quinta-feira,28 março 2024
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A possibilidade do estabelecimento de negócios jurídicos processuais nos contratos de locação de Shopping Centers

I – Introdução

A Lei do Inquilinato (L. n. 8.245/1990), relativamente aos contratos de locação de espaços comerciais em Shopping Centers, privilegia a liberdade das condições livremente pactuadas entre os empreendedores e os lojistas.

O novo código de processo civil, por meio dos negócios jurídicos processuais, permite às partes pactuar o procedimento dentro e fora do processo.

Para o presente artigo, é importante entender a possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais dentro dos instrumentos de locação de Shoppings, de modo a melhorar os desdobramentos da relação locatícia entabulada e conferir maior segurança jurídica entre as partes.

 

II – A possibilidade do estabelecimento de negócios jurídicos processuais nos contratos de locação de Shopping Centers

A lei de locações (L. n. 8.245/1991) prevê e assegura, em relação aos contratos de locação em Shoppings, a prevalência do que foi livremente pactuado entre as partes (art. 54). Tal disposição legislativa dá aos instrumentos um caráter atípico, porquanto seus requisitos essenciais diferem daqueles contratos de locação previstos em lei.

Frise-se que a locação objeto desses contratos é empresarial, ou seja, seu fim se destina a usos não residenciais, sendo utilizado o espaço para fins comerciais ou industriais. Assim, embora seja regulamentado pela Lei do Inquilinato, o locatário é protegido em seus direitos independentemente de previsão legal, como, por exemplo, o resguardo de sua atividade empresarial.

Os contratos empresariais de locação são importantes, pois viabilizam e ajudam os empreendimentos no desenvolvimento e consecução de suas atividades.

Impende destacar que, ao assinar o contrato de locação, o lojista anui com as características comerciais do empreendimento (tenant mix) e sua concordância afasta qualquer responsabilização futura do empreendedor acerca do insucesso de seu negócio, haja vista este assumir o risco.

Com o advento do Novo Código de Processo Civil, surge a possibilidade de as partes estabelecerem entre si negócio jurídico processual (art. 190, CPC/2015[1]). Tal disposição se constitui uma inovação, à medida em que o art. 190 seja uma cláusula de natureza geral, que resulta na possibilidade de a negociação processual ser atípica, independendo de forma específica e pré-determinada.

O negócio jurídico processual pode ser tido como um fato jurídico voluntário que dá ao sujeito poder para que, dentro dos limites do ordenamento, altere o procedimento ou o regule a seu modo.

Alvim (2019) entende que, em análise estrita, os negócios jurídicos processuais se constituem como espécies do gênero negócios jurídicos, à medida em que foram criados para possibilitar alterações endoprocessuais, ali produzindo seus efeitos no presente e para o futuro. Contudo, sua existência não invalida que tais alterações sejam realizadas extraprocessualmente, como, por exemplo, a cláusula de eleição de foro em um contrato.

Sublinhe-se que aos negócios jurídicos processuais são aplicadas as disposições do Código Civil atinentes aos negócios jurídicos de maneira ampla, tais como os elementos de formação (objeto lícito, partes capazes e atenção às vedações legais), modos de interpretação e desfazimento e tais características os tornam, a princípio, irrevogáveis.

No tocante aos negócios jurídicos processuais atípicos, estes objeto desse estudo, tendo em vista a possibilidade de sua aplicação em contratos de locação em Shopping Centers, pode-se dizer que a sua aplicação só possa ocorrer quando houver direito que admita autocomposição, ou seja, direito em que há preponderância do interesse privado das partes.

Assim, é lícito às partes, no contexto da elaboração de um contrato de locação de Shopping, utilizarem-se estrategicamente do negócio jurídico processual para se beneficiarem dentro da avença, mitigando, até mesmo, prejuízos processuais futuros.

Podem as partes, por exemplo, estabelecer uma cláusula no contrato de locação que as obrigue a tentar realizar mediação ou conciliação em caso de conflito, de modo a tentar sanar a pretensão resistida e evitar o ajuizamento de uma ação judicial. Tal cláusula visa a resolução do conflito extrajudicialmente e de forma amigável, o que contribui para a economia de despesas processuais para ambas as partes e ajuda a diminuir a sobrecarga do Poder Judiciário com demandas excessivas.

Outra possibilidade é de as partes renunciarem juntas ao recurso em caso de ação judicial e sentença em primeira instância, aceitando tal decisão como definitiva para a lide, o que reduz consideravelmente o tempo de vida do processo.

Além disso, em ação de execução intentada em face do locatário e do fiador, o estabelecimento prévio de negócio jurídico processual em que o garante abdique das hipóteses de impenhorabilidade previstas em lei (conforme já ocorre nas exceções previstas no art. 3º da L. n. 8.009/1990[2]) pode conferir celeridade à obtenção do crédito para o locador.

Gajardoni (2017), a esse respeito, inclusive entende ser possível que as partes convencionem que o fiador, não sendo proprietário de um ou mais imóveis aptos a serem executados, renuncie à impenhorabilidade de seus vencimentos ou salário para saldar dívidas oriundas de contrato de locação, o que aceleraria a obtenção do crédito devido, uma vez ser mais rápido o bloqueio de valores via Bacenjud.

As partes podem, ainda, por meio de cláusula contratual, renunciar à audiência de conciliação e mediação prévia prevista no art. 334, caput do CPC/2015, de modo a conferir rapidez ao processo, caso instaurado.

O Enunciado n. 19 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, determina outras possibilidades de negócios jurídicos processuais que podem ser aplicados aos contratos de locação:

19 . São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade; acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza; acordo de rateio de despesas processuais; dispensa consensual de assistente técnico; acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso; acordo para não promover execução provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, inclusive com correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de disclosure), inclusive com estipulação de sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si; acordo de produção antecipada de prova; a escolha consensual de depositário-administrador no caso do art. 866; convenção que permita a presença da parte contrária no decorrer da colheita de depoimento pessoal.

É certo que o instituto do negócio jurídico processual, dada a sua recente criação, deve ser assunto para debates doutrinários e jurisprudenciais, visando seu aprimoramento.

Na celebração de um instrumento contratual de locação de espaço comercial, é mais do que natural que as partes – tanto o empreendedor quanto o lojista – esperem somente bons frutos da avença. Ao primeiro olhar, o estabelecimento de negócio jurídico processual parece contraproducente para locadora e locatário, à medida em que tais regras consensuais anteveem conflitos resultantes do contrato de locação. Contudo, ao trazer para o instrumento disposições e flexibilidades especificamente combinadas para aquela relação locatícia, as partes se permitem traçar estratégias futuras que possam beneficiar a ambos, promovendo segurança jurídica aos contratantes e sinalizando a intenção de um bom relacionamento entre os envolvidos, privilegiando assim, a cooperação mútua para mitigar conflitos futuros.

 

III – Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Brasília, DF, out. 1988.

BRASIL. Lei n. 8.009, de 29 de mar. de 1990. Brasília, DF, mar. 1990.

BRASIL. Lei n. 8.245, de 18 de out. de 1991. Brasília, DF, out. 1991.

BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de mar. de 2015. Brasília, DF, mar. 2015.

ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. Editora Revista dos Tribunais: 2019.

FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS. Enunciado n. 19. Florianópolis, 2017.  Disponível em: < https://institutodc.com.br/wp-content/uploads/2017/06/FPPC-Carta-de-Florianopolis.pdf >. Acesso em 01 de fevereiro de 2021.

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Convenções processuais atípicas na execução civil. Jota, 2017. Disponível em: < https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/convencoes-processuais-atipicas-na-execucao-civil-30102017#_ftn6 >. Acesso em 01 de fevereiro de 2021.

 

 

[1] Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

[2] Art. 3º. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

I – Revogado. II – Pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III – Pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida; IV – Para a cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V – Para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI – Por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; VII – Por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

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