quinta-feira,28 março 2024
ColunaPapo JurídicoA ineficiência do Estado frente ao garantismo constitucional

A ineficiência do Estado frente ao garantismo constitucional

 

INTRODUÇÃO

O direito está alicerçado em dois pilares pragmáticos (conjunto de fatores externos ao meio mas que o moldam a sua imagem e semelhança) e uma coluna substancial (aquilo que está na essência da ciência jurídica): os pilares pragmáticos se expressam na forma da política e da economia: searas do conhecimento que delimitam os rumos da sociedade humana, bem como de suas ferramentas e tecnologias cujas quais fomentam e equilibram a engenharia social; todavia, no seio da ciência jurídica reside a matemática: caráter substancial que modela a percepção dos operadores e teóricos do direito em prol de conclusões utilitaristas; em última análise, quando tratamos o direito com extremada racionalidade, mais especificamente uma racionalidade derivada do orbe das finanças públicas o arquétipo que pode ser dado para simbolizar o universo jurídico e seus efeitos sociais é o de uma mesa de xadrez, onde não basta sacrificar os peões, mas se pode colocar a rainha a prêmio em detrimento da proteção do rei. Na vida social a rainha pode ser arquetipicamente vista na face dos direitos sociais derivados de nossa Constituição cidadã, já o rei deverá ser externalizado como sendo o Estado, este deve sobreviver, enquanto aquele perecer em cenários que emanam a tensão entre o público e o privado.

DO EMPIRISMO JURÍDICO 

Diante disso, em 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu que a Taxa Referencial (TR) não pode ser usada como índice de correção monetária. Na ocasião, ficou decidido que o índice correto a ser adotado seria é o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), considerado mais adequado porque reflete a inflação e com isso o trabalhador não sofreria as perdas inflacionárias derivadas de uma política totalmente disfuncional.

Ad argumentandum,  exponho dois quadros a título de comparação entre os índices, supra, comprovando a inconstitucionalidade da Taxa Referencial motivada pelo seu crescimento abaixo da inflação, bem como a justa utilização do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial, possibilitando a aplicação da função social que a correção do FGTS deveria demonstrar à sociedade e seus cidadãos em detrimento do particular e seus direitos fundamentais. 

 Histórico da Taxa Referencial:

Ano Taxa Referencial (TR)
1991 335,52%
1992 1156,22%
1993 2474,74%
1994 951,20%
1995 31,62%
1996 9,56%
1997 9,78%
1998 7,79%
1999 5,73%
2000 2,10%
2001 2,29%
2002 2,80%
2003 4,65%
2004 1,82%
2005 2,83%
2006 2,04%
2007 1,45%
2008 1,63%
2009 0,71%
2010 0,69%
2011 1,21%
2012 0,29%
2013 0,19%
2014 0,86%
2015 1,80%
2016 2,01%
2017 0,60%
2018 0,00%
2019 0,00%

 

 Histórico do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial:

Ano IPCA-E
1991 23,98%
1992 s/d
1993 2376,39%
1994 890,88%
1995 22,47%
1996 9,91%
1997 5,52%
1998 1,65%
1999 8,92%
2000 6,03%
2001 7,51%
2002 11,98%
2003 9,86%
2004 7,53%
2005 5,87%
2006 2,95%
2007 4,36%
2008 6,10%
2009 4,18%
2010 5,79%
2011 6,55%
2012 5,77%
2013 5,84%
2014 6,46%
2015 10,71%
2016 6,58%
2017 2,93%
2018 3,86%
2019 0,64

 Fonte: Banco Central do Brasil

Assim se conclui que se a TR não é índice para correção monetária, devido ao seu caráter disfuncional referente ao garantismo constitucional, então não pode ser usada para corrigir o saldo do FGTS, e por isso, milhares de ações buscando tal correção foram ajuizadas contra a Caixa Econômica Federal, banco responsável pela administração do FGTS. Em outras palavras, o saldo do FGTS é corrigido, a exemplo do ano de 2015, em 1,80% ao ano, gerando prejuízo ao trabalhador. Já o IPCA-E, a exemplo do ano de 2015, fechou em 10,71%, de acordo com dados oficiais do Banco Central do Brasil.  Portanto, o TR não é um índice que reflete a inflação, e por isso, foi considerada inconstitucional pelo STF, não podendo ser usada para corrigir o saldo do fundo de garantia.

Nesse sentido, o entendimento do STF de que a TR não pode ser usada como índice de correção monetária, foi reafirmado recentemente (no dia 20.09.2018) durante o julgamento do RE 611.503, quando foi determinado, em voto-vista do Min. Ricardo Lewandowsk, a repercussão geral da lide julgada pelo plenário, imputando  à Caixa Econômica Federal o pagamento de diferenças de correção monetária sobre saldos de contas vinculadas ao FGTS no Plano Collor II (os Ministros Alexandre Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Gilmar Mendes acolheram o voto-vista do Min Lewandowsk, sendo o único entendimento contrário proferido no voto do Min. Marco Aurélio). Esse entendimento foi corroborado em 19 de março de 2019 pelo acórdão, negando  provimento ao Recurso Extraordinário, infra, movido pela Caixa Econômica Federal.

Diante deste cenário, o STF já possui o entendimento de que a correção monetária do saldo do FGTS deve ocorrer pelo IPCA-E e não pela TR, desta forma os trabalhadores que ingressarem com a Ação Revisional terão a possibilidade de serem beneficiados pela mudança do índice de correção. Todavia, mister apontar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento do REsp 1614874, ocorrido em (11.04.2018), produziu entendimento contrário ao STF, desta decisão foi interposto Embargos de Declaração cujo qual ainda está na relatoria do Ministro BENEDITO GONÇALVES, após a decisão referente ao Embargos de Declaração haverá a possibilidade da CEF interpor Recurso Extraordinário a ser julgado pelo STF.

Desta feita, apesar de não haver data para o desfecho deste imbróglio, trabalhadores de todo país podem, sem qualquer prejuízo, ajuizar a Ação Revisional de Correção de Saldo de FGTS na competência da Justiça Federal e em face da Caixa Econômica Federal, para pleitearem a mudança do índice econômico e consequente correção do saldo desde 1999. Todavia vem a lume um problema de ordem político/fiscal, pois com um montante elevado de pessoas em busca de seus direitos nesta matéria, haverá, inevitavelmente, um rombo nas finanças do Estado. Nesse panorama o Recurso Extraordinário vindouro que emergirá da decisão do STJ em sede do Recurso Especial, infra, poderá ensejar na Suprema Corte uma reflexão pragmática acerca da condição financeira do Estado, pois em uma análise racional envolvendo macroeconomia, o comportamento dos ministros poderá ser fundado pela teoria produzida pelo italiano Vilfredo Pareto denominada eficiência de Pareto, ou seja, o parâmetro eficiência x equidade nos diz ser impossível o ente A crescer, sem prejudicar o ente B. Nesse sentido, o ente A será o Estado, já o ente B o cidadão, pois desta forma a decisão final da Suprema Corte poderá, se seguir uma perspectiva economicista e política, conceder o prosseguimento do pleito à Caixa Econômica Federal, caracterizando, portanto, acórdão que privilegie a política fiscal do governo: essa espécie de decisão consequencialista fere todos os preceitos do garantismo estatal, contudo tende a seguir uma licença autoritária que demonstra uma mácula gerada no particular, estabelecendo o sentido de que o garantismo constitucional só prospera quando o direito pleiteado não intervir nos cofres do Estado. 

Ora, nesse cenário a eficiência de Pareto configura o tom da música fiscal, pois embora haja uma relevância social na alteração do índice econômico cujo qual zela pelo interesse de toda sociedade brasileira, cumprindo com plenitude as premissas fundantes da Constituição Federal, a contabilidade social que funda o olhar macro-econômico do Estado não será solapado pelo interesse microeconômico dos indivíduos, isso ocorre porque há um escopo totalitário em nosso Estado de Direito que até hoje não se dispôs a buscar a sua fonte de receitas no comportamento microeconômico gerenciado pela liberdade do cidadão em empreender. Esta dinâmica ocorrer porque o Estado, invés de criar ferramentas de arrecadação que não se tornem um problema jurídico ao longo prazo, preferem dispor de paliativos que no futuro servirão para enterrar os direitos da população brasileiro, bem como cercear a autonomia jurídica: pisa-se nos livros jurídicos e emolduram as teses fiscais advindas do governo! 

CONSIDERAÇÃO FINAL

Em suma, a matemática pode ser axiológica, mas a economia juntamente com a política fiscal atendem às necessidades do Estado, nesse cenário todos perdem e embora possa ocorrer uma decisão advinda do STF que se mostre favorável ao cidadão, a República Federativa do Brasil precisa, de maneira urgente, efetivar a mudança de ritmo em sua dança orçamentária, proporcionando uma real isonomia que produza equilíbrio entre a função social estampada na Constituição e as necessidades engendradas no Estado pelas políticas produzidas pelo governo. Por isso, diante do caso em tela, a correção de saldo do FGTS por um indicador econômico coerente com a realidade inflacionária não deveria ser tratada como algo trágico para o governo, pois é um direito que foi adquirido pela população como uma justiça social para o particular. Contudo, a máxima de Mussolini, fascista italiano, pode prevalecer: “tudo para o Estado e nada fora do Estado”. O tempo mostrará os próximos passos desta dinâmica. Viver é crer em dias mais sóbrios! 

 

Advogado. Membro efetivo da Comissão de Direito Tributário e da Comissão de Privacidade, Proteção de Dados e Inteligência Artificial, ambas da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de São Paulo.

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