quinta-feira,28 março 2024
ColunaDireito AmbientalA influência do patriarcado e da religião para a subjugação dos animais

A influência do patriarcado e da religião para a subjugação dos animais

Em coautoria com Ana Paula Menezes de Oliveira1

 

1. A EXPLORAÇÃO DOS ANIMAIS

De acordo com o estudo feito pela filósofa Martha C. Nussbaum (apud apud OLIVEIRA; PEREIRA. 2017), escritora da obra Frontiers of Justice, os seres humanos vivem em conjunto, neste mundo, com outros animais. Nesse sentido, permanecemos em relação de troca constante com os seres pertencentes de outras espécies, e essa relação pode tanto inspirar sentimentos de compaixão e simpatia (sem contar a preocupação moral), quanto podem envolver a manipulação clara da vida e das condições de convivência dos animais, e um exemplo disto é a despreocupação diante dos casos de crueldade praticadas contra eles.

Nesse trilhar, o estudo se inicia, nestes breves, parágrafos com a exposição das diversas formas de opressão empregadas pelo ser humano, ao longo da história, para dominar (e explorar) os seres em circunstâncias de inferioridade. Os métodos de subjugação são diversos e mudam de acordo com o período histórico, sendo sempre alimentados pela ideologia dominante, pela seara política e econômica. A inferiorização com base no sexo, na raça e em outras atitudes de tirania está acoplada na sociedade através de disposições sociais desiguais estabelecidas no decorrer dos anos por sistemas interativos, que podem ser caracterizados por uma conexão de servidão e submissão. (BRAGA, 2014).

1.1 A INFLUÊNCIA DO PATRIARCADO NA OPRESSÃO ANIMAL

O Patriarcado ocidental (a ser apresentado neste projeto) possui como manifestação doutrinária a primazia do homem na sociedade (NARVAZ et. al., 2006). Essa palavra vem do grego patér, significando “pai”, mais arkhé, significando “poder”, ou seja, o poder nas mãos do pai. Assim, o único atributo do patriarcado é colocar o homem como o principal atuante social.

Essa ideologia surge antes mesmo da existência do capitalismo, e para a cultura ocidental patriarcal burguesa, a constituição da família nuclear foi o primeiro simulacro institucional criado para tentar erigir uma possível naturalização das relações entre homens e mulheres, pautado na ficção de que a mulher nasceria única e exclusivamente para o homem, segundo a metafísica dos corpos (LAQUEUR, 2001; COSTA, 1995 apud FRANÇA et al., 2018).

Assim como acontece na sociedade atual, em que as mulheres são subjugadas pelos homens, o sistema patriarcal também afeta diretamente a relação dos seres humanos com os animais, isso porque se o homem é capaz de oprimir um igual de sua espécie (a mulher), ele também é capaz de subjugar um animal (que se difere, em absoluto, de sua espécie).

Nessa linha de pensamento, o preconceito nasce como uma ferramenta de salvaguarda das vantagens adquiridas por um grupo (majoritário em sua força social), através de um processo conjunto em que os representantes de um determinado grupo étnico predominante, composto por figuras destaque público, membros das elites e intelectuais que utilizam dos meios de comunicação em massa para caracterizarem outros coletivos. Ainda que alguns dos integrantes dos grupos dominantes possuam opiniões divergentes, eles permanecem calados diante da força da inércia. (NIBERT, 2002, apud BRAGA, 2014). No mais, de forma a complementar essa ideia, Marjorie Spiegel, suscita algumas correlações entre as formas existentes de abuso ao mencionar a normatização da repressão dos negros por meio da legalização da escravidão e dos animais não-humanos por experimentação científica e da criação intensa, advindas do incentivo financeiro. (SPIEGEL, 1996, apud BRAGA, 2014).

Nesta senda, a despersonalização acabou por colocar o escravo de forma equiparada a um animal não humano. Assim, nas comunidades escravagistas, as práticas de contenção utilizadas para subjugar os animais, como a marcação, a castração, o encarceramento, e até mesmo as mutilações eram utilizadas em seres humanos. (LOURENÇO, 2008, apud BRAGA, 2014).

Noutro giro, o pensamento filosófico e político da antiguidade também contribuiu para o problema atual da subordinação animal, isso porque alguns filósofos influenciaram negativamente a posição dos animais não humanos dentro da sociedade. Dessa maneira, tem-se que para Kant os homens tinham deveres de tutela para com os animais, sendo o homem o ser racional e o único detentor de dignidade, logo os demais apenas objetos (pensamento de visão antropocêntrica). Outrossim, para Descartes, os animais não passavam de máquinas, não possuíam sentimentos, assim sua exploração era justificável. (FERNANDES, 2016).

Dessa forma, apesar de a legislação garantir proteções aos animais, é através de pensamentos como esses supracitados que vemos as tutelas conferidas pelos diplomas legais tornarem-se ineficazes. A exploração animal se faz perpetuada pela história, repassada e influenciada de geração em geração.

Outro aspecto é em relação a supremacia dos homens, antigamente via-se que apenas os membros da aristocracia (homens), se alimentavam de carnes, uma vez que, eram os mais poderosos e ricos. Os trabalhadores e as mulheres, naquela sociedade patriarcal (em que homens estão no poder em todos os aspectos, seja político, seja familiar etc), comeriam apenas legumes, frutas e grãos, pois a carne era tida como alimento masculino, direcionada aos homens nobres. Assim a carne e a caça são diretamente ligadas ao sexo masculino, a dominação masculina. (FAGÚNDEZ; FAGÚNDEZ, 2017).

De acordo com as estatísticas apontadas em uma reportagem no site “infoveggie”, nos Estados Unidos da América, entre os indivíduos veganos, 79% são mulheres e 21% são homens. Isso só demonstra que as mulheres estão mais envolvidas no movimento vegetariano do que os homens. (BANDEIRA, 2019). A jornalista, ainda explica os motivos para isso, senão vejamos:

 

Um dos motivos é a associação da carne com a masculinidade, o “homem caçador”. Você já notou que nos churrascos é sempre o homem que comanda a churrasqueira. Há aquela associação com a imagem do homem forte com o consumo de proteína animal (principalmente a carne). Mas vamos combinar que essa de “homem caçador” ficou lá atrás, uma vez que a carne é um item que se compra no supermercados, e ela já vem embalada; homem nenhum precisa caçar pra comer. (…) omissis.

Outro motivo é quando a dieta vegana é adotada por motivos de melhorar a saúde. As mulheres costumam ter maiores cuidados com a saúde do que os homens. Há também o fato das mulheres terem uma pressão pela magreza, para se adequar aos padrões de beleza, e enxergam no veganismo uma oportunidade para emagrecer mais rápido. Já os homens têm a visão de que quanto mais proteína animal comerem, mais músculos eles terão… (Bandeira, 2019).

 

O homem, desde os primórdios da civilização, se enxergou no topo da pirâmide alimentar. Para ele não existia igualdade entre espécies diferentes. E, foi graças a esse pensamento preconceituoso que vivenciamos, na história, momentos de segregação (contra negros, judeus, mulheres etc.). Os animais, no início, eram vistos como inimigos e com o passar do tempo se tornaram aliados na caça por alimentos. Todavia, o ser humano nunca o enxergou, de fato, como um aliado (um amigo), mas sim como um objeto (uma posse) – descartável. Essa é a visão que permanece até hoje, o antropocentrismo e o patriarcado dominam o cenário mundial. Destarte, o egocentrismo da classe – socialmente – dominante (masculina), é a fonte geradora de toda as problemáticas sociais, e, neste caso, também é a fonte primária do problema discutido neste projeto. O pensamento de subjugação animal fortalecido pelo patriarcado dos séculos passados se arrastou até hoje tornando-se parte do zeitgeist contemporâneo.

 

1.1.1 O impacto da religião para a subjugação dos animais

 

Peter Singer (2004) coloca em cena o especismo como algo negativo, definindo-o como o preconceito ou a atitude tendenciosa de um ser a favor dos interesses de membros da própria espécie, contra os de outra. E, desta maneira, ao se analisar o capítulo 5 do livro “Libertação Animal”, a influência dos pensamentos pré-cristãos para a exploração animal, é perceptível que a própria bíblia garante extrema vantagem dos homens sobre os animais. Além disso, o “texto sagrado”, através de uma das histórias mais conhecidas da humanidade, o pecado original, coloca a culpa da queda dos homens em uma mulher e uma serpente. Outrossim, ainda de acordo com essa parábola bíblica, após a traição de Eva, influenciada por uma serpente, Deus expulsa tanto ela quanto Adão do paraíso, os vestem com peles de animais, e então passa a ser permitido matar e utilizar os mesmos. Portanto, de pensamentos influenciados pelas religiões é que podemos, de fato, identificar o especismo, tendo o pensamento cristão preocupação com sua espécie, que é superior e, uma despreocupação com as demais espécies, que, no caso, servem apenas para satisfação da vontade humana.

De mais a mais, Singer (2004), ensina que:

 

As atitudes ocidentais para com os animais têm raízes em duas tradições: a judaica e a da Antiguidade grega. Estas raízes reúnem-se no cristianismo e é através do cristianismo que se tomam predominantes na Europa. Há uma perspectiva mais iluminada das nossas relações com os animais que emerge apenas gradualmente, à medida que os pensadores, começam a tomar posições relativamente independentes da Igreja, e, em certos aspectos fundamentais, ainda não nos libertamos das atitudes que foram aceitas na Europa de forma inquestionável até ao século XVIII. Por conseguinte, podemos dividir a nossa análise histórica em três partes: pré-cristã, cristã, e Iluminismo e após este.

 

Com base nesse pensamento, Singer também expõe, em sua obra, a passagem da bíblia que diz que Deus fez o homem à sua própria imagem, o que atribuí ao homem um lugar privilegiado no universo, isso porque dentre todos os seres existentes, ele é parecido a Deus. Fora isso, também é possível extrair do texto bíblico, de forma explícita que o Criador garantiu ao homem o poder para dominar todos os seres humanos. Além dessas passagens, há de suscitar a parábola em que Deus abençoa Noé e os seus filhos, dizendo: “Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a Terra. Todos os animais da Terra vos temerão e respeitarão: as aves do céu, os répteis do solo e os peixes do mar estão sob o vosso poder. Tudo o que vive e se move servir-vos-á de alimento. Entrego-vos tudo, como já vos havia entregue os vegetais.” (SINGER, 2004)

O cristianismo acabou, desta forma, por consagrar as ideias da antiga Grécia sobre os animais. Nesse sentido, quando o cristianismo foi fundado, tornou-se uma das filosofias mais poderosas de todo o período do Império Romano, sendo considerável entender os seus efeitos iniciais. Nesse sentido, vejamos:

 

O cristianismo trouxe ao mundo romano a ideia da singularidade da espécie humana, ideia que tinha herdado da tradição judaica, mas na qual insistia com grande ênfase devido à importância que atribuía à alma imortal dos homens. Aos seres humanos – e só a eles, de entre todos os seres vivos existentes na terra – estava destinada uma vida após a morte do corpo. Foi esta noção que introduziu a ideia caracteristicamente cristã do caráter sagrado de toda a vida humana.

Outras religiões, especialmente na Ásia, haviam ensinado o caráter sagrado da vida em geral; e, muitas outras ainda, haviam afirmado ser seriamente errado matar membros do próprio grupo religioso, social ou étnico; mas o cristianismo divulgou a ideia de que toda a vida humana – e apenas a vida humana – é sagrada. Mesmo o recém-nascido e o feto no útero têm almas imortais e, portanto, a sua vida é tão sagrada como a dos adultos.

Na sua aplicação aos seres humanos, a nova doutrina, em muitos aspectos, foi progressiva e levou a uma enorme expansão da limitada esfera moral dos romanos; todavia, no que concerne outras espécies, esta mesma doutrina serviu para confirmar e acentuar ainda mais a posição muito inferior que os não humanos ocupavam no Antigo Testamento. (SINGER, 2004). [grifo nosso].

 

Diante de tudo isso, fica claro o tamanho do espaço que pensamento religioso, em conjunto ao pensamento patriarcal, ocupou ao longo dos anos para a construção “deficiente” do pensamento desigual que temos presente na realidade atual. Para os religiosos, em máxima cristãos, a bíblia é o texto que marca o início dos tempos, porém de uma análise, mesmo que básica, dos textos fica evidente que os animais nunca tiveram seu lugar de proteção. O homem, assim, vive para a própria satisfação e para a dominação, tanto de seus similares, quanto das espécies diferentes.

 


Referências

BANDEIRA, Natasha de. Especial Dia das Mulheres: Por Que as Mulheres são Maioria no Veganismo? 2019. Disponível em:< https://www.infoveggie.com/por-queas-mulheres-sao-maioria-no-veganismo>.

BRAGA, Nivea Corcino Locatelli. Direito dos animais fundamentação e tutela. 2014. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/publicacao/ufpb/livro.php?gt=226>.

FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila; FAGUNDEZ, Gabrielle Tabares. Carnivorismo e Ciência: a Dominação Masculina Perpetuada pelo Direito. 2017. Disponível em:<http://www.indexlaw.org/index.php/revistarbda/article/view/1967/pdf.>. Acesso em 2020.

FERNANDES, Suelen de Souza. Direito dos Animais e a Problemática da Efetividade da Norma Constitucional. 2016. Disponível em:< https://indexlaw.org/index.php/revistarbda/article/download/301/ pdf >.

FRANÇA, Alexandre Nabor. SILVA, Sérgio Gomes da. A trajetória política do sujeito homossexual na Luta por direitos. 2018. Revista Brasileira de Estudos da Homocultura (REBEH).

NARVAZ, Martha Giudice. KOLLER, Silvia Helena. Famílias e Patriarcado: Da Prescrição Normativa à Subversão Criativa. 2006. Revista Psicologia & Sociedade.

OLIVEIRA, Wesley Felipe de; PEREIRA, Cinthia Berganwer. Direitos humanos e direitos animais na teoria das capacidades de Martha C. Nussbaum. 2017. Disponível em:< https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6229292>.

SINGER, Peter. Libertação Animal.1. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2004.

 


 

¹Ana Paula Menezes de Oliveira – Bacharel em Direito pelo Centro Universitário UniCerrado.

 

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