sexta-feira,19 abril 2024
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A prevalência da limitação do teto para deferimento da assistência judiciária em favor do hipossuficiente

Coordenação: Ricardo Calcini.

Introdução

A Reforma Trabalhista impulsionada pela Lei nº 13.467/2017 mantem-se em evidência com as discussões acadêmicas que provoca, especialmente quando se constata o valor axiológico das alterações levadas a efeito e a inexistência, nesse tempo que vigora a mencionada mudança, a famigerada geração de empregos prometida à época de sua promulgação.

Em verdade, o que se tem demonstrado com a alteração da legislação material e processual do trabalho é um desfavorecimento do proletariado e um retrocesso social, trazendo, inclusive, uma redução da busca de direitos trabalhistas pela flexibilização de diversas regras trabalhistas.

Entretanto, podemos afirmar que a segunda alteração do art. 790 da Consolidação das Leis do Trabalho, trouxe uma nova condição para ser concedida a concessão da justiça gratuita, qual seja, a percepção de “salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social” (§ 3º, do art. 790, da CLT)?

Nessa linha, busca-se com o presente artigo científico verificar a hipótese de aplicação do limite estabelecido pelo mencionado artigo para relação de hipossuficiência, considerando-se, pois, o regido pela Lei nº 5.584/1970 que não foi revogada pela Lei nº 13.467/2017, mantendo-se, na integra, o texto normativo que não esteja em conflito com a reforma trabalhista.

Para tanto, através da metodologia dedutiva, amparando-se a pesquisa em referenciais teóricos publicados em meios digitais e físicos, busca responder à questão posta em pauta.

 

Limitação do teto da assistência judiciária

A assistência judiciaria brasileira, nos moldes que se conhece, foi introduzida pela Lei nº 1.060/1950, especificamente quando se atribuiu condições técnicas para estabelecer a pobreza de um indivíduo, brasileiro ou estrangeiro residente no país, assegurando-se a isenção ao pagamento de taxas, selos, emolumentos, custas judiciais, despesas com publicações, periciais, honorários advocatícios e outros custos que pudessem ser direcionado para o regular tramite processual.

Evidentemente que as leis civis serviram como base para o ordenamento trabalhista vigente, havendo a promulgação, vinte anos mais tarde, da Lei nº 5.584/1970, que alteraria aspectos processuais da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como, trataria da disciplina da assistência judiciaria no âmbito da Justiça Obreira, o que o fez, entre os artigos 14 e 19.

Com relação à assistência judiciaria, propriamente dita, estabeleceu o artigo 14 da citada lei que:

Art. 14. Na Justiça do Trabalho, a assistência judiciária a que se refere a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo Sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador.
§ 1º A assistência é devida a todo aquele que perceber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ficando assegurado igual benefício ao trabalhador de maior salário, uma vez provado que sua situação econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.
§ 2º A situação econômica do trabalhador será comprovada em atestado fornecido pela autoridade local do Ministério do Trabalho e Previdência Social, mediante diligência sumária, que não poderá exceder de 48 (quarenta e oito) horas.
§ 3º Não havendo no local a autoridade referida no parágrafo anterior, o atestado deverá ser expedido pelo Delegado de Polícia da circunscrição onde resida o empregado. (sic)

Portanto, pelo texto normativo, verifica-se que a limitação à assistência judiciaria sempre existiu, mormente que, antes da reforma trabalhista, o teto era com base ao dobro do salário mínimo vigente, em valores vigentes hoje, em torno de R$ 1.996,00 (um mil, novecentos e noventa e seis reais) passando, após a introdução do art. 790, § 3º, a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Assistência Social, em torno de R$ 2.076,00 (dois mil e setenta e seis reais).

No entanto, o que deve ser frisado, neste momento, é que o limite poderia ser extrapolado, desde que houvesse justo motivo, quando a “situação econômica não permitir demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”, conforme se depreende da parte final do parágrafo primeiro do art. 14 da Lei nº 5.584/1970.

Este é o ponto chave do presente trabalho, o artigo permanece vigente ou foi revogado pelo art. 790, § 3º, da CLT, introduzido com a Reforma Trabalhista?

Princípios da presunção relativa de veracidade

Espelhando-se pela própria possibilidade de impugnação da gratuidade processual, torna-se evidente que se aplica ao processo do trabalho os regramentos de impugnação da gratuidade processual, inicialmente trazida pela Lei nº 1.060/1950 e, posteriormente, com a incorporação do regramento no Código de Processo Civil de 2015.

Pelo referido princípio, a declaração de hipossuficiência juntada aos autos, tem sua presunção relativizada, ou seja, ela será considerada válida até que outros elementos sejam trazidos aos autos a fim de desconstituí-las, tanto que, pela leitura do artigo 100 do Código de Processo Civil a parte poderá impugnar o pedido dentro do prazo de 15 dias.

Referida presunção tem sido reivindicada, de forma pretérita, no próprio Judiciário Comum, quando especificamente os juízes não aguardam o contraditório para deferir a gratuidade, pedem, por exemplo, que sejam juntadas com a declaração de pobreza os holerites, movimentação bancária, extratos de cartões de crédito ou, até mesmo, os impostos de rendas, entre outros documentos que demonstrem, preteritamente, a hipossuficiência financeira alegada, antes de qualquer questionamento da parte contrária.

Nessa linha, a presunção de veracidade relativa tem contornos com os princípios da motivação de decisões e do livre convencimento, bem como o dever de cautela esculpido no princípio inquisitivo em que o Juiz, investido no processo, deve buscar a verdade real, conduzindo as provas de forma útil e ordenada.

Diante desse quadro, torna-se evidente que a Justiça do Trabalho permanecerá na mesma linha, diga-se que vinha sendo praticada cotidianamente, aos pedidos de assistência judiciaria, analisando-se caso a caso e asseverando as regras de ampla defesa e contraditório, especialmente agora, em que houve a instituição de honorárias para ambas as partes na seara trabalhista.

Da suspensão da exigibilidade

Ao ser indeferida a assistência judiciária, ficará a parte obrigada ao pagamento das custas processuais, de manutenção e, se sucumbente, dos honorários advocatícios da parte contraria, o que, antes da vigência da Reforma Trabalhista, somente era deferida aos representados por sindicatos, conforme determina a Lei nº 5.584/1970.

Pois bem, ao entrar em vigor a legislação que impôs a reforma trabalhista em comento, torna-se evidente que, a partir de agora, essa discussão será reiterada em razão do próprio interesse dos advogados em perceber as honorárias advocatícias que serão fixadas contra o sucumbente nos dissídios individuais e coletivos.

Nessa linha, há de se esclarecer que o deferimento da assistência judiciaria não implica na ausência de condenação em custas e honorários advocatícios, mas sim, cria uma suspensão de exigibilidade, determinando que o sucumbente pague dentro dos limites estabelecidos no art. 791-A, § 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho.

No período de até dois anos após o trânsito em julgado da sentença, identificando-se a mudança da condição de hipossuficiência financeira do sucumbente, poderá est ser executado, com o pedido, concomitante, de suspensão da inexigibilidade anteriormente deferida.

Por oportuno consignar que há tempos é este o entendimento do Supremo Tribunal Federal, conforme se depreendo do trecho da decisão do RE nº 249,003 ED, rel. Edson Fachin, voto do min. Roberto Barroso, publicado em 9/12/2015 e DFE 93 de 10/05/2019 (p. 35).

(…) 8. Do art. 12 da Lei nº 1.060/1950 extrai-se o entendimento de que o beneficiário da justiça gratuita, quando vencido, deve ser condenado a ressarcir as custas antecipadas e os honorários do patrono vencedor. Entretanto, não está obrigado a fazê-lo com sacrifício do sustento próprio ou da família. Decorridos cinco anos sem melhora da sua situação econômica, opera-se a prescrição da dívida. Por um lado, não se trata de menosprezar o princípio da sucumbência, mas apenas de suspender a exigência da condenação do vencido enquanto sua situação econômica permanecer precária, pois a imposição do cumprimento da obrigação importaria dano para sua sobrevivência ou de sua família. Por outro lado, se tal benefício visa a promoção da igualdade, entre outros fins, é razoável que a suspensão da exigência tenha algum prazo. Do contrário, mudando a situação econômica do beneficiário, dentro de um prazo razoável, a norma, a pretexto de promover igualdade, estaria, assim, promovendo a desigualdade.
9. Portanto, o benefício da justiça gratuita não se constitui na isenção absoluta das custas e dos honorários advocatícios, mas, sim, na desobrigação de pagá-los enquanto perdurar o estado de carência econômica do necessitado, propiciador da concessão deste privilégio. Em resumo, trata-se de um benefício condicionado que visa a garantir o acesso à justiça, e não a gratuidade em si. (…)

Nessa toada, torna-se evidente a suspensão de exigibilidade transcrito na lei reforça a proximidade com a Lei nº 1.060/1950 e com o próprio Código de Processo Civil em vigor desde março de 2016.

Da manutenção do art. 14, parágrafo 1º da Lei nº 5.584/1970

Como alhures ressaltado, torna-se evidente que o parágrafo primeiro do art. 14 da Lei nº 5.584/1970, há tempos, já impunha um limite de teto para estabelecer a gratuidade processual, majorando-se o limite para o percentual de aproximadamente 2 salários mínimos e meio.

Nesse contexto, o quanto alinhavado pelos parágrafos 3º e 4º do art. 790 da Consolidação das Leis do Trabalho, com a redação dada pela Lei nº 13.467/2017, nos apresentou que, além de determinar o limite estabelecido em percentual do teto do Regime Geral da Previdência Social, também nos demonstrou que o benefício da gratuidade processual será comprovado àquela pessoa que comprovar insuficiência de recurso.

Torna-se evidente que, em que pese o parágrafo terceiro estabelecer o limite dentro do salário percebido pela parte interessada na assistência judicial, este deverá ser interpretado em consonância com o art. 14, Parágrafo 1º, segunda parte, da Lei nº 5.584/1970.

Isto porque, o intuito principal do benefício da gratuidade processual é a preservação do acesso à justiça, já que a isenção, na prática, não exime a parte de pagar as custas, mas cria uma condição suspensiva e somente poderá ser superada se a situação superveniente demonstrar a inexistência da hipossuficiência que justificou o deferimento em outro momento processual.

Lembre-se que o acesso à justiça é uma garantia fundamental que busca, sobremaneira, assegurar ao cidadão os pilares que são sustentáculos aos direitos e garantias fundamentais, especialmente quando se prima o acesso à justiça para defesa do próprio Estado Democrático de Direito.

Portanto, parece-me que a Justiça do Trabalho, ao seguir o regimento do art. 790, § 3º da CLT apenas tem um parâmetro para deferimento da gratuidade processual, sem maiores graus de exigência, mas isto não impede, sobretudo, que provindo outras provas que demonstrem a incapacidade momentânea de arcar com os custos do processo, não possa ser analisado de acordo com o art. 14, § 1º, segunda parte, da Lei nº 5.584/1970.

 

Conclusão

Sem a pretensão de esgotamento do tema, torna-se evidente que o artigo 790, § 3º, da CLT substituiu o parâmetro estabelecido na primeira parte do art. 14, § 1º, da Lei nº 5.584 em que, desde os idos de 1970, exigia-se um teto máximo para deferimento da assistência judiciaria e, também, da gratuidade processual, não havendo mudanças legislativas nesse sentido.

Nada obstante, a manutenção do art. 14, § 1º, segunda parte, da Lei nº 5.584/1970 permanece vigente, permitindo-se, pois, que o magistrado, na análise do caso concreto, possa exceder o percentual mínimo estabelecido por lei, desde que consubstanciado em provas que demonstrem a hipossuficiência, como forma de garantir os direitos fundamentais do cidadão, em especial, o acesso à justiça.

 

 


Referenciais bibliográficos

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponibilizado em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 13 set. 2018

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_____. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 13.467/2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e as Leis nos 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Publicado em: 13 jul. 2017. Disponibilizado em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm. Acesso em 13 set. 2018

_____. Supremo Tribunal Federal. RE nº 249.003 ED, rel. Edson Fachin, voto do min. Roberto Barroso, publicado em 9/12/2015 e DFE 93 de 10/05/2019. Disponibilizado em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10923918.htm. Acesso em 15 jul. 2019.

CARVALHO, Sandro Sacchet de. Uma visão geral sobre a reforma trabalhista. Revista do IPEA, Mercado de trabalho, ed. 63, publicado em out. 2017, disponibilizado em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8130/1/bmt_63_visão.pdf. Acesso em: 07 abr 2019

CASSAR. Vólia Bomfim. Reforma trabalhista: comentários ao substitutivo do Projeto de lei 6787/16. Data de publicação 2016. Disponibilizado em: http://revistaeletronica.oabrj.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Vólia-Bomfim-Cassar.pdf. Acesso em 13 set. 2018

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16. ed. rev. e ampl.— São Paulo : LTr, 2017.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Curso de direito do Trabalho – História e Teoria. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

dvogado autônomo militante no Estado de São Paulo nas áreas de Direito do Trabalho, Direito de Família e Direito Condominial. Graduado em Direito (2005). Extensão universitária em Direito do Trabalho e Previdência Social (2009). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho e em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (2018) e em Direito Processual Civil pela Instituição Damásio Educacional (2018). Mestre em Direito da Saúde: Dimensões individuais e coletivas pela Universidade Santa Cecília (2018). Palestrante, Professor Assistente em Curso de Direito nas cadeiras Direito Material e Processual do Trabalho e em Direito Processual Civil.

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