No Brasil, pelo fato de não existir uma norma jurídica que regulamente o direito à morte digna, é comum observar o receio de os médicos praticarem a ortotanásia para o benefício do paciente.
Ao versar sobre o tema morte digna é praxe a automática reflexão de contrariedade ao direito à vida. Contudo, de acordo com a Constituição Federal é exatamente o oposto.
Resguardar o direito à morte digna do paciente, nada mais é do que o respeito ao direito fundamental e o direito à vida insculpidos em nossa Constituição. Direitos supremos do paciente e que devem ser respeitados.
Neste sentido, garantindo o oferecimento do respeito ao direito fundamental à vida é que o CFM expediu a Resolução 1.805/2006, entendendo que:
Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal.[1]
Em complemento, a ortotanásia a que se refere a Resolução é a abstenção ética do médico e de livre e consciente concordância do paciente, de intervenção no desenvolvimento da morte natural nos em casos de terminalidade da vida onde o resultado é inevitavelmente a morte.
Não há nestes casos, o prolongamento da quantidade de dias vividos para que não cause a degradação da qualidade de vida do paciente.
Voltando à Constituição Federal, em seu artigo 1º encontramos o princípio da dignidade da pessoa humana o qual, garante o direito à saúde a todos os pacientes e, nesta seara encontramos intrinsecamente a morte digna.
Em sendo assim, podemos dizer que a Constituição Federal protege a morte digna como contemplativo ao direito à vida.
Contudo, a morte digna deve resultar da estreita relação médico paciente e a obtenção de uma decisão cristalina sobre o seu consentimento e informação.
Diante de tudo isto e pela falta de normatização, não raro os casos em que a conduta do médico passa a ser questionada na esfera administrativa (ética), cível e criminal.
Surge a dúvida quanto a possível omissão e negligência de o médico ter permitido a morte do paciente, com a falsa ilusão de que, se empregasse sua melhor técnica o paciente teria sobrevivido.
Primeiro, há que se esclarecer que a ortotanásia só ocorre em casos de pacientes terminais, quando não há mais possibilidade de reversão do quadro clínico sendo que, a morte, é certa!
Inclusive, a Organização Mundial da Saúde (OMS), em conceito definido em 1990 também sinaliza a necessidade da ortotanásia e dos cuidados paliativos em casos de terminalidade de vida, senão vejamos:
“Cuidados Paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos espirituais.”
A conduta ética da prática da ortotanásia reside na preservação da dignidade do paciente e do respeito a sua autonomia e vontade, por este motivo é que se encara a morte digna como a humanização do evento final da vida, trazendo conforto, dignidade e alívio ao paciente terminal.
Então, não há que se falar em responsabilidade jurídica do médico, pois não há falta de tratamento, omissão, negligência ou indução da morte, muito pelo contrário, o médico promoverá a administração de cuidados paliativos garantindo o bem estar e a dignidade do paciente para que ele consiga transpor o processo da morte de forma sublime e em paz.
No que tange a responsabilidade civil, o médico deverá preencher os elementos da ortotanásia à risca para que não incorra em responsabilidade, quais sejam: (i) A morte iminente e inevitável; (ii) Administração de cuidados paliativos; (iii) Consentimento livre e esclarecido do paciente.
Se o médico se ater a estes elementos primordiais, dificilmente será apontado ética, civil e penalmente responsável pela morte do paciente.
Não há qualquer violação ética ou jurídica, se o médico suspende os cuidados extraordinários e passa a oferecer ao paciente terminal, cuidados paliativos. Contudo, o contrário pode acarretar acionamento jurídico e ético do médico, tendo em vista que, em caso do paciente de livre e espontânea vontade, informar ao médico que não quer ser submetido a tratamentos extraordinários e concorda com cuidados paliativos e a prática da ortotanásia, o médico que descumpre esta vontade será acionado em seu Conselho de Classe por conduta ética incompatível, já que houve o prolongamento, muitas vezes dolorosamente da vida do paciente, bem como civilmente pelos danos morais causados ao paciente e aos seus familiares.
[1] CFM, Resolução 1.805/2006 – acesso: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2006/1805
[2] Acesso ao site: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/gestao_da_qualidade.pdf
Advogada e Professora. Mestranda em ciências da saúde e nutrição; Pós Graduada em Direito Médico e da Saúde; Pós Graduada em Direito Privado; Coautora de livro e autora de artigos.
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