Coordenador: Ricardo Calcini.
A Lei 13.467/2017 introduziu na Consolidação das Leis do Trabalho o artigo 484-A, trazendo uma nova figura de distrato ou resilição bilateral do contrato de trabalho: a extinção por acordo individual entre empregado e empregador.
Segundo o novel artigo, o distrato de base individual garante ao empregado o direito ao recebimento, pela metade, das verbas inerentes às dispensas havidas por culpa ou iniciativa do empregador como: aviso prévio indenizado, inclusive o proporcional, quando houver e indenização do FGTS ( 20%). Além disso, ao empregado será liberado o levantamento de 80% dos depósitos na conta vinculada do FGTS e o pagamento da integralidade das demais verbas rescisórias como saldo salarial, férias vencidas e proporcionais, acrescidas de um terço e décimo terceiro proporcional.
Essa modalidade rescisória não permite o recebimento, pelo empregado, do seguro-desemprego (§2º do art. 484-A, da CLT). Isso se justifica por não se tratar de desemprego ‘involuntário’.
A finalidade do legislador, com esse novo dispositivo, é evitar as constantes fraudes por meio de simulação de rescisão de contrato sem justa causa, em que o empregado muitas vezes ingressava em outro emprego e acordava com o empregador em devolver a indenização de 40% para se beneficiar, de forma indevida, da liberação do FGTS e seguro-desemprego. A nova redação visou normatizar a situação, impondo limites ao que ocorria anteriormente. Entretanto, pecou em não prever qualquer formalidade específica para a consumação da extinção por acordo individual, o que pode acarretar insegurança jurídica, sobretudo no tocante a prova do distrato. É o que aduz o professor Guilherme Guimarães Feliciano:
‘Não raro, em casos de dispensa sem o pagamento de verbas resilitórias, o ex-empregador contestará dizendo de suposto ‘distrato verbal’, ou mesmo de ‘distrato tácito’, o que demandará, à falta de instrumentos bastantes, o largo uso de provas testemunhais’. (Comentários à Lei da Reforma Trabalhista: Dogmática, visão crítica e interpretação constitucional. LTr: 2018).
A redação traria mais segurança na sua aplicabilidade se dispusesse, em seu texto, exigência da forma escrita para o distrato, como estabelece o art. 349, n. 1 e 2, do Código do Trabalho de Portugal:
1 – O empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo. 2 – O acordo de revogação deve constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar.
Outra legislação estrangeira que trata sobre esse tipo de extinção contratual é a Argentina, a qual exige forma escrita e escritura pública (Ley n. 20.744, redação de 1976, art. 241, 1ª parte), fazendo com que não remanesçam dúvidas quanto ao vício de consentimento do empregado.
Com o fim de trazer segurança jurídica para esse dispositivo, a ANAMATRA aprovou, na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, o Enunciado n. 64 que dispõe:
‘Enunciado n. 64: ‘RESCISÃO CONTRATUAL POR MÚTUO CONSENTIMENTO E SEM ASSISTÊNCIA SINDICAL: ÔNUS DA PROVA. Negando o trabalhador que a ruptura contratual ocorreu por mútuo consentimento (art. 484-A), é do empregador o ônus da prova, tendo em vista a revogação do §1º do 477 da Consolidação das Leis do Trabalho (Assistência/Fiscalização sindical obrigatória) e em face dos princípios da continuidade da relação de emprego e da primazia da realidade, assumindo maior relevância a orientação da Súmula 212 do Tribunal Superior do Trabalho’
Assim, mesmo não havendo previsão no art. 484-A de que é preciso forma escrita para a extinção do contrato de trabalho, é importante ressaltar que o ônus de prová-la é do empregador, conforme o princípio da continuidade da relação de emprego e Súmula 212, do TST.
Além disso, a forma escrita fica subentendida quando se analisa o teor do §6º do art. 477 da CLT, que estabelece o prazo de dez dias para pagamento das verbas rescisórias e entrega dos documentos da rescisão ao empregado, inclusive aqueles que comprovem a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes.
Cumprido, pelo empregador, o ônus de provar a extinção do contrato de trabalho por mútuo acordo, nos moldes do art. 484-A, da CLT, ao empregado é incumbido o ônus de provar o vício de vontade (art. 171, CC), para que o reconhecimento desse acordo seja afastado. Caso contrário, a transferência desse ônus ao empregador ensejaria a obrigação de provar fato negativo, o que é vedado pelo §3º do art. 818 da CLT.
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região perfilhou esse entendimento na 1ª Jornada sobre a Reforma Trabalhista realizada no próprio Tribunal:
‘Art. 484-A da CLT. É ônus processual do empregador trazer a documentação relativa ao distrato por mútuo consentimento previsto no art. 484-A da CLT. Alegado o vício de consentimento, incumbe à parte requerente comprová-lo. O cálculo da metade do aviso-prévio deve considerar a proporcionalidade prevista na Lei n. º 12.506/2011.’
As primeiras decisões sobre essa temática também são nesse sentido, como se vê desse trecho de sentença:
‘No que concerne à validade da extinção do contrato por acordo entre empregado e empregador, cabe pontuar que tal possibilidade encontra-se disciplinada no artigo 484-A da CLT, inserido pela Lei nº 13.467/2017, vigente à época do deslinde contratual. O novel dispositivo legal citado não exige homologação sindical, tampouco judicial, como condição de validade da rescisão contratual. Aliás, a exigência de assistência sindical na rescisão contratual de empregado com mais de um ano de serviço não mais subsiste, ante a revogação do § 1º do artigo 477 da CLT pela Lei nº 13.467/2017. Assim, não provado qualquer vício de vontade, é de se reconhecer a validade da extinção do contrato por acordo entre empregado e empregador, conforme TRCT […].
(Processo Nº RTSum-0000107-18.2018.5.06.0003, da 3ª Vara do Trabalho de Recife, sentença de 31/05/2018, juíza Maysa Costa de Carvalho Alves)
Insta salientar, ainda, que a modalidade de acordo estabelecida no artigo 484-A da CLT não se confunde com a homologação de acordo extrajudicial do 855-B da CLT. Portanto, não é necessária a homologação judicial para a efetivação dessa nova forma de extinção de contrato de trabalho. Se, mesmo assim as partes desejarem fazê-lo, o teor do art. 484-A, da CLT deverá ser respeitado, como fundamenta a seguinte decisão:
MODALIDADE DE RESCISÃO – VERBAS RESCISÓRIAS (matéria comum)
A transação entre as Partes foi realizada nos termos do artigo 484-A da CLT, situação que não depende de homologação judicial, diversamente do instituto previsto no artigo 855-B, da CLT, que versa sobre o acordo extrajudicial trazido a Juízo para fins de homologação, com todos os requisitos lá previstos.
Ainda, não faz jus o Autor ao recebimento de seguro-desemprego, por expressa vedação.
(Processo nº 00103558-30.2018.5.03.0181 ROPS, de 13/09/2018, do TRT3ª Região, rel. Fernando Antônio Viégas Peixoto).
Diante de todo esse contexto, conclui-se que o artigo 484-A da CLT trouxe um novo instituto, carreado de lacunas sobre o procedimento para este tipo de extinção do contrato de trabalho. Por isso, para a validade do distrato é recomendável ao empregador munir-se de formalidades, mesmo que não previstas em lei, para que não se dê margem a dúvidas sobre o término da relação empregatícia e nem eventual alegação de vício de consentimento do trabalhador. Da mesma forma, compete ao empregado, abastecer-se de provas que demonstrem a sua ausência de vontade nessa modalidade de extinção de contrato de trabalho, caso essa situação exista.
Referências:
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2018.
DIAS, Carlos Eduardo Oliveira; FELICIANO, Guilherme Guimarães; SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira; FILHO, Carlos Toledo. Comentários à Lei da Reforma Trabalhista: Dogmática, Visão Crítica e Interpretação Constitucional. 1. ed. São Paulo: LTr, 2018.
1ª JORNADA SOBRE A REFORMA TRABALHISTA DO TRT4ª REGIÃO. Disponível em: < https://www.trt4.jus.br/portais/media-noticia/151470/Conclusões%20aprovadas%20por%20magistrados%20do%20TRT4%20sobre%20a%20Lei%2013467.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2018.
2ª JORNADA DE DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL DO TRABALHO. Disponível em: < http://www.jornadanacional.com.br/listagem-enunciados-aprovados-vis1.asp>. Acesso em: 01 nov. 2018.
JUSBRASIL. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/diarios/192923711/trt-6-judiciario-31-05-2018-pg-1938?ref=next_button>. Acesso em: 01 nov. 2018.
JUSBRASIL. Disponível em: < https://www.jusbrasil.com.br/topicos/197062485/processo-n-0010358-3020185030181-do-trt-3>. Acesso em: 02 nov. 2018.
LIMA, Aloizio; PERESSIN, Paulo. In. Reforma Trabalhista Brasileira em Debate: Grupo de Estudos de Direito. Org.: NETO, Aldo Augusto Martinez; BURMANN, Marcia Sanz; GALO, Thais. 1. ed. São Paulo: LTr, 2018.
OLIVEIRA, Maria Teresa Vieira da Silva e MARQUES, Rafael da Silva. In.: CLT Comentada pelos Juízes do Trabalho da 4ª Região. 3. ed. São Paulo: LTr, 2018.
PORTUGAL. Código do Trabalho Português. Disponível em: <http://cite.gov.pt/asstscite/downloads/legislacao/CT20032018.pdf#page=132.>. Acesso em: 01 nov. 2018.
SOUZA, Rodrigo Trindade de. CLT comentada pelos juízes do trabalho da 4ª Região. 3. ed. São Paulo: LTr, 2018
YAMAKI, Renata Paschoalini. In Reforma Trabalhista: Reflexões e Críticas. Org. MANNRICHI, Nelson Mannrich. 2. ed. São Paulo: LTr, 2018.
Advogada, pós-graduada em direito e processo do trabalho com formação para Magistério Superior. Pós-graduanda em Processos Brasileiros pela PUC-MG. Mestranda em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas no UDF.
Ótimo texto. Por gentileza poderia especificar a página da citação do professor Guilherme Guimarães Feliciano para a utilização em um trabalho? Desde já, agradeço.
Olá, Gustavo! Desculpa a demora em responder. É que vi somente hoje sua pergunta. A citação do professor Guilherme Guimarães Feliciano se encontra na página 123 do livro que está na referência.