quinta-feira,28 março 2024
ColunaFamília e SucessõesA obrigação alimentar: suas características e seus pressupostos

A obrigação alimentar: suas características e seus pressupostos

Em coautoria com Stephany Reis de Oliveira1

 

1 Características da prestação

Trata-se de uma obrigação de característica patrimonial que nasce das relações entre familiares, e nesse sentido, João de Matos Antunes Varela (OKANOBO 2005) ensina que: as principais diferenças entre as obrigações e as relações de família provêm essencialmente do facto de estas se integrarem numa instituição social (família), cujos fins exercem uma vincada influência no seu regime jurídico.

De acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 565):

 Entre pais e filhos menores, cônjuges e companheiros não existe propriamente obrigação alimentar, mas dever familiar, respectivamente de sustento e de mútua assistência (CC, arts. 1.566, III e IV, e 1.724). A obrigação alimentar também decorre da lei, mas é fundada no parentesco (art. 1.694), ficando circunscrita aos ascendentes, descendentes e colaterais até o segundo grau, com reciprocidade, tendo por fundamento o princípio da solidariedade familiar.

Nesse mesmo sentido, ensina Orlando Gomes (apud GONGALVES, 2019) que:

não se deve, realmente, confundir a obrigação de prestar alimentos “com certos deveres familiares, de sustento, assistência e socorro, como os que tem o marido em relação à mulher e os pais para com os filhos, enquanto menores – deveres que devem ser cumpridos incondicionalmente. A obrigação de prestar alimentos ‘stricto sensu’ tem pressupostos que a diferenciam de tais deveres. Ao contrário desses deveres familiares, é recíproca, depende das possibilidades do devedor e somente se torna exigível se o credor potencial estiver necessitado”

 O nosso ordenamento jurídico se baseia em princípio de direito natural e seu aspecto principal é o de ser um direito personalíssimo, isto é, ele não pode ser transferido a outra pessoa, É importante ressaltar que deste aspecto resultam os demais (FERLIN, 2014), sendo eles:

I. Direito Personalíssimo: De acordo com Flávio Tartuce (2020, p. 1339), trata-se de um direito pessoal, uma vez que apenas as pessoas que mantém uma relação de parentesco, casamento (ou união estável) com o alimentante pode pleiteá-los (isto significa dizer que a obrigação de alimentar possui caráter intuitu personae).

II. Irrenunciabillidade: A obrigação é considerada irrenunciável, uma vez que não existe possibilidade de cessão ou renúncia ao direito de alimentos. (FERLIN, 2014). Contudo, existe entendimentos jurisprudenciais permitindo tal renúncia em casos em que existe um acordo judicial entre cônjuges, senão vejamos:

“Civil. Família. Separação consensual. Conversão. Divórcio. Alimentos. Dispensa mútua. Postulação posterior. Ex-cônjuge. Impossibilidade. 1 — Se há dispensa mútua entre os cônjuges quanto à prestação alimentícia e na conversão da separação consensual em divórcio não se faz nenhuma ressalva quanto a essa parcela, não pode um dos ex-cônjuges, posteriormente, postular alimentos, dado que já definitivamente dissolvido qualquer vínculo existente entre eles. Precedentes iterativos desta Corte. 2 — Recurso especial não conhecido” (STJ, Recurso Especial 199.427/SP (1998/0097892-5), Rel. Min. Fernando Gonçalves).

III. Irreptibilidade: Conforme leciona Rodrigo da Cunha Pereira (apud GAGLIANO; FILHO, 2019) essa característica se baseia:

“(…) na proibição de que os alimentos sejam repetidos, ou seja, restituídos, caso se constate posteriormente que eles não eram devidos. Os casos mais comuns em que se busca a restituição é nas ações exoneratórias ou revisionais de alimentos. Por esta razão, e pelo princípio que veda o enriquecimento ilícito, a doutrina vem repensando esta característica, pois o credor dela se vale para protelar cada vez mais o processo judicial e, por conseguinte, prolongar o tempo em que o alimentando faz jus às prestações alimentícias, postergando uma sentença de mérito. A ilicitude do enriquecimento, repudiada pelo Direito, advém do recebimento da prestação alimentícia, quando inexiste necessidade desta, isto é, quando o credor tem condições de arcar com o próprio sustento”.

IV. Alternatividade: Este aspecto se caracteriza, principalmente, pelo que preconiza o artigo 1.701 do Código Civil. Nesse sentido, os alimentos são, geralmente, fornecidos em dinheiro, mas de forma alternativa eles podem ser garantidos através do fornecimento de hospedagem e sustento. Destarte, tem-se que é possível que as partes acordem a respeito da forma de pagamento da prestação de alimentos. (FERLIN, 2014).

V. Reciprocidade: De acordo com o artigo 1.696 do Código Civil o direito à prestação de alimentos “é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”. Assim, ensina Gagliano e Pamplona Filho (2019) que é compreensível dizer que existe reciprocidade nos alimentos, uma vez que todos aqueles que possuem, de certa forma, o direito de recebe-los, da mesma forma podem ir a juízo exigi-los para si. Todavia, esclarece Cahali (apud FERLIN 2014), que: “(…), reciprocidade não significa que duas pessoas devam entre si alimentos ao mesmo tempo, mas apenas que o devedor alimentar de hoje pode tornar-se credor alimentar no futuro”.

VI. Intransmissibilidade: A transmissão de alimentos é impossível. Dessa forma, com a morte a obrigação se extingue sem quaisquer direitos sucessores, isso de acordo com o artigo 1707 do Código Civil. Noutra senda, o artigo 1.700 do mesmo código permite a transmissão de tal obrigação aos herdeiros do devedor nos termos do artigo 1.694. (FERLIN, 2014).

VII. Impenhorabilidade: Tendo em vista que a prestação de alimentos visa manter a subsistência do credor que não possui condições de prover suas próprias necessidades, o crédito alimentar é, em suma, impenhorável. Dito isso, deve-se enfatizar que tal impenhorabilidade não se estende aos frutos. (FERLIN, 2014).

VIII. Imprescritibilidade: Seguindo com as classificações, tem-se que o direito aos alimentos é imprescritível, o que garante ao credor, estando confirmadas as condições, a possibilidade de pleitear os alimentos a qualquer tempo. Contudo, caso haja obrigação pré-estabelecida, estas serão alcançadas pela prescrição. (FERLIN, 2014).

IX. Incompensabilidade: Pode se dizer, ainda, que a obrigação alimentar não possibilita a utilização do instituto da compensação como uma forma de extinguir os valores devidos em dívida alimentícia. (FERLIN, 2014).

X. Irretroatividade: Aqui é possível afirmar que o pagamento de alimentos não retroage, ou seja, é impossível obrigar o alimentante ao pagamento de alimentos relativos ao período anterior ao ajuizamento da ação. (FERLIN, 2014).

XI. Atualidade: Tendo em vista que a obrigação alimentícia possui aspecto sucessivo, a prestação de alimentos está submetida a um critério de atualização, mantendo assim o seu caráter atual com base em uma correção de valores. (FERLIN, 2014).

XII. Periodicidade: Esse aspecto garante que os alimentos sejam prestados mensalmente, assim é vedado o pagamento dos alimentos, por exemplo, semestralmente ou anualmente. Uma alternativa que se mostra impossível é a antecipação de uma parcela. (FERLIN, 2014).

XIII. Ausência de solidariedade: Por fim, a obrigação de prestar alimentos não é solidaria entre parente. Nesse sentido, é factível enfatizar que se trata de um dever subsidiário, isso ocorre porque tal prestação é sempre condicionada às possibilidades do alimentante (variando assim de pessoa para pessoa). Dito isso, é importante ressaltar que a prestação pode ser dividida, uma vez que o objeto da obrigação permite a repartição. (FERLIN, 2014).

 

2 PRESSUPOSTOS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR

No mais, a obrigação alimentar deve obedecer a alguns requisitos para que então seja concedida. Tais requisitos são denominados pressupostos, e são eles:

I. A existência de um vínculo de parentesco: De acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2019) na forma do art. 1.694 do Código Civil, a obrigação alimentar, é decorrente do parentesco ou da formação de uma família. Assim, são obrigados a prestar os alimentos, os ascendentes, descendentes e irmãos germanos (bilaterais) ou unilaterais. Por fim, é importante ressaltar que a lei não permite a extensão da responsabilidade para tios, sobrinhos e primos.

II. A necessidade do reclamante: segundo esse pressuposto, o credor dos alimentos deve estar em estado de necessidade, demonstrando que caso não receba os alimentos ele colocaria sua subsistência em risco, fulcro no artigo 1.694, § 1º do Código Civil.

III. A possibilidade econômica-financeira da pessoa obrigada: De acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2005, apud SANTOS, 2012) “não se pode condenar ao pagamento de pensão alimentícia quem possui somente o estritamente necessário à própria subsistência”. Destarte, quando se trata de um conflito de alimentos, não se pode ignorar a necessidade do autor e de igual modo, não se deve esquecer da possibilidade financeira do requerido.

IV. A proporcionalidade: Dita o §1º do artigo 1.694 do Código Civil que “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”. Nesse sentido, ensina CAHALI (2006, apud SANTOS 2012) que durante o trâmite do processo, que ao final define a obrigação alimentícia, se exige do juiz uma deliberação que se embase em ponderação e prudência. Em outras palavras, é necessário que o magistrado se atenha aos fatos e às provas juntadas para que não defina uma obrigação desproporcional nem para o requerido.

 


Referências:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 199.427/SP (1998/0097892-5), Rel. Min. Fernando Gonçalves). Disponível em:< https://scon.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em 2020.

FERLIN. Danielly. Os alimentos. À luz do Código Civil Brasileiro de 2002. Disponível em:< https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=5301>. Acesso em 2021.

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, volume 6: direito de família. – 9. ed. – São Paulo. Saraiva Educação, 2019.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Esquematizado: responsabilidade civil, direito de família, direito das sucessões. 6. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

OKANOBO, Cristiane. Transmissão causa mortis da obrigação alimentar. Disponível em:< https://jus.com.br/artigos/6292/transmissao-causa-mortis-da-obrigacao-alimentar>. Acesso em 2021.

SANTOS, Sérgio Nunes dos. Alimentos: obrigação alimentícia e dever de sustento face à súmula 358 do STJ. 2012. Disponível em:< https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-105/alimentos-obrigacao-alimenticia-e-dever-de-sustento-face-a-sumula-358-do-stj/>. Acesso em 2021.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito de família. 15. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020.

Stephany Reis de Oliveira

Acadêmica de Direito no Centro Universitário UniCerrado.

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