sexta-feira,29 março 2024
ColunaCorporate LawA Sociedade Civil e o terceiro setor

A Sociedade Civil e o terceiro setor

Sociedade Civil é uma expressão que indica o conjunto de organizações e instituições cívicas voluntárias que constituem os alicerces de uma sociedade em funcionamento, em oposição com estruturas que são ajudadas pelo Estado.

A Sociedade Civil é o terreno onde se concentram todos os conflitos de ordem econômica, ideológica, social e religiosa que o Estado tem a cargo de resolver, intervindo como mediador ou reprimindo-o (Bobbio); Organizações da Sociedade civil se refere à totalidade das organizações voluntárias que formam a base de uma sociedade em funcionamento, por oposição às estruturas apoiadas pela força de um Estado.

A Sociedade Civil em Bobbio

Trata-se de um conceito muito amplo, onde: “Não se pode determinar seu significado e delimitar sua extensão senão redefinindo simultaneamente o termo “Estado” e delimitando a sua extensão”.
O livro “Estado, Governo e Sociedade” ainda nos traz vários conceitos importantes, dentre eles:

  • Relações sociais não regulamentadas pelo Estado;
  • A sociedade é criada para nossas necessidades;
  • Sociedade civil como infraestrutura e Estado superestrutura.

August Ludwig trabalha a distinção entre sociedade civil sem império e sociedade civil com império, a concepção burguesa de Sociedade Civil pressupõe o indivíduo e os grupos sociais independentes do Estado com seus direitos naturais que limitam e restringem a esfera do poder político.

O termo “sociedade civil” em seu significado moderno nasceu da contraposição entre esfera política e esfera não política (Bobbio). Seguindo Bobbio e também Jellinek definem a Sociedade Civil como conjunto de relações não reguladas pelo Estado.

O primeiro estudo envolvendo a expressão sociedade civil, foi o “Ensaio Sobre a História da Sociedade Civil”, escrito pelo filósofo escocês Adam Ferguson, em 1767, para Ferguson, a “sociedade civil” é o oposto do indivíduo isolado, ou, mais especificamente, a condição do homem que vive numa cidade, posteriormente Immanuel Kant desenvolveu o conceito de Sociedade Civil como uma sociedade estabelecida com base no direito, todavia, em seu sentido moderno, a expressão é atribuída ao filósofo alemão Friedrich Hegel. Segundo Hegel, a sociedade civil era um estágio no relacionamento dialético entre os opostos percebidos por Hegel, a macro-comunidade do Estado e a micro-comunidade da família.

E quanto ao terceiro setor?

Terceiro Setor no Mundo-Sociedade Civil Transnacional

As ONGs são as organizações mais evidentes do “3º Setor”, a Cruz Vermelha é considerada a 1ª ONG Internacional do Mundo (Século XIX), por ter sido a primeira organização da sociedade civil a atuar em outro país dentro do modelo que ainda hoje se observa. Hoje temos organizações que atuam em vários países do mundo, ora criadas para fiscalizar o Poder Público e combater abuso do poder econômico, ora para ajudar o estado nas deficiências governamentais, destaque para Servas, Visão Mundial; Save the Children, Oxfam, Médicos Sem Fronteiras, Human Rights Watch, Greenpeace etc…

Algumas instituições atuam regionalmente como o Companheiros das Américas, Fundação Interamericana e os Centros de Estudos sobre América Latina vinculados as Universidades americanas. Algumas ONGs mobilizam recursos maiores que o PIB de vários países juntos. A economia oriunda do “Terceiro Setor” equivale ao 6º ou 7º país mais rico do mundo. De acordo com O ART. 11 da LEI DE INTRODUÇÃO AS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO (L. 4.657/1942), as organizações de interesse coletivo estrangeiras dependem de autorização do governo brasileiro para atuar no Brasil .

Não há consenso doutrinário que defina o Terceiro Setor. A Ciência Política e a Sociologia consideram: o Estado (1º Setor), o Mercado / empresas (2º Setor) e as organizações privadas, sem fins lucrativos, que atuam em áreas de interesse público (3º Setor).
As ONGs são as organizações mais evidentes do 3º Setor e a base vem das instituições militares e religiosas. No Brasil, o tema foi impulsionado pela Constituição de 1988 e pela Lei das OSCIP’s em 1999, trazendo avanços à “sociedade civil organizada”. Lester Salomon conceitua Terceiro Setor: “um conjunto muito amplo de organizações autônomas de caráter privado que não distribuem lucros para seus membros e servem desinteressadamente a coletividade”.

ONGs

ONG é sigla de Organização Não-Governamental. No geral, as ONGs nasceram para 1) fiscalizar o Poder Público e os abusos do poder econômico; 2) atuar ao lado do governo, diante das deficiências governamentais; 3) por uma causa. Segundo o jurista Paulo Haus: A designação negativa (não-governamental) revela um cunho de independência do governo.
Algumas ONGs não merecem o termo ‘organização’ (uma quantidade alarmante!), outras são profundamente governistas ou governamentais, chamadas por muitos de ODGs ou organizações dependentes de governos.
Não há no Direito brasileiro qualquer designação “ONG”, não há um tipo societário chamado ONG no Brasil, mas um reconhecimento de cunho cultural, político e sociológico que está em vigor mundo afora.
As “OSCIPs” são qualificações conferidas pelo Poder Público para as instituições privadas, sem fins lucrativos que atuem em áreas de interesse público.

Histórico do 3º Setor no Brasil

Em 1543 foi fundada a Santa Casa de Misericórdia, na Vila de Santos– Capitania de São Vicente; em 1908 a Cruz Vermelha chega ao Brasil; em 1910 os escoteiros estabelecem-se no Brasil, com o objetivo de “ajudar o próximo em toda e qualquer ocasião”, em 1935 foi criada a lei que qualifica instituições como Utilidade Pública.

Em 1961 houve o surgimento da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE); em 1983 a Criação da Pastoral da Criança; em 1993 Herbert de Souza, Betinho, cria a Ação da Cidadania Contra a Miséria e Pela Vida. Criada também a LOAS; em 1995 houve a criação da Comunidade Solidária, 1997 a criação dos primeiros Centros de Voluntários no País; 1998 foram promulgadas as Lei 9.608 e 9.637, Leis do Serviço Voluntário e das “OS”.

Em 1999 foi promulgada a Lei 9790, conhecida como Lei de “OSCIPs”, em 2001 foi proclamado pela ONU como o Ano Internacional do Voluntariado, em 2009 surge a Lei 12101/2009 que concede o CERTIFICADO DE ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CEBAS) e em 2014 foi promulgada a Lei 13.019 como “novo marco regulatório.

No Brasil, o número de pessoas ocupadas no Terceiro Setor vem crescendo a cada ano e hoje já representa boa parte de nosso PIB, mesmo nos dias atuais, existe muita polêmica acerca do assunto Terceiro Setor. As dúvidas são muitas e vão desde os conceitos e diferenças até a forma de receber benefícios tributários.

As ONG´S nascem para fiscalizar o Poder público e as práticas abusivas das empresas, atuar ao lado do governo, diante das deficiências e/ou por uma causa de idealismo de seus fundadores, as OSCIP´S é uma qualificação concedida pelo governo federal para instituições privadas sem fins lucrativos que atendam aos requisitos da lei 9.790/1999. A qualificação e enquadramento legal permitem que a instituição crie vínculo com o Poder Público através de parcerias com repasse de recursos, dentre outros benefícios.

Não existe um modelo pronto para ONG´S e OCIP´S, pois cada uma delas detém suas características, objetivos e estruturas. Chiavenato nos diz: “as organizações não constituem uma unidade pronta e acabada, mas um organismo social vivo e sujeito a constantes mudanças e transformações”. As organizações não são estruturas rígidas e imutáveis, pois interagem, mudam, constroem seus caminhos, influenciam a sociedade e são influenciadas por ela.

Existem várias definições para organizações: Segundo Parson, “as organizações são unidades sociais ou agrupamentos humanos intencionalmente construídos a fim de atingir objetivos específicos”. A sociedade é composta por diversas organizações e cada uma delas é formada por pessoas que se reúnem para realizar algo.

De acordo com o art. 981 do Código Civil/02: “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”. Maximiniano define como sendo “grupos sociais orientados para realização de objetivos que se traduzem no fornecimento de produtos e serviços”. Essa definição nos mostra que cada organização tem uma identidade própria e que as pessoas estão reunidas de forma deliberada e intencional para atingir resultados ou objetivos (affectio societatis), no direito clássico.

O Terceiro Setor oferece produtos, serviços e campanhas não ligadas ao governo e, por esse motivo, não deve estar voltado ao lucro. Os aspectos contratuais, tributários e trabalhistas aplicados as instituições do 3º Setor são os aspectos inerentes a qualquer pessoa jurídica de direito privado. Todas as organizações devem obrigatoriamente estar formalizadas a partir do registro de seus Estatutos que contém objetivos (tipos atividades), quem são os associados e a forma de administração. Sob a ótica do Direito Administrativo, a jurista Maria Silvia conceitua Terceiro Setor como: “pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa de particulares, para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado com incentivo e fiscalização do Poder Público”. (DI PIETRO, 2003, p 422)

De acordo com a Lei 10.406/2002 (Código Civil):

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I – as associações; II – as sociedades; III – as fundações.
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Art. 46. O registro declarará:
I – a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver; II – o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores; III – o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente; IV – se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo; V – se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais; VI – as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.
Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.
Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.
Art. 55. Os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais.
Art. 57. A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto.
Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.
Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins de: I – assistência social; II – cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; III – educação; IV – saúde; V – segurança alimentar e nutricional; VI – defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; VII – pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de sistemas de gestão, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos; VIII – promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos humanos; IX – atividades religiosas.


Referências
BARBOSA, Maria Nazaré Lins; OLIVEIRA, Carolina Felippe. Manual de ONGs: guia prático de orientação jurídica. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. 178p.
BENÍCIO, João Carlos. Gestão financeira para organizações da sociedade civil. São Paulo: Editora Global, 2001.
CAMARGO, M. F. de, SUZUKI, F. M., UEDA, Mery, SAKIMA, R. Y. e GHOBRIL, A. N. Gestão do Terceiro Setor no Brasil – Estratégias de captação de recursos para organizações sem fins lucrativos. São Paulo, Futura, 2001. 204p.
CARVALHO, Nanci Valadares de. Autogestão- O Nascimento das ONGs. Editora Brasiliense. 2ª ed. rev. 1995.193p.
COELHO, Simone de Castro. Terceiro Setor: Um Estudo Comparado Entre Brasil e Estados Unidos. São Paulo: Editora Senac, 2000. 223p.
CORULLÓN, Mónica Beatriz Galiano; FILHO, Barnabé Medeiros . Voluntariado na Empresa Gestão eficiente da participação cidadã. Editora Fundação Peirópolis, 2002. 144p.
COSTA, Aloysio Teixeira. Administração de entidades sem fins lucrativos. São Paulo: Nobel, 1992.
COSTA, Cristina (org.), OLIVIERI, Cristiane, CASTRO, Gisela, SOARES, Ismar de Oliveira, FERRAZ, Luci, KISIL, Marcos, MOTTER, Maria de Lourdes, FÍGARO, Roseli. Gestão da Comunicação: Terceiro Setor, Organizações Não Governamentais, Responsabilidade Social e Novas Formas de Cidadania. Editora Atlas, 2007. 102p.

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