quinta-feira,28 março 2024
ColunaTrabalhista in focoA incompetência do CARF para decidir sobre o vínculo de emprego

A incompetência do CARF para decidir sobre o vínculo de emprego

Coordenador: Ricardo Calcini.

Tem sido cada vez mais comum a notícia de que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF tem decidido sobre a relação de emprego. Apesar de louvável, ao analisar a chamada “pejotização”, ou temas relacionados ao fenômeno da “terceirização”, o CARF decide sem ter competência legal para tanto.

De igual forma, não há doutrina ou jurisprudência que corroborem com esse entendimento. O uso do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional – CTN, até mesmo nas discussões eminentemente tributárias, sofre questionamentos pela doutrina mais especializada, inclusive sobre a sua constitucionalidade.

O que se dirá então sobre a sua aplicação visando a análise da legislação trabalhista? Notadamente quando a Administração Tributária pretende analisar e decidir sobre a relação de emprego!

Chega-se ao ponto de, no âmbito do Contencioso Administrativo Trabalhista, empregadores alegarem em algumas defesas, de autos de infração – AI lavrados por Auditor-Fiscal do Trabalho – AFT, os julgados do CARF relacionados ao vínculo de emprego.

Cumpre esclarecer que no âmbito administrativo coexistem a Administração Tributária e a Inspeção do Trabalho, cada uma com a sua esfera de competência bem definida. Naquela, o poder de polícia é exercido pelos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – AFRFB; na outra, pelos Auditores-Fiscais do Trabalho. Ambas com seus sistemas de contencioso administrativo distintos. Cabe ao CARF decidir, por exemplo, sobre os autos de infração lavrados pelos AFRFB, e penalidades daí decorrentes.

O Anexo I do Regimento Interno do CARF, com redação dada pela Portaria MF nº 153, de 2018, define a sua natureza, finalidade e estrutura:

Art. 1º O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, órgão colegiado, paritário, integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, tem por finalidade julgar recursos de ofício e voluntário de decisão de 1ª (primeira) instância, bem como os recursos de natureza especial, que versem sobre a aplicação da legislação referente a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).

O texto é claro quando menciona a aplicação da legislação referente a tributos.

A Lei 10.593/2002, que disciplina as regras norteadoras para as carreiras da Auditoria-Fiscal Federal (Receita e Trabalho), estabelece no seu art. 6º as atribuições dos AFRFB, em caráter privativo e geral. Porém, em momento algum, menciona sobre a aplicação da legislação trabalhista.
Lado outro, a mesma Lei, em seu art.11, dispõe que cabe aos Auditores-Fiscais do Trabalho a atribuição de assegurar em todo o território nacional o cumprimento das disposições legais no âmbito das relações de trabalho e emprego (Inciso I). E no inciso II, que é atribuição do AFT a redução dos índices de informalidade e a verificação da relação de emprego. No § 2º do mesmo artigo menciona que o AFT é a Autoridade Administrativa Trabalhista.

Tais dispositivos foram replicados no Decreto Presidencial 4.552/2002, o Regulamento da Inspeção do Trabalho – RIT, que define, dentre outras coisas, as atribuições do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho.
A Doutrina e a Jurisprudência também corroboram com esse entendimento:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RECONHECIMENTO DA CONFIGURAÇÃO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO PELO AUDITOR FISCAL DO TRABALHO APÓS A CONSTATAÇÃO DE IRREGULARIDADE NA CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORES. POSSIBILIDADE. INVASÃO DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. NÃO OCORRÊNCIA. Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-AIRR-8500-49.2006.5.02.0039.

RECURSO DE EMBARGOS. AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO – TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA – COMPETÊNCIA DO AUDITOR FISCAL DO TRABALHO PARA A LAVRATURA DE AUTO DE INFRAÇÃO EM FACE DO DESCUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO ARTIGO 41 DA CLT. Nos termos dos artigos 626 da Consolidação das Leis do Trabalho e 5º da Instrução Normativa nº 03/97 do Ministério do Trabalho e Emprego não invade a competência da Justiça do Trabalho a declaração de existência de vínculo de emprego feita pelo auditor fiscal do trabalho para fins de lavratura de auto de infração em face do desrespeito ao disposto no artigo 41 da CLT. Recuso de embargos conhecido e provido. Embargos em Recurso de Revista n° TST-E-RR-173700-35.2007.5.07.0007.

Ao Auditor-Fiscal do Trabalho incumbe a fiscalização do fiel cumprimento das normas de proteção do trabalho. E detectando a existência de contrato de trabalho, sem a observância de regras essenciais, cabe a ele aplicar as sanções previstas em lei[1].
Quando a existência da relação de emprego é objeto de controvérsia entre a Administração Pública e o particular, aquela pode e têm o dever de aplicar, no âmbito administrativo, as normas pertinentes, nesse caso cabe à Autoridade Administrativa Trabalhista essa competência[2].
Os Auditores-Fiscais do Trabalho têm por missão funcional a análise dos fatos apurados nas ações fiscais, o que não pode excluir o reconhecimento fático da relação de emprego, garantindo-se ao empregador o acesso às vias judicial e administrativa, para fins de reversão da autuação ou multa imposta.

A Inspeção do Trabalho, como forma de assegurar a observância do ordenamento jurídico laboral, é reconhecida e incentivada pela Organização Internacional do Trabalho –OIT, amparada pela Convenção 81.

Os requisitos da relação de emprego estão estabelecidos na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, não havendo qualquer interpretação jurídica, minimamente possível, de que se possa cogitar sua aplicação pela Administração Tributária (CARF ou pelos AFRFB) no desempenho de suas funções.

Ainda mais quando existe na União Federal um sistema organizado para tal fim, como é o Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, cabendo ao AFT a verificação dessa relação jurídica estabelecida na norma trabalhista.

Outrossim, o parágrafo único do artigo 116 do CTN, com redação dada pela Lei Complementar 104/01, não pode ser interpretado a despeito do ordenamento jurídico e ignorando princípios constitucionais.

Tal dispositivo menciona que o fisco poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos, praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo, ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.

Percebe-se que a eficácia desse dispositivo, dentre outras coisas, é futura e condicionada, por isso, inclusive, é objeto de forte discussão por parte da doutrina especializada, vez que dá margem a interpretações que têm embasado algumas decisões equivocadas por parte da Administração Tributária.
A solução seria uma atuação conjunta das Auditorias-Fiscais Federais (Receita e Trabalho) nas ações fiscais.

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