quinta-feira,28 março 2024
ColunaCorporate LawA Função Social do Direito Tributário

A Função Social do Direito Tributário

 

INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira é constituída por um Estado Democrático de Direito cujo coração deve bater mais forte em prol da união dos indivíduos em sociedade ao mesmo bem comum: a República Federativa do Brasil! Não se pode acreditar ser o Estado um ente totalmente abstrato que não precisa de recursos para cumprir as promessas presentes em nossa Constituição Federal. Igualmente, a máquina estatal precisa manter suas engrenagens em perfeito estado de conservação, ou seja, só se poderá perdurar no tempo histórico se houver uma atividade financeira coerente: relação balanceada entre a sua receita (o dinheiro que entra nos cofres do Estado) e a despesa (o dinheiro que sai dos cofres do Estado para custear as políticas públicas propostas pelo governo), pois sem esse equilíbrio, o Estado se degringola, e, por derradeiro, sucumbe ao seu próprio peso e poder.

A FUNÇÃO SOCIAL

Imprescindível um sistema de arrecadação, neste momento o indivíduo haverá de ser compelido para sustentar a atividade do Estado, juntamente com toda a realidade que fora criada para a sua manutenção: a relação jurídica que é estabelecida se concretiza, de modo materialmente imponente na seara do direito tributário, pois será esta ramificação da realidade jurídica que notaremos, não apenas a coação estatal se movimentar, mas, principalmente, a dialética preponderante entre as liberdades individuais e o interesse público: os dois polos se movimentam conjuntamente como se estivessem em uma valsa, onde a harmonia entre o masculino e feminino deve estabelecer uma íntima confluência de desejos, sem olvidar da formalidade que gerencia cada movimento, zelando para que não ocorra qualquer espécie de sobreposição entre uma formalidade e outra, o que ocasionaria o descompasso e consequente ruína do espetáculo.

Mister expor os ensinamentos do jurista, Rubens Gomes de Souza, contextualizando e aprofundando o aqui versado: “Justamente quando o Estado começa a exercer essas atividades é que surgem situações de relação jurídica, isto é, situações de contato ou conflito entre o Estado e os particulares, de cujo patrimônio aquele visa retirar o montante dos tributos. Sendo essas relações reguladas pelo direito, uma vez que o Estado moderno, tendo deixado de ser autocrático, só pode agir através do direito, formou-se, dentro do direito financeiro, um capítulo especial dedicado às regras jurídicas que disciplinam a criação, o desenvolvimento e a extinção de tais relações referentes à cobrança dos tributos e à sua fiscalização. Esse capítulo do direito financeiro, em razão da complexidade da matéria e da sua constante ampliação e especialização, adquiriu aos poucos uma situação de autonomia e constitui atualmente um ramo particular do direito público, denominado direito tributário. Podemos portanto definir o direito tributário como sendo o ramo do direito público que rege as relações jurídicas entre o Estado e os particulares, decorrentes da atividade financeira do Estado no que se refere à obtenção de receitas que correspondem ao conceito de tributos

Posto isto, devemos conceituar o que vem a ser Governo e Estado: a conceituação estará em consonância com a teoria política do Norberto Bobbio, onde o cientista político expõe ser Governo um conjunto de pessoas representadas por um partido político, democraticamente eleito, cujo qual irá administrar os recursos e despesas do Estado. Na outra ponta, o Estado poderá ser caracterizado como uma entidade constituída pela população (vontade de cada indivíduo social), através da liberalidade disposta em um cenário onde o indivíduo abdica de sua liberdade para obter as garantias estatais, tais como, segurança, paz, ordem, progresso, delimitação de fronteiras, bem como suporte diplomático frente a geopolítica disposta.

Assim, se tratando da fiscalidade tributária, não podemos pensar na arrecadação como algo ruim ao indivíduo; pois embora ninguém acorde em uma manhã ensolarada com tremenda vontade de pagar os tributos cobrados, haja vista ser natural do indivíduo resistir e se esquivar da carga tributária já que ela irá interferir em seu patrimônio ou liberdade; é de fundamental relevância a compreensão de que a cobrança tributária vinda do Estado deve ser uma forma, utilizada pela sociedade, de concretizar o contrato social: nesse sentido se observa a cristalina dinâmica entre a abdicação da liberdade feita pelo indivíduo e as garantias estatais.

Todavia, a realidade brasileira não demonstra uma pratica favorável ao versado, pois há um cenário de plena corrupção, fazendo as engrenagens estatais apodrecerem, ao mesmo tempo que macula os indivíduos através de uma arrecadação predatória. Embora em primeiro plano se possa pensar nos tributos como grandes vilões, não se deixem enganar por esta rasa analise; os tributos não são vilões, muito menos heróis, eles são instrumentos, contudo, atualmente, mal utilizados.

Neste momento o navio da Camões deve estar começando a naufragar e os versos do poeta português já titubeiam pelo espaço como música que se move com o vento, preferindo a brisa de uma manhã de primavera para que suas notas não se desfaçam com desmedida brutalidade: “Se tanta pena tenho merecida (…) Em pago de sofrer tantas durezas, (…) Provai, Senhora, em mim vossas (…) cruezas, (…) Que aqui tendes uma alma (…) oferecida

O bravo navegante não esmorece com a primeira onda, por isso não tenha medo do mal clima, pois nossa Constituição é nova e nossa democracia recém-nascida. Diante deste panorama, convém trazer à reflexão um trecho do livro do tributarista Leandro Paulsen: “A tributação, no Estado de Direito Democrático, constitui instrumento da sociedade. É através das receitas tributárias que são viabilizadas a manutenção da estrutura política e administrativa do Estado e as ações de governo. Mas a tributação arbitrária ou excessiva pode, por si própria ter efeitos perversos. Assim, a Constituição também cuida de definir as possibilidades e limites da tributação, fazendo-o através da outorga constitucional da competência tributária (quando a Constituição diz quais os tributos que podem ser instituídos e sob que forma, diz, também, implicitamente, que o que dali desborda não pode ser feito) e da clara enunciação de garantias fundamentais do contribuinte. A tributação é válida quando exercida na forma e medida admitidas pela Constituição Federal. A tributação que não encontra suporte no texto constitucional não constitui propriamente tributação, mas violência aos direitos individuais, arbítrio inconstitucional e ilegítimo.

É diante desta toada de pensamento que devemos nos posicionar: o grande problema do Brasil nunca esteve no sistema tributário (embora possa ser melhorado e aperfeiçoado), mas na forma como a administração pública se porta diante do montante monetário que coleta dos indivíduos.

Nesse sentido, Camões é esplêndido: “MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS VONTADES (…) MUDA-SE O SER, MUDA-SE A CONFIANÇA; (…) TODO O MUNDO É COMPOSTO DE MUDANÇA, (…) TOMANDO SEMPRE NOVAS QUALIDADES.”

A nau não deve naufragar, por isso, o cidadão deve estar atento às ações do governo, bem como jamais se deixar encantar pelas promessas de reforma tributária, diminuição de impostos fundada em argumentos que em nada condizem com o sistema tributário posto pela Constituição Federal. Fuja de argumentos que amaldiçoem a tributação em prol de um mundo feliz e sem dores, pois possuímos uma Carta Magna que ressalta garantias cujas quais favorecem, principalmente, àqueles que muito pouco possuem, neste viés não se deixe levar pelo pensamento assistencialista, pois o que se traz a lume é o humanitarismo condizente com as regras estipuladas na aferição do índice de desenvolvimento humano (IDH), promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU), o fomento a este índice proporciona, acima de tudo, o mínimo existencial para que as pessoas sem expectativa de futuro, passem a vislumbrar uma estrada com ferramentas para uma vida digna: todos em sociedade necessitam de uma profissão, moradia, educação, saúde e acima de tudo, lazer nas horas de descanso: são essas bandeiras que a Constituição da Republica abraça e para o seu efetivo cumprimento se faz necessário dinheiro advindo da tributação.

CONSIDERAÇÃO FINAL

Diante do exposto, convém parafrasear Benjamin Franklin ao dizer que na vida possuímos duas certezas, a primeira é a morte, a segunda é que jamais deixaremos de pagar tributos, todavia, essa afirmação não é negativa, apenas nos coloca no plano das coisas que efetivamente existem: saber caminhar com destreza pela realidade é a condição basilar para não sermos pegos de surpresa pelo ladrão que espreita na noite escura. Deve-se ter fúria contra os maus governos que se utilizam do Estado de Direito para seu próprio enriquecimento, estes são os verdadeiros vilões. Assim, devemos afirmar ser imprescindível o zelo pelo ato de tributar corretamente.

 

Advogado. Membro efetivo da Comissão de Direito Tributário e da Comissão de Privacidade, Proteção de Dados e Inteligência Artificial, ambas da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de São Paulo.

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