quinta-feira,28 março 2024
ColunaTrabalhista in focoA responsabilidade do Estado por demissões de empregados durante a epidemia

A responsabilidade do Estado por demissões de empregados durante a epidemia

Coordenação: Ricardo Calcini.

 

Nos últimos meses, acompanhamos muitas empresas demitirem, totalmente ou parcialmente, seus empregados, seja pelo encerramento de suas atividades, seja pela paralisação parcial das atividades de alguns setores. E neste viés, um fato jurídico, conhecido como fato do príncipe, pode gerar o ressarcimento do empregador pelo pagamento das verbas rescisórias quitadas nas demissões.

Com efeito, o fato do príncipe pode atenuar os efeitos econômicos sofridos pelas empresas, quando evidenciada que a Administração Pública Federal, Estadual ou Municipal é a causadora do término do contrato de trabalho e passa a arcar com parte dos custos da demissão.

A configuração do fato do príncipe exige um ato administrativo de Autoridade Pública ou proveniente de lei que implique total interrupção das atividades da empresa, bem como a comprovação de que o empregador não concorreu de forma culposa ou dolosamente para a causa do ato da Autoridade.

Nesta esteira, a imposição de fechamento das empresas ou mesmo da não circulação de pessoas nas ruas, por conta da pandemia, ocasionou a rescisão de muitos contratos de trabalho que não tinham mais como ser mantidos. E, em tese, neste caso, há como se configurar o que prevê o artigo 486 da CLT, que é a paralisação das atividades por atos do Governo.

É certo que o fato jurídico se classifica em ordinário e extraordinário, sendo que este último se caracteriza pela sua eventualidade. Igualmente não é proveniente da vontade humana, podendo, porém, apresentar a intervenção do homem em sua formação. São eles: caso fortuito ou força maior e o “factum principis”.

Ilustrando o acima exposto, o caso fortuito ou força maior são fatos capazes de modificar os efeitos de relações jurídicas já existentes, como também de criar novas relações de direito. São eventualidades que, quando ocorrem, podem escusar o sujeito passivo de uma relação jurídica pelo não cumprimento da obrigação estipulada.

Já o “factum principis” também é capaz de alterar relações jurídicas já constituídas. Porém o faz através da presença da intervenção do Estado, e não da natureza ou de qualquer eventualidade.

Tal situação se configura quando o Estado, por motivos diversos e de interesse público, intervém numa relação jurídica privada, alterando seus efeitos, chegando a assumir obrigações que antes competiam a um ou mais particulares. Diante de tal situação, a autoridade pública obriga-se a assumir as devidas indenizações trabalhistas de acordo com o exposto no artigo 486 da CLT.

No caso atual, o Governo editou decretos paralisando totalmente algumas atividades, ocasionando demissões de lojistas, por exemplo. A situação deve ser levada ao Judiciário, para que este decida a responsabilidade ou não do Governo em tais demissões. E, mais, se configurada a responsabilidade estatal em algumas demissões, o Estado, pelo fato do príncipe, será obrigado ao pagamento das verbas indenizatórias decorrentes da demissão.

Deste modo, caberá a Administração Pública o pagamento da multa do fundo de garantia e do aviso prévio, mas não cabe a ela o pagamento de saldo salarial, férias e décimo terceiro, pois decorrem do contrato e não da demissão.

De outro modo, ressaltamos que o empregador não deve simplesmente deixar de cumprir com suas obrigações trabalhistas para impô-las ao Estado, mas sim deve cumpri-las e posteriormente, em processo judicial, receber o ressarcimento do que foi pago. Afinal, é do empregador o ônus de suportar os riscos de seu negócio.

Salientamos que quando a MP 927 foi proposta, havia previsão da possibilidade de suspensão do contrato de trabalho por 4 meses. Todavia, essa medida foi considerada ilegal e até abusiva por boa parte dos profissionais do direito. Entrementes, na situação atual, após 2 meses de isolamento e paralisação das atividades empresariais – e ainda sem ter uma projeção de quando pandemia do Covid-19 irá acabar –, talvez a suspensão do contrato de trabalho pelo período de 4 meses não fosse tão absurda assim, na medida que poderia impedir muitas demissões que vem ocorrendo.

Em arremate, o cenário trabalhista, não apenas no Brasil como também em outros países, se tornou gravíssimo com alto índice de demissões e, por corolário lógico, com alto índice de desempregados. E tudo isso pode afetar diretamente a economia do país, não apenas por uma crise econômica já evidente nas bolsas de valores, mas também com os custos que o Governo pode ter se for constituída sua culpa e responsabilidade pelas demissões que advêm do fato do príncipe.

Coordenadora acadêmica da coluna "Trabalhista in foco" no Megajurídico.

Coordenadora acadêmica da coluna "Trabalhista in foco" no Megajuridico®. Advogada trabalhista, especialista em Direito e Processo do Trabalho (EPD), especialista em Direito Previdenciário (LEGALE) e especialista em Compliance, LGPD e Prática Trabalhista (IEPREV). Autora de artigos e livros jurídicos. Profissional Certificada com CPC-A.

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