quinta-feira,28 março 2024
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A prevalência do negociado sobre o legislado

Coordenador: Ricardo Calcini.

 

Com a edição da Lei nº 13.467/17 (reforma trabalhista) criou-se uma falsa impressão de que o negociado prevalecerá sobre tudo, podendo ser negociados quaisquer direitos e situações que envolvem a relação entre trabalhador e empresa.

Na verdade a Lei nº 13.467/17 trouxe em seu bojo o rol de direitos que poderão ser negociados, conforme se verifica no artigo 611-A da CLT, ou seja, flexibiliza alguns direitos os quais negociados prevalecerão sobre o legislado. Vejamos:

Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:
I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;
II – banco de horas anual;
III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;
IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a lei 13.189, de 19 de novembro de 2015;
V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;
VI – regulamento empresarial;
VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho;
VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;
IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;
X – modalidade de registro de jornada de trabalho;
XI – troca do dia de feriado;
XII – enquadramento do grau de insalubridade;
XIII – prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;
XIV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;
XV – participação nos lucros ou resultados da empresa.
§ 1º No exame da convenção coletiva ou do acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho observará o disposto no § 3º do art. 8º desta Consolidação.
§ 2º A inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não caracterizar um vício do negócio jurídico.
§ 3º Se for pactuada cláusula que reduza o salário ou a jornada, a convenção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho deverão prever a proteção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo.
§ 4º Na hipótese de procedência de ação anulatória de cláusula de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, quando houver a cláusula compensatória, esta deverá ser igualmente anulada, sem repetição do indébito.
§ 5º Os sindicatos subscritores de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho deverão participar, como litisconsortes necessários, em ação individual ou coletiva, que tenha como objeto a anulação de cláusulas desses instrumentos.

Porém, embora dê a impressão de que todos os direitos podem ser negociados, tal afirmativa não condiz com a verdade, na medida em que o artigo 611-B da CLT é taxativo ao determinar o que não poderá ser objeto de negociação, ou, o negociado não terá validade/prevalência sobre o legislado, quando tratar de normas de saúde, seguro desemprego, depósitos fundiários e multa fundiária, entre outros, vejamos:

Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:
I – normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III – valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);
IV – salário mínimo;
V – valor nominal do décimo terceiro salário;
VI – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
VII – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
VIII – salário-família;
IX – repouso semanal remunerado;
X – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal;
XI – número de dias de férias devidas ao empregado;
XII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XIII – licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias;
XIV – licença-paternidade nos termos fixados em lei;
XV – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XVI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
XVII – normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;
XVIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas;
XIX – aposentadoria;
XX – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador;
XXI – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;
XXII – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência;
XXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;
XXIV – medidas de proteção legal de crianças e adolescentes;
XXV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso;
XXVI – liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho;
XXVII – direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender;
XVIII – definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve;
XIX – tributos e outros créditos de terceiros;
XX – as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação.
Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo.

O artigo 611-B, caput, demonstra claramente as matérias que se forem incluídas em cláusulas de convenção e/ou acordo coletivo serão consideradas nulas, sendo certo que os Tribunais Regionais já têm se manifestado a respeito, vejamos:

 

PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO PREVISTO NO ART. 611-A DA CLT. VEDAÇÃO DE NORMA COLETIVA TRATANDO DAS HIPÓTESES EXAUSTIVAMENTE PREVISTAS NO ART. 611-B DA CLT. Norma coletiva tratando de matérias não vedadas no art. 611-B da CLT, conquanto não previstas no art. 611-A, tem aptidão legal para produzir seus efeitos, criando obrigações ao empregador, ainda que não previstas em lei. (TRT-14 – RO: 00002670420185140041 RO-AC 0000267-04.2018.5.14.0041, Relator: FRANCISCO JOSE PINHEIRO CRUZ, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: 05/12/2018)

TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. PARTICIPAÇÃO DO SINDICATO PROFISSIONAL. EFEITOS. Não há dúvidas de que o termo de transação extrajudicial foi negociado com a participação do sindicato representante da categoria profissional da parte reclamante. Entretanto, algumas peculiaridades do caso concreto afastam a prevalência do negociado sobre o legislado: 1) O direito transacionado extrajudicialmente (intervalo intrajornada) é uma disposição legal que visa a tutela da saúde, higiene e segurança do empregado; 2) A transação foi prejudicial aos trabalhadores e amplamente favorável às empresas, que pagaram menos de 30% dos direitos decorrentes da inobservância do intervalo intrajornada; 3) O precedente do Supremo Tribunal Federal leva em conta as especificidades da adesão a um plano de demissão voluntária (livre opção obreira pela extinção do contrato de trabalho em troca de benefícios), o que difere significativamente de uma transação formulada e efetivada ao longo da vigência do contrato de trabalho, contexto que torna o empregado vulnerável e sujeito a “pactuar qualquer coisa” em troca da manutenção do emprego. Desse modo, a quitação dada na referida “transação extrajudicial” deve se limitar aos valores efetivamente pagos, em prestígio ao princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas e à garantia constitucional de amplo acesso formal e material à Justiça (art. 5º, XXXV, CF). (TRT-7 – RO: 00000767520185070033, Relator: FRANCISCO TARCISIO GUEDES LIMA VERDE JUNIOR, Data de Julgamento: 24/01/2019, Data de Publicação: 30/01/2019)

 

RECURSO ORDINÁRIO. INTERVALO INTRAJORNADA. SUPRESSÃO PARCIAL OU TOTAL. PAGAMENTO. PREVISÃO EM CLÁUSULA COLETIVA. VALIDADE. PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO. EXISTÊNCIA DE VANTAGENS CONCEDIDAS À CATEGORIA PROFISSIONAL NÃO PREVISTAS EM LEI. REFORMA DA SENTENÇA. In casu, entendo que a razão encontra-se ao lado da Recorrente, devendo ser reformada a Sentença, no aspecto, atentando-se que o artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal, reconhece a validade das Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho, permitindo que as Partes envolvidas na relação de emprego tenham uma maior autonomia para fixarem as condições de trabalho, adequando situações específicas e, em regra, nelas se promovendo concessões mútuas, devendo serem respeitadas, salvo flagrante abuso ou efetiva comprovação de que teriam sido firmadas por meio fraudulento, o que não se vislumbra no presente caso. Vê-se, neste sentido, que há, efetivamente, Norma Coletiva prevendo a possibilidade da supressão do intervalo, com pagamento da hora, fato incontroverso, observando-se, outrossim, constar das fichas financeiras o registro de paga do intervalo intrajornada supresso, mostrando-se, assim, válida tal previsão. Mutatis mutandis, Este Egrégio Regional, no Julgamento do Incidente de Uniformização Jurisprudencial 0000191-72.2017.5.20.0000 decidiu no sentido de dar validade à previsão contida na norma coletiva, no sentido de suprimir ou reduzir o pagamento de horas in itinere desde que constatada, na negociação coletiva, a existência de concessão de vantagens outras conferidas aos Empregados, situação ocorrente nestes Autos. Com efeito, vê-se que há, nas negociações coletivas juntadas, concessão de vantagens aos Empregados que não estão previstas em Lei ou na Constituição Federal, a exemplo de garantia de transporte, Vale Farmácia e Vale-Alimentação subsidiado. Ora, a Negociação Coletiva pressupõe concessões recíprocas, devendo ser considerada em seu conjunto, de modo que a renúncia de direitos pelo Trabalhador é compensada por outros benefícios a ele concedidos. Levando-se em conta que o Trabalhador, na negociação, foi representado por seu Órgão de Classe, é de se considerar que as cláusulas da Convenção foram examinadas em seu conjunto, de modo a assegurar que não houvesse prejuízo para os Obreiros. MULTA IMPOSTA POR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO TIDOS POR PROTELATÓRIOS. NÃO CONFIGURAÇÃO DE SITUAÇÃO ENSEJADORA. EXPURGO. No caso em tela, não se verificando da Petição dos Embargos de Declaração que a ora Recorrente tenha se utilizado daquele Recurso unicamente para protelar o Feito, desde que as matérias ali colocadas, se configuram passíveis de oposição de Aclaratórios, patente, assim, a ausência de situação ensejadora de aplicação de multa, merece reparos a Decisão hostilizada, devendo dela ser extirpada a condenação imposta. JORNADA LABORAL. MINUTOS QUE A ANTECEDEM. DEVIDOS. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. Quanto a exigência de o Reclamante chegar com 30 minutos de antecedência, sem o pagamento correspondente, o que, in casu, não invalida o regime 12×36, não havendo questionamento a esse respeito por parte do Obreiro, entendo que deste ônus se desvencilhou o Autor de comprovar tal situação, já que a sua testemunha ouvida prestou informações convincentes a esse respeito, com o que é de se dar parcial provimento ao Recurso da Reclamada para, reformando a Sentença, estabelecer que somente são devidos, como labor extraordinário, 30 minutos que antecedem a jornada laboral, acrescidas do adicional de 50%. Atente-se que não há pleito, na Exordial, de reflexos em outras verbas. Recurso Ordinário a que se dá parcial provimento. (TRT-20 00005832520165200007, Relator: JOSENILDO DOS SANTOS CARVALHO, Data de Publicação: 12/11/2018)

 

Extrai-se implicitamente do art. 7º da CF o princípio da norma mais favorável ao empregado, pelo que somente deverá prevalecer o negociado sobre o legislado quando trouxer melhores condições ao trabalhador.

Portanto, na negociação, empregadores e empregados podem levar em conta as suas reais necessidades e possibilidades, sem esquecer dos requisitos legais para celebração de acordos coletivos, evitando-se desta forma criar ônus indevido ao empregador e/ou suprimir direitos garantidos constitucionalmente aos trabalhadores.

Advogada com 20 anos de experiência. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Mackenzie e em Administração e Direito do Terceiro Setor pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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