quinta-feira,28 março 2024
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A Responsabilidade do Sócio Retirante com a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017). Evolução ou Retrocesso?

Coordenação: Ricardo Calcini.

A personalidade jurídica da pessoa jurídica é distinta da de seus sócios. Não obstante, o patrimônio pessoal dos sócios (atuais ou retirantes) pode ser objeto de constrição judicial na execução promovida em face da pessoa jurídica, mediante incidente de desconsideração de personalidade jurídica.(1)

A aludida responsabilidade patrimonial é “amplamente aceita pela ordem jurídica brasileira, em distintos campos do Direito, sendo também pacífica na doutrina e na jurisprudência trabalhista. Inúmeros dispositivos legais, de diversos campos jurídicos, têm sido citados, reiteradamente, pela doutrina e jurisprudência, para sufragar essa responsabilidade na seara jurídica laboral.” (2)

Sem embargo, o limite temporal para responsabilização do sócio retirante sempre gerou celeuma, haja vista a existência de uma lacuna na legislação trabalhista, colmatada mediante aplicação subsidiária do direito comum,(3) mais precisamente do Código Civil brasileiro, artigos 1.003, parágrafo único, e 1.032, abaixo transcritos:

Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.
Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.

Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.

O manejo dos referidos dispositivos civilistas, na seara laboral, deu origem a diversas interpretações doutrinárias e jurisprudenciais, das quais, exemplificamos:

1ª vertente

Sustenta que o sócio retirante deve responder, perante a sociedade e terceiros, por até dois anos, a contar da data da averbação da modificação do contrato.
As obrigações trabalhistas limitam-se ao período em que, na qualidade de sócio, usufruiu da mão de obra do empregado.
Fundamenta tal entendimento na omissão da CLT; nos artigos 1.003 e 1.032 do CC; no princípio da segurança jurídica; na dignidade da pessoa do devedor; na utilização de meios menos gravosos na execução e, também, no artigo 7º, inciso XXIX, da CF/88, que prevê o prazo de dois anos para propositura da ação.
Para essa corrente, a fraude praticada pelo sócio retirante torna a responsabilidade solidária e sem limite temporal.

2ª vertente

Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tenha como sócio.
O prazo previsto no artigo 1.003, parágrafo único, do CCB, não limita a possibilidade de se executar o sócio nos dois anos subsequentes à sua saída do quadro da empresa. Ao revés, a aludida norma impõe a ele a responsabilidade pelas obrigações contraídas até dois anos depois de sua saída, o que alcança o débito exequendo contraído a época de sua participação na sociedade.

3ª vertente (majoritária)

A execução pode ser redirecionada em face de quaisquer sócios ou ex-sócios, minoritários ou majoritários, exercentes de cargo de gestão ou não, desde que tenham participado da sociedade no período de prestação de serviços do trabalhador, em razão da natureza alimentar da verba trabalhista.
A responsabilidade do sócio retirante limita-se ao período em que integrou a sociedade e em que o trabalhador prestou serviços a esta, ou seja, no lapso em que se beneficiou dos serviços prestados pelo trabalhador.
Não se aplica, na seara trabalhista, a regra do art. 1.032 do CC, ou outra análoga (art. 1.003, parágrafo único), dada a sua incompatibilidade com os artigos 10 e 448 da CLT, que não admitem que o credor trabalhista suporte os prejuízos decorrentes da alteração da estrutura jurídica da empresa.
A prática de fraude na mudança do quadro societário enseja responsabilidade ilimitada do sócio retirante, ainda que este não tenha usufruído da mão de obra do trabalhador.

4ª vertente

O sócio retirante não responde pessoalmente pelas obrigações trabalhistas, exceto se a mudança no quadro societário objetivou desvirtuar, impedir ou fraudar a legislação trabalhista.

Com o advento da Reforma Trabalhista (Lei 13.457/2017), a responsabilidade do sócio retirante, por obrigações trabalhistas inadimplidas, passou a contar com um dispositivo expresso na CLT, o artigo 10-A:

Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência:
I – a empresa devedora;
II – os sócios atuais; e
III – os sócios retirantes.
Parágrafo único. O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato.

O acenado artigo celetista previu a responsabilidade subsidiária do sócio retirante pelas obrigações trabalhistas inadimplidas no período em que figurou como sócio, com observância da seguinte ordem de preferência na execução: 1º empresa devedora; 2º sócios atuais; 3º sócios retirantes.

Fixou a limitação temporal da responsabilidade do sócio retirante às ações movidas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato.

E, em caso de comprovação de fraude na modificação societária, que a responsabilidade do sócio retirante e demais sócios será solidária.

Questiona-se: a inserção do artigo 10-A na CLT representa uma evolução ou um retrocesso?

Segundo a doutrina de SILVA (4): “O enxerto do art. 10-A ao texto da CLT pode ter piorado a condição do sócio retirante: aplica-se, em geral, a regra do art. 1.003, parágrafo único, do CC, quanto ao prazo de dois anos de manutenção da responsabilidade do sócio retirante. Ocorre que a reforma trabalhista de 2017 adotou o entendimento de que os dois anos se calculam entre a saída do sócio e o ajuizamento da ação trabalhista. Ou seja, contanto que a ação esteja ajuizada, o sócio pode ser responsabilizado cinco, dez, quinze anos após, porque somente após a fase de conhecimento e o acertamento dos cálculos é que se descobrirá se a pessoa jurídica e os sócios atuais têm patrimônio suficiente para arcar com o débito. Para o sócio retirante, era mais favorável o entendimento de que ele respondia por dois anos contados entre sua saída e a fase de execução ou simplesmente entre sua saída e o mandado de citação, penhora e avaliação. Agora, ele ficará vinculado a um processo trabalhista cuja existência ele pode até mesmo desconhecer.”

DELGADO (5) leciona que: “Para o dispositivo da CLT, não importa a data de inserção do sócio no polo passivo do processo judicial contra a entidade societária, mesmo que essa inserção aconteça vários anos após o início desse processo trabalhista; o que importa é que a respectiva ação seja ajuizada, para fins de futura e potencial responsabilização do sócio até, no máximo, “dois anos depois de averbada a modificação do contrato” (caput do art. 10-A, in fine, CLT).”

MAIOR e SEVERO lecionam (6): “(…) a norma do art. 10-A terá necessariamente de ser aplicada considerando o artigo que a precede. Para que o “sócio retirante” efetivamente se exima de responsabilidade, terá que produzir prova de que: não permanece como sócio oculto; não atua como gestor do negócio; não se beneficiou diretamente da exploração da força do trabalho (auferindo com ela aumento do seu patrimônio). E mais: será preciso que a empresa e os sócios remanescentes tenham patrimônio suficiente para suportar o débito, pois do contrário “liberá-lo” de responsabilidade afrontaria diretamente o que estabelece os artigos 10 e 448 da CLT, também este último preservado da destruição operada pela Lei 13.467.”

Para SCHIAVI (7): “a responsabilidade do ex-sócio deve ser interpretada em compasso com os arts. 10 e 448 da CLT que consagram o princípio da intangibilidade objetiva dos contratos de trabalho e manutenção de garantias trabalhistas nas alterações estruturais da empresa. Em razão disso, pensamos que o sócio retirante, pelo princípio da boa-fé objetiva que deve nortear os negócios jurídicos, ao sair da sociedade, deve retirar certidões que comprovem a inexistência de dívidas trabalhistas à época da saída, ou que, mesmo elas existentes, a sociedade tem patrimônio suficiente para quitá-las. Caso contrário, a responsabilidade do sócio retirante persistirá mesmo após o prazo fixado no art. 10-A, da CLT.” (8)

Por outro bordo, uma singela interpretação gramatical do caput do artigo 10-A da CLT, quanto a responsabilidade do sócio retirante pelas obrigações trabalhistas “relativas ao período em que figurou como sócio”, pode dar ensejo a reabertura de um debate antigo, já sedimentado, acerca da responsabilidade dos sócios por créditos trabalhistas anteriores ao seu ingresso no quadro societário.

Quanto à ordem de preferência consignada no artigo 10-A da CLT, podemos afirmar que não representa uma inovação no cotidiano das execuções trabalhistas. Isso porque, conforme leciona SILVA, já referido: “Normalmente, a citação ao ex-sócio ocorre em casos de desespero, em que houve o completo desaparecimento do fundo de comércio, do empreendimento e dos responsáveis.”
Contudo, nota-se que o legislador reformista sinalizou sua intenção quanto a necessidade de esgotamento de todos os meios de satisfação dos créditos contra o devedor principal, antes da execução ser redirecionada aos sócios atuais e, assim, sucessivamente, aos sócios retirantes.

Tal pré-requisito nunca foi algo pacífico na doutrina e na jurisprudência especializadas, contando com, ao menos, quatro vertentes interpretativas.

Dessa forma, a depender da vertente perfilhada, o procedimento para satisfação dos créditos inadimplidos, com o advento da Reforma Trabalhista, pode, a princípio, tornar-se mais moroso, acentuando, por conseguinte, o risco de inutilidade prática do resultado final e a insegurança jurídica.


 

Referências

(1) Sobre o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, vide artigos 133 e seguintes do NCPC; Instrução Normativa 39, artigo 6º, do TST; artigos 878 e 855-A da CLT; art. 50 do CC e 28, §5º do CDC.
(2) DELGADO, Mauricio Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr. 2017. p. 109.
(3) Sobre a aplicação subsidiária do direito comum às relações de trabalho, vide artigo 8º, §1º da CLT, com a redação atualizada pela Reforma Trabalhista.
(4) SILVA, Homero Mateus da. Comentários a reforma trabalhista (livro eletrônico) – 1ª Ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2017. p. 15 e 16.
(5) DELGADO, Mauricio Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr. 2017. p. 110.
(6) MAIOR, Jorge Luiz Souto. SEVERO, Valdete Souto. Acesso à Justiça sob a mira da reforma trabalhista – ou como garantir o acesso à justiça diante da reforma trabalhista (publicação de 25.07.2017). https://www.jorgesoutomaior.com/blog/o-acesso-a-justica-sob-a-mira-da-reforma-trabalhista-ou-como-garantir-o-acesso-a-justica-diante-da-reforma-trabalhista. (acessado em 09.05.2018).
(7) SCHIAVI, Mauro. A reforma trabalhista e o processo do trabalho : aspectos processuais da Lei n. 13.467/17 / Mauro Schiavi. — 1. ed. — São Paulo : LTr Editora, 2017. p.128.
(8) Para melhor compreensão, ipsis litteris, os artigos 10 e 448 da CLT: Art. 10 – Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados; Art. 448 – A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.

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