segunda-feira,18 março 2024
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A segurança jurídica, a boa-fé e a teoria da aparência no negócio jurídico de compra e venda de imóveis

Em julgamento publicado no dia 09.09.2021, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no AgInt no AREsp 737.757, decidiu sobre as formalidades necessárias aos negócios jurídicos de compra e venda de bens imóveis em hipótese na qual houve a ponderação entre os efeitos da invalidade de procuração utilizada em escritura pública de compra e venda, a teoria da aparência e a boa-fé do comprador.

A sócia majoritária e a diretora da empresa responsável pelo loteamento Santa Terezinha outorgaram, em 15.04.1997, procuração pública com poderes para a alienação dos lotes em favor de Umberto Jabour Antonini, o qual substabeleceu os poderes a José Maria Vivacqua dos Santos e José Eduardo Vervloet dos Santos, ambos sócios da empresa loteadora. Com base na citada procuração foram celebradas escrituras públicas de compra e venda tendo por objeto 43 lotes à empresa Lazer Ltda. Sucede, no entanto, que a procuração teve a sua nulidade decretada por sentença já alcançada pelo trânsito em julgado em 2005, uma vez que a sócia controladora não detinha poderes de representação da sociedade, e a diretora não poderia agir isoladamente.

Assim, foi ajuizada ação em que se pleiteou a declaração de nulidade das escrituras públicas de compra e venda dos imóveis firmadas mediante utilização de procuração pública posteriormente declarada nula. A temática envolve a discussão sobre os efeitos da decretação posterior da nulidade da procuração pública a qual foi utilizada na celebração de escrituras públicas de compra e venda de imóveis, alcançando a ponderação entre os efeitos da nulidade da procuração, a teoria da aparência e a boa-fé do comprador.

Por oportuno, afigura-se recomendável pelo comprador a realização de prévia diligência legal envolvendo os sujeitos do contrato e o bem imóvel. Tratando-se de pessoa jurídica, deve haver a análise do contrato social para identificar como deve ser representada a sociedade em negócio jurídico de compra e venda de imóvel.

A situação fiscal do vendedor deve estar regular, mediante a expedição das certidões negativas federal, estadual e municipal, isso porque o CTN, em seu art. 185, com a redação dada pela Lei Complementar nº 118/2005, dispõe que se presume fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, por sujeito passivo em débito para com a fazenda pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa, salvo na hipótese de terem sido reservados bens ao pagamento total da dívida inscrita (REsp 810.489, relatora ministra Eliana Calmon).

Para identificar demanda ou decisão judicial que possa repercutir no imóvel, o comprador deve obter certidões de ações ajuizadas nas justiças federal, estadual e trabalhista em nome do vendedor. Já se decidiu que se espera do comprador do imóvel a adoção de providências costumeiras no meio imobiliário que é a obtenção de certidões dos feitos ajuizados em nome do vendedor (REsp 655.000, relatora ministra Nancy Andrighi).

Há ainda a necessidade de ser providenciada a certidão de registro de propriedade e de ônus do imóvel. A propósito, visando adotar um cenário da segurança jurídica, a Lei 13.097/2015, em seu art. 54, consagra o princípio da concentração dos atos registrais na matrícula do imóvel, pelo qual a matrícula imobiliária passou a ser o documento público de referência para a comprovação da situação jurídica em que se encontra o imóvel, de sorte não apenas a comprovar a titularidade da propriedade como também de certificação da existência de ônus ou ações judiciais sobre o imóvel.

Vale dizer, o princípio da concentração registral previsto na Lei 13.907/2015 determina que todas as informações e direitos que tenham influência no registro imobiliário necessitam ser inscritos na matrícula do imóvel para que o comprador tenha conhecimento de qualquer tipo de restrição passível de macular sua aquisição, de sorte que não poderão ser opostas ao terceiro de boa-fé as situações jurídicas que não constarem da matrícula do imóvel (RMS 55.425, relator ministro Sérgio Kukina).

Esta é a teleologia da súmula 375 do STJ, segundo o qual “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.

Da exegese sistemática do art. 54 da Lei 13.907/2015 e do verbete da súmula 375 do STJ, entende-se que, não havendo o registro na matrícula do imóvel da constrição ou processo judicial, o ônus da prova de que o terceiro tinha conhecimento da demanda ou do gravame judicial transfere-se para o credor (AgInt no AREsp 394.351, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira).

No caso examinado pela 4ª Turma do STJ, decidiu-se, por maioria, pela aplicação da teoria da aparência aos negócios jurídicos envolvendo bens imóveis, quando demonstrada a existência de situação aparente e justificada na crença da legitimidade da representação do vendedor, aliada à boa-fé do comprador. Neste sentido, torna-se possível a aplicação da teoria da aparência para afastar suposto vício em negociação realizada por pessoa que se apresenta como habilitada para tanto, desde que o terceiro tenha firmado o ato de boa-fé (AgInt no REsp 1.543.567, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva).

Por sua vez, em voto vencido, a ministra Maria Isabel Gallotti assentou que a nulidade da procuração utilizada na compra e venda de imóvel torna o negócio jurídico a non domino, isto é, a venda do imóvel foi firmada por quem não é o seu proprietário ou por meio de pessoa a quem não tenham sido outorgados poderes de representação para tal finalidade, sendo um vício insanável. Trata-se de vício que afeta a própria existência jurídica do negócio jurídico. A rigor, o registro imobiliário foi feito com erro, uma vez que se permitiu a transferência da propriedade por pessoa que não estava legitimada a fazê-lo, de modo que não se pode admitir que a nulidade seja sanada pela simples revenda a terceira pessoa, ainda que de boa-fé. Neste sentido, já se decidiu que a venda de bem feita por procurador a quem não foram outorgados poderes para realizar o negócio jurídico representa vício insanável, não sendo possível prestigiar a boa-fé que, em venda sucessiva, adquire o imóvel de pessoa em cujo nome o imóvel foi registrado (REsp 62.308, relator ministro Eduardo Ribeiro).

As peculiaridades fáticas do caso revelam, a um só tempo, tanto a boa-fé do comprador como a situação de aparência de legitimidade das pessoas que agiram como procuradores do vendedor (sócia majoritária e diretora da empresa loteadora), o que nos parece que a solução jurídica adotada no AgInt no AREsp 737.757 não pode ser recebida como uma orientação paradigmática sobre o assunto.

 

 

Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor da graduação e do Mestrado na UFRN. Advogado.

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