conquanto a depressão seja uma doença considerada grave, apta a limitar as condições físicas, emocionais e psicológicas de uma pessoa, não é possível enquadrá-la como uma patologia que gera estigma ou preconceito. Logo, se não há elementos probatórios que ratifiquem a conduta discriminatória do empregador, o empregado não tem direito de reintegração ao emprego” (BRASIL, 2018).

Por outro lado, a rescisão do contrato de empregado com dependência alcoólica já foi considerada discriminatória: “Tendo em vista que a Síndrome de Dependência Alcoólica é catalogada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como doença grave, a dispensa do empregado em decorrência de sua condição viola o entendimento consubstanciado na Súmula 443 do TST. Sua reintegração é, pois, medida que se impõe” (BRASIL, 2021c).
Uma das situações mais controversas é se a demissão será entendida como discriminatória quando a empresa, que sempre teve ciência da condição do empregado, rescinde seu contrato após alguns anos de trabalho.

O ponto central é entender que a súmula traz somente uma presunção de conduta discriminatória e, portanto, o ônus de comprovar que a rescisão não ocorreu em razão da doença será do empregador e, neste sentido, o fato de ter havido a manutenção do contrato por algum período, seria uma prova de não ocorrência de discriminação.

No entanto, se diante de vários outros empregados, a rescisão ocorreu somente daquele que possui certo tipo de doença, pode ficar evidente a conduta indevida do empregador.

Nos termos do julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, mesmo que a rescisão não tenha ocorrido imediatamente após o diagnóstico, no caso de doença grave e socialmente estigmatizada, “a presunção labora em favor do empregado, sendo ônus da prova do empregador a inexistência de ato discriminatório” (BRASIL, 2021b).

No entanto, para os casos em que não se há clareza acerca do estigma da doença, o encargo de comprovar essa realidade será do reclamante: “Uma vez que a doença, causa de pedir do dano moral aduzido, não se enquadra no conceito de doença grave que suscite estigma ou preconceito, tema da súmula nº 443 do C. TST, não há que se falar em inversão do ônus da prova. Por se tratar de fato constitutivo de seu direito, competia à autora o ônus probante (artigo 818, I da CLT e artigo 373, I do CPC)” (BRASIL, 2021d).

Outro ponto bastante relevante e atual é se a demissão de trabalhador contaminado por COVID-19 pode ser encarada como discriminatória. O TRT da 19ª Região entendeu ter havido dispensa discriminatória em razão do empregado ter sido acometido pelo novo coronavírus, mas não determinou a reintegração, fixando somente uma compensação financeira pelo dano moral: “Demissão Discriminatória. Covid -19. Dano moral devido. Restou evidente nos autos que o obreiro tenha sido dispensado de forma discriminatória, por ter contraído Covid 19. Devido os danos morais postulado” (BRASIL, 2021e).

Com certeza, o entendimento consubstanciado na Súmula nº 443 do TST é bastante relevante para a proteção do trabalhador e seus termos abertos, para além do portador do vírus HIV, favorece a manutenção do emprego a todos aqueles fragilizados diante de uma doença estigmatizante.

 


Referências

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº 439041/1998. Relator: Ministro João Oreste Dalazen. Brasília, 23 de maio de 2003.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº 317800-64.2008.5.12.0054. Relator: Maurício Godinho Delgado. Brasília, 01 de junho de 2011a.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº RR 105500-32.2008.5.04.0101. Relator: Rosa Maria Weber Candiota da Rosa. Brasília, 29 de junho de 2011b.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº RR 10374620145020081. Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos. Brasília, 15 de junho de 2018.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº 2215001020085020057. Relator: Aloysio Correa Da Veiga. Brasília, 08 de fevereiro de 2021.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Recurso Ordinário nº 10006751120205020374. Relatora: Ivani Contini Bramante. São Paulo, 2021a.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Recurso Ordinário nº 01010266920185010030. Relator: César Marques Carvalho. Rio de Janeiro, 2021b.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Recurso Ordinário nº 00106696320205030015. Relator: Manoel Barbosa da Silva. Belo Horizonte, 2021c.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Recurso Ordinário nº 10005860620205020077. Relator: Ricardo Apostólica Silva. São Paulo, 2021d.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região. Recurso Ordinário nº 00003649420205190008. Relator: Antônio Catão. Maceió, 2021e.

Advogado e professor. Doutorando em Ciências Farmacêuticas, Mestre em Direito da Saúde e especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário.

Receba artigos e notícias do Megajurídico no seu Telegram e fique por dentro de tudo! Basta acessar o canal: https://t.me/megajuridico.
spot_img

DEIXE UM COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

spot_img

Mais do(a) autor(a)

spot_img

Seja colunista

Faça parte do time seleto de especialistas que escrevem sobre o direito no Megajuridico®.

spot_img

Últimas

- Publicidade -