sexta-feira,19 abril 2024
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A Resolução do contrato de trabalho pelo atleta profissional de futebol por mora do empregador

Coordenação: Ricardo Calcini.

 

 

Em virtude da Copa do Mundo FIFA 2018 ter exacerbado os sentimentos futebolísticos dos brasileiros, os quais já consideram o aludido esporte uma “paixão nacional”, no presente artigo traremos à baila alguns aspectos legais acerca dos contratos de trabalho dos atletas profissionais, mormente no que tange a mora contumaz dos salários e a resolução contratual por justa causa do empregador (rescisão indireta do contrato).

A priori, vale consignar que os atletas profissionais de futebol, muito embora vistam as camisas com os escudos dos Clubes que os contratam (das entidades de práticas desportivas), despertando nos torcedores toda sorte de emoções, e recebam, em determinados casos, remunerações mensais vultosas, figuram nas relações jurídicas constituídas como empregados, mediante contrato de trabalho especial, por prazo determinado, regulamentado pela lei 9.615/1998 (Lei Pelé) e aplicação subsidiária da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Requisitos comuns nas relações empregatícias celetistas como: a subordinação jurídica/dependência; a onerosidade; a pessoalidade/pessoa física do empregado; a habitualidade e a alteridade também estão presentes nas relações especiais de emprego dos atletas profissionais do futebol.

Quanto ao requisito da exclusividade, irrelevante nos contratos de trabalho em geral, para os atletas profissionais do futebol é a regra, já que esses não podem manter contrato de emprego com mais de um clube ao mesmo tempo.

Feito esses esclarecimentos, passamos à análise do tema proposto: mora contumaz dos salários e a resolução do contrato do atleta profissional por culpa do empregador.

O caput e o inciso II do artigo 28 da lei 9.615/1998 (Lei Pelé) preceituam que a remuneração do atleta profissional deve ser pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com a entidade prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente, cláusula compensatória desportiva.

A indenização prevista na referida clausula penal será devida ao atleta, pela entidade desportiva:

a) com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial, de responsabilidade da entidade de prática desportiva empregadora, nos termos desta Lei;
b) com a rescisão indireta, nas demais hipóteses previstas na legislação trabalhista; e
c) com a dispensa imotivada do atleta.

Já o caput do artigo 31 e seus parágrafos 1º e 2º, com a redação atualizada pela lei 13.155/2015, preveem que a entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário ou de contrato de direito de imagem de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses, terá o contrato especial de trabalho desportivo daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para transferir-se para qualquer outra entidade de prática desportiva de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a cláusula compensatória desportiva e os haveres devidos.

Segundo o mesmo dispositivo legal, são entendidos como salário, para efeitos do previsto no caput, o abono de férias, o décimo terceiro salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho.

E a mora contumaz será considerada também pelo não recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias.

Demandas pleiteando o pagamento das referidas verbas salariais em atraso, bem como o reconhecimento judicial da rescisão indireta do contrato de trabalho (resolução contratual por justa causa do empregador), com as repercussões contratuais e legais inerentes, são comuns no Poder Judiciário.

A Justiça do Trabalho é competente para apreciar e julgar conflitos originários e decorrentes das relações de trabalho, incluindo os dos atletas profissionais de futebol e as entidades de prática desportivas, nos termos dos artigos 114, I e IX (redação dada pela EC 45/04) da CF/88.

Tais conflitos não se confundem com os relacionados à competição, de atribuição da Justiça Desportiva (art. 217, §1º, da CF/88), a qual, apesar da denominação, não integra o Poder Judiciário.
Em regra, demandas judiciais que envolvem atletas profissionais contratados por grandes Clubes, com pleitos de vultosas indenizações compensatórias decorrentes das rescisões indiretas ou simplesmente salários/direito de imagem em atraso, acabam tendo uma repercussão social acentuada, principalmente entre os amantes do esporte, os quais, por vezes, movidos por emoções inerentes aos torcedores, olvidam que determinado jogador de futebol é um trabalhador, um empregado, que tem direitos trabalhistas semelhantes aos empregados de outras categorias profissionais (v.g., salários, férias, 13º salário etc), como também o direito fundamental à liberdade de não empregar sua mão de obra a empregador ou em local que não deseje.

Um caso recentemente noticiado foi o do jogador de futebol Gustavo Henrique Furtado Scarpa, que pleiteou judicialmente o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho com o Fluminense Football Clube, do Rio de Janeiro (RJ) e autorização para exercer suas atividades profissionais (transferência) para a Sociedade Esportiva Palmeiras, de São Paulo (SP), mediante tutela antecipada.

A ação trabalhista foi fundamentada no atraso reiterado de salários e de parcelas do direito de imagem.

O juízo de 1ª instância proferiu sentença desfavorável ao reclamante. O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região indeferiu o pedido de tutela antecipada, impedindo a sua transferência.
O fundamento das decisões, em síntese, foi o de que o atleta concordou com a renovação do contrato de trabalho, quando o Clube ainda se encontrava em mora, não podendo, em decorrência, se beneficiar da rescisão indireta por mora contumaz, por afronta ao principio da imediatidade.

Vale ressaltar que a rescisão indireta do contrato de trabalho nada mais é do que a resolução do contrato de trabalho por justa causa do empregador. Entretanto, para o reconhecimento da justa causa, seja por parte do empregado ou do empregador, alguns requisitos devem estar presentes, dentre eles o da imediaticidade, que consiste na punição do infrator tão logo – em prazo razoável – a parte lesada tenha conhecimento do ato. A ausência da imediaticidade configura o perdão tácito do infrator.

Com a devida vênia aos entendimentos contrários, a nosso sentir, a concordância com a renovação do contrato de trabalho pelo atleta, por si só, não é suficiente para configurar o perdão tácito. Isso porque, a aceitação, pelo empregado, do descumprimento de obrigações contratuais pelo empregador, pode simplesmente resultar da sua necessidade de conservação do emprego. Como dito alhures, no contrato de trabalho do atleta profissional também está presente o requisito da subordinação jurídica/dependência.

Sobre a imediaticidade da punição, transcrevemos trecho elucidativo da obra de DELGADO: [1]

(…) “a imediaticidade na rescisão indireta tem de ser claramente atenuada, uma vez que a reação obreira tende a ser muito contingenciada por seu estado de subordinação e pela própria necessidade de preservar o vínculo, que lhe garante o sustento e de sua família. A ausência de imediaticidade com respeito a infrações cometidas pelo empregador não compromete, necessariamente e em todos os casos, a pretensão de rescisão indireta, não significando, automaticamente, a concessão do perdão tácito pelo trabalhador.”(…)

Ademais, a renovação do contrato de trabalho ocorreu no final de 2016, mas até a data da propositura da ação (22.12.2017) novas verbas salariais se somaram as já pendentes de pagamento.
Nessa toada, diante do insucesso dos pleitos nas instâncias ordinárias, o atleta impetrou Habeas Corpus perante o Tribunal Superior do Trabalho, HC – 1000462-85.2018.5.00.0000, Ministro relator: Alexandre de Souza Agra Belmonte, do qual colacionamos alguns trechos da decisão:

“(…) tem pleno cabimento o presente habeas corpus e no meu entender, carece de fundamento jurídico aplicar, no presente caso, o princípio da imediatidade, para condenar o atleta a receber em atraso as parcelas salariais e demais obrigações pelo resto do contrato, pelo simples fato de, em 2016, ter dado crédito ao clube e aceitado a renovação em condições de mora. Efetivamente, um ano depois, persistindo a mora, e de forma contumaz, não há quem não tenha como insuportável conviver com tamanho calvário. Se o atleta, na renovação do contrato, em 2016, deu uma chance à agremiação empregadora, isso não significa que, passado o tempo e persistindo o descumprimento de obrigações deva suportá-lo ad eternum. Decisão que praticamente obriga o atleta a se submeter a essa penúria atenta contra o texto constitucional e contra a liberdade de trabalho. Basta dizer que o atleta já tinha se transferido para outra agremiação, como expressamente permite o §5º do art. 28 da Lei nº 9.615/98 e tal contrato, com o Palmeiras, foi rompido em virtude de decisão judicial. Independentemente de providência judicial já tomada, a espera pela tramitação regular pode inviabilizar a concretização do direito fundamental ao exercício da liberdade de trabalho em outro lugar, o que autoriza a imediata garantia por meio de habeas corpus para libertá-lo dessa prisão contratual, cuja competência, no caso, é da Justiça do Trabalho. O direito de se transferir para outra entidade é líquido e certo e está sendo indevidamente obstado por ato de autoridade. Os efeitos econômicos e a forma de terminação aí sim, serão apurados no processo já em tramitação na 2ª instância. Negar a utilização do HABEAS CORPUS corresponderia, na prática, a repristinar a lei do passe, que impunha a impossibilidade do direito do atleta de ir para outra agremiação, agora numa roupagem de aprisionamento com base numa desarrazoada interpretação do princípio da imediatidade e contrariando texto expresso e libertário de lei. Com estes fundamentos, DEFIRO liminarmente a ordem de habeas corpus, a fim de autorizar o paciente a estar livre para exercer suas atividades profissionais perante o clube que escolher (…).”

Fazendo referência aos artigos 28 e 31 da Lei Pelé (já citados alhures), restou consignado na aludida decisão que:

“(…) basta o atraso por prazo superior a três meses, para caracterizar a mora contumaz. E a caracterização do atraso abrange férias, décimo terceiro salário, salário e demais verbas salariais, além do direito de imagem.

Nos termos da Súmula 13, do TST, o só pagamento dos salários atrasados em audiência não elide a mora capaz de caracterizar a rescisão do contrato de trabalho.

Diante desse cenário, o pagamento parcial e extemporâneo feito pelo clube não teve o efeito retroativo de eliminar a mora já caracterizada.

Caracterizada a mora, pode o atleta transferir-se para outra agremiação (…)”.
“A Constituição Federal assegura, no artigo 5º, inciso XIII, a liberdade para o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

Logo, a norma prevê, a um só tempo, que ninguém pode ser obrigado a trabalhar, que trabalhar de forma livre é um direito fundamental e que, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, há liberdade de escolha ou de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão.”

Por fim, com o julgamento do mérito da demanda em comento será possível uma percepção mais abrangente do tema proposto.

 


 

[1] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho  — 16. ed. rev. e ampl..— São Paulo : LTr, 2017, p. 1386/1387

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