quinta-feira,18 abril 2024
TribunaisA relevância da questão federal no recurso especial

A relevância da questão federal no recurso especial

O Congresso Nacional promulgou, no dia 14.07.2022, a Emenda Constitucional nº 125, estabelecendo que, no recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância da questão de direito federal infraconstitucional discutida no caso, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Segundo os fins da iniciativa legislativa, a proposta corrige uma distorção do sistema, permitindo que o STJ se concentre em sua missão de uniformizar a interpretação da lei federal, deixando de atuar como um órgão revisor de terceira instância.

Não são atuais as discussões em torno do excessivo número de recursos dirigidos aos tribunais superiores. Desde a primeira metade do século passado, a doutrina faz menção à denominada crise do STF, em razão do crescente e excessivo número de recursos dirigidos àquela corte. Os números de recursos especiais dirigidos ao STJ são crescentes e expressivos: 335.779 (2016), 332.284 (2017), 346.337 (2018), 384.900 (2019) e 354.398 (2020).

Cuida-se de um requisito específico de admissibilidade do recurso especial dirigido ao STJ fundado na premissa de que a atuação dos tribunais superiores não é vocacionada precipuamente para a proteção do direito subjetivo das partes, mas, sim, à proteção do direito objetivo federal.

A obtenção da proteção do direito subjetivo das partes deve ser buscada no âmbito do duplo grau de jurisdição em que tanto o juiz de primeira instância como o tribunal de segunda instância possuem ampla liberdade para proceder ao exame, e ao reexame, de todas as questões de fato suscitadas e discutidas pelas partes no processo.

Por isso há uma tendência mundial no sentido de se conferir aos tribunais superiores o poder de selecionar os processos que vão decidir, como ocorre na Suprema Corte dos Estados Unidos da América, mediante o writ of certiorari, e na Corte Federal de Justiça da Alemanha, mediante o recurso de revision.

Neste contexto, é preferível que os tribunais superiores tenham poderes de escolher os processos que devam ser decididos a aceitar a ideia de que toda e qualquer alegação de violação à lei federal é relevante, devendo, por isso, obrigatoriamente ser apreciada.

Como bem advertido pelo saudoso professor Arruda Alvim, “Se assim não se agir, mas partir-se da premissa manifestamente falsa de que tudo (todas as causas e questões) é importante, o que acaba acontecendo é que haverá um emperramento imobilizador da atividade jurisdicional, com o que o prejuízo resulta geral e positivamente indiscriminado. Quando se diz que tudo é importante, disso normalmente resulta que nada ou quase nada é tratado como realmente importante” (“A alta função jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça no âmbito do recurso especial e a relevância das questões”, Revista de Processo, n. 96, p. 42).

Pode ser discutida a constitucionalidade da relevância frente ao postulado constitucional do acesso à justiça, segundo o qual nenhuma ameaça ou lesão pode ser excluída da apreciação do poder judiciário.

Com efeito, não existe qualquer mácula de inconstitucionalidade, isso porque a finalidade principal dos recursos dirigidos aos tribunais superiores é a defesa do direito objetivo e não o direito subjetivo das partes, bem como o fato de a causa que ingressa nos tribunais superiores ter sido apreciada, em regra, por dois órgãos do poder judiciário.

A mencionada Emenda Constitucional estabelece que haverá relevância nos seguintes casos: (i) ações penais; (ii) ações de improbidade administrativa; (iii) ações cujo valor da causa ultrapasse 500 salários mínimos; (iv) ações que possam gerar inelegibilidade; (v) hipótese em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça; (vi) outras hipóteses previstas em lei a ser editada.

Apesar do juízo de discricionariedade a que a mencionada Emenda Constitucional confere ao STJ, a questão de direito federal infraconstitucional deve ser reputada relevante, quando a discussão transcenda o interesse das partes, projetando para toda a sociedade o entendimento e a inteligência da legislação federal.

A propósito, parece-nos pela experiência do direito comparado que as diretrizes para que se reconheça a relevância da questão federal no recurso especial são, dentre outras, as seguintes: (i) a matéria é controvertida na doutrina e na jurisprudência; (ii) a decisão recorrida contraria a jurisprudência do tribunal superior; (iii) a matéria tem grande abrangência jurídica, econômica ou social na sociedade; (iv) a matéria envolve questão de direito importante ainda não decidida pelo tribunal superior; e (v) a decisão é manifestamente ilegal, o que pode dar ensejo ao surgimento de uma corrente de direito contra legem (cf. Arruda Alvim, A arguição de relevância no recurso extraordinário, p. 78 e ss).

A recusa à relevância da questão federal fica condicionada à manifestação de 2/3 dos ministros do órgão competente para o julgamento do recurso. Em relação à exigência deste requisito específico, tem-se que a relevância será exigida nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor da Emenda Constitucional (14.07.2022), ocasião em que a parte poderá atualizar o valor da causa.

 

Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor da graduação e do Mestrado na UFRN. Advogado.

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