Como é trivial, diante da iminência do Dia das Mães, os encarcerados fazem jus à saída da prisão para a convivência familiar na data festiva, assim se repetindo em Dia dos Pais e Natal, como forma de reintegração do indivíduo e transmissão de valores.
O benefício está contemplado na Lei n. 7.210/84, a qual prescreve as saídas dos presos que estão cumprindo pena em regime semiaberto:
Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:
I – visita à família;
II – freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;
III – participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.
Parágrafo único. A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução.
No dia 10 de maio mais uma vez Suzane Von Richtofen – condenada pelo assassinato dos pais em 31/10/2002 – e Ana Carolina Jatobá – condenada pela morte da enteada em 29/03/2008 – obtiveram o benefício da saída para o Dia das Mães.
A crítica que repousa nesta análise é a dificuldade de o operador do Direito analisar o enquadramento fático à espécie jurídica com risco de envolvimento de moral particular de cada um dos intérpretes. É pôr-nos a indagar se tal hipótese pode ser positivamente solucionada.
Kelsen, o jurista austríaco que dedicou a vida ao estudo do Positivismo Jurídico lançou bases para eliminação de incongruências como a saidinha de Richtofen e Jatobá em Dia das Mães se, elas, foram justamente condenadas por violar o laço de maternidade.
Esta não é uma questão apenas moral ou religiosa, é também uma questão jurídica. O Direito não pode ser achincalhado, desvirtuado ou ter suas finalidades demovidas para fins diversos dos quais previstos pela lei.
É dizer, ao se permitir que parricida, matricida e homicida transveste-se a finalidade da lei que é permitir “a visita à família”.
Conforme ensina Pfersrmann “Kelsen parece estar mais ligado à análise de sua formulação (o Rechtssatz ou Normsatz: o enunciado normativo) e de sua função (tornar obrigatório, permitir ou proibir certo comportamento humano) do que sobre a natureza exata dos fatos dos quais ela provém”.
Significa dizer, para Kelsen há de se indagar a descrição da norma e seu consequente.
Isto é, o que é e como é proibido; o que é e como é permitido e o que é e como é obrigatório.
Assim, sem o risco de penetrar-se no âmago das exaltadas discussões moralistas, o fato é que o antecedente da norma, no caso, é a visita à mãe, logo, o consequente da norma é autorizar o convívio com a família.
Ocorre que tendo o sujeito sido condenado pela morte da mãe e do pai – Richtofen – não há mais objeto de proteção pela norma jurídica, porque o vínculo de maternidade que dá azo à convivência familiar foi extinto, de tal sorte que, da forma como concedida a liberação, não há suporte fático para incidência da consequência normativa almejada pela Lei n. 7.210/84.
Com relação a Ana Carolina Jatobá, em que pese tenha cometido crime de homicídio contra a enteada, é certo que, possuindo filhos, há vínculo de maternidade para com eles, que faz suporte fático para a concessão do benefício do convívio tal qual previsto na lei de Execução Penal.
A incongruência ou congruência moral de ajuste da questão desborda da ausência de pressuposto de sua juridicidade, encampando a falta de legalidade do ato, prestigiando a corrupção do Direito enquanto ciência que deve ser positiva.
Pfersmann também nos ajuda trazendo à lume os últimos escritos de Hans Kelsen que, nos últimos anos, ponderava “uma norma não saberia existir sem ato de vontade, pois não existe – diz Kelsen usando a fórumula de Walter Dubislav – imperativo sem imperador, nem comando sem comandante”.
Da mesma forma, para haver consequente é preciso haver antecedente lógico que, na hipótese, inexiste, de tal sorte que a concessão de autorização de saída para Richtofeen e Jatobá não resiste à positividade legal.
É preciso cuidado na operação jurídica, para que as críticas fundadas em argumentos morais afastem o caráter científico que o Direito carrega e que deve ser respeito, sob pena de cair-se em um vazio retórico que mescla a lei com a vontade pessoal de cada um.
O fato de o sistema penal constitucional consagrar o direito à ressocialização não pode, de forma moralista e arbitrária, reduzir-se a um lugar-comum de concessão de benesses dissociadas de um mínimo de atendimento à finalidade prescrita pela lei.