sábado,20 abril 2024
ColunaCivilista de PlantãoA execução civil da empresa individual e seus desdobramentos

A execução civil da empresa individual e seus desdobramentos

Ressalvada a hipótese da EIRELI, o empresário individual assume sempre responsabilidade ilimitada pelas dívidas assumidas em razão do exercício da atividade empresarial, respondendo com seus bens particulares perante os credores.

Palavras-chaves: Direito Empresarial. Empresa. Empresário individual. Direito Processual Civil. Execução. Responsabilidade patrimonial.

Introdução

É comum presenciarmos nas contendas executivas uma confusão acerca do conceito de empresa individual e personalidade jurídica, com reflexos na responsabilidade patrimonial por débitos contraídos pela empresa.

O equívoco consiste na crença de que a empresa individual tem uma personalidade jurídica própria e distinta do seu titular (a pessoa natural empresária).

Em face desta premissa errônea, transtornos burocráticos surgem no processo, contribuindo para sua morosidade, uma vez, que é desnecessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica a espécie, respondendo a pessoa natural, com seus bens pelas obrigações assumidas pela empresa.

O presente artigo tem por objetivo, esclarecer os elementos caracterizados da empresa individual, realçando a inexistência de separação patrimonial da pessoa natural, porquanto é apenas pessoa jurídica para fins tributários, e a sua diferença com relação à EIRELI.

Personalidade e Empresa

Sujeito de direito é o titular de direitos e obrigações na esfera do direito civil.

Modernamente, sujeito de direito é tido como gênero sendo suas espécies: as pessoas físicas ou jurídicas, únicos entes dotados de personalidade jurídica.

Por sua vez, os entes despersonalizados, embora destituídos de personalidade jurídica detêm alguns direitos e algumas obrigações, podendo praticar os atos para os quais estejam expressamente autorizados ou então aqueles que digam respeito à sua finalidade (Massa falida, espólio, herança jacente, condomínio edilício, e etc.).

A pessoa física ou natural é dotada de personalidade jurídica, entendida como a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações.

Neste compasso, a personalidade é adquirida com o nascimento com vida.

Empresa, para o Direito, é a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Não tem personalidade jurídica e não é uma pessoa jurídica.

Feitas essas considerações analisaremos o conceito de empresário no ordenamento jurídico.

O artigo 966 do Código Civil o define:

“Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”

A partir do conceito legal trazido pelo dispositivo o Professor Sergio Campinho define empresário como:

“a pessoa física ou jurídica que exerce profissionalmente (com habitualidade e escopo de lucro) atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços no mercado” [1]

Deste modo, empresário é a pessoa empreendedora de uma atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços.

São sujeitos dessa atividade: (i) empresário individual (pessoa natural; art. 966); (ii) sociedade empresária (pessoa jurídica, conforme art. 44, II, CC; e art. 982, CC); e, finalmente, a EIRELI (pessoa jurídica, conforme o art. 44, VI, CC; e art. 980-A, CC).

Assim sendo, a empresa pode ser explorada por uma pessoa física (empresário) ou por pessoas jurídicas (sociedade empresária ou EIRELI).

Empresário Individual

Conforme vimos, o empresário individual exerce a atividade comercial em nome próprio.

O Professor Campinho [2] elucida seus principais aspetos:

“O exercício da empresa pelo empresário individual se fará sob uma firma, constituída a partir de seu nome, completo ou abreviado, podendo a ele ser aditado designação mais precisa de usa pessoa ou do gênero de atividade. Nesse exercício, ele responderá com todas as forças de seu patrimônio pessoal, capaz de execução pelas dívidas contraídas..”

Nesta linha, leciona o Professor Requião [3]:

“À firma individual, do empresário individual, registrada no Registro do Comércio, chama-se também de empresa individual. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina explicou muito bem que o comerciante singular, vale dizer, o empresário individual, é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer sejam civil, quer comerciais. A transformação de firma individual em pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário, somente para o efeito do imposto de renda” (Ap. civ. n. 8.447 – Lages, “in” Bol. Jur. ADCOAS, n. 18.878/73)”

E, também, do mestre Carvalho de Mendonça [4]:

“Usando uma firma para exercer o comércio e mantendo o seu nome civil para os atos civis o comerciante, pessoa natural, não se investe de dupla personalidade; por outra, não há duas personalidades, uma civil e outra comercial.

As obrigações contraídas sob a firma comercial ligam a pessoa civil do comerciante e vice-versa. Se ele incide em falência, não se formam duas massas: uma comercial, compreensiva dos atos praticados sob a firma mercantil, e outra civil, relativa aos atos praticados sob o nome civil, mas uma só massa, à qual concorrem todos os credores.

A firma do comerciante singular gira em círculo mais estreito que o nome civil, pois designa simplesmente o sujeito que exerce a profissão mercantil. Existe essa separação abstrata, embora os dois nomes se apliquem à mesma individualidade. Se, em sentido particular, uma é o desenvolvimento da outra, é, porém, o mesmo homem que vive ao mesmo tempo a vida civil e a vida comercial”

Do exposto, veja-se com clareza o fato da atividade econômica exercida pela própria pessoa do empresário, não significa o desdobramento de uma nova personalidade, sendo considerada pessoa jurídica, somente para fins tributários [5].

Neste sentido, alinha-se a jurisprudência:

“Firma individual – Atos por ela praticados – Responsabilidade civil do comerciante – Inexistência de distinção entre pessoa física e comercial. 1. As obrigações contraídas sob o manto da firma comercial ligam a pessoa civil do comerciante e vice-versa. Utilizando uma firma para exercer o comércio e mantendo o seu nome civil para atos civis, – o comerciante – pessoa física, natural – não fica investido de dupla personalidade, vez que não existem duas personalidades: uma civil e outra comercial.” ( RT 687/135).

“Locação – Despejo – Legitimidade Passiva – Pessoa física – Firma individual – Diferença entre suas personalidades – Simbiose evidente – Acolhimento da legitimação da pessoa física. Não se desconhece a diferença entre a personalidade das pessoas física e jurídica de firma individual. Mas, sendo evidente a existência da simbiose entre uma e outra, não é pessoa física parte ilegítima para figurar no pólo passivo da ação ordinária de despejo de imóvel não residencial, mesmo quando acionada a pessoa jurídica.” (2º TACív./SP – Ap. c/Rev. n. 334.331 – AC. 5ª Câm. – Rel: Juiz Sebastião Amorim – j. em 19.8.92).

“ÍNDICES DE CORREÇÃO MONETÁRIA. PLANO REAL.

Juridicamente não há distinção entre a pessoa física comerciante e a firma individual: distinção somente para fins fiscais.

(…) Agravo provido.” (Agravo de Instrumento nº 195178736, 4ª Câmara Cível do TARS, Garibaldi, Rel. Moacir Leopoldo Haeser. j. 29.2.96).

“INDENIZAÇÃO – PROTESTO DE TÍTULO – EMPRESA INDIVIDUAL – PESSOA FÍSICA – ESTABELECIMENTO BANCÁRIO – LEGITIMATIO AD CAUSAM. – O comerciante singular, ou seja, o empresário individual, é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer sejam civis, quer comerciais. A transformação de firma individual em pessoa jurídica é uma ficção do Direito Tributário, somente para o efeito do imposto de renda.

– Não havendo nas cartas e telefonemas dados à empresa/cliente o intuito e o interesse de prejudicar a autora/prestadora de serviços, não procede a sua intenção de ver-se indenizada por danos morais.

– Recurso improvido.” (TAMG – Apelação Cível n.º 281.763-4 – Rel. Juíza Maria Elza – j. 8.9.1999).

“A FIRMA INDIVIDUAL CONSTITUI SIMPLESMENTE A DENOMINAÇÃO UTILIZADA PELA PESSOA FÍSICA PARA COMERCIAR, SEM QUE ISSO IMPORTE EM OUTORGAR-LHE DUPLA PERSONALIDADE, OU SEJA, NÃO PASSA A EXISTIR SIMULTANEAMENTE UMA PESSOA FÍSICA E OUTRA QUIÇÁ, JURÍDICA, CORRESPONDENTE A ATIVIDADE COMERCIAL. PERSISTE SOMENTE UMA PERSONALIDADE, A DESSA MESMA PESSOA FÍSICA, QUE É O ÚNICO SUJEITO DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES.” (TJPR – Apelação Cível n.º 4711 – Rel. Des. Antônio Lopes de Noronha – j. 10.4.2000).

“AÇÃO MONITÓRIA – CHEQUES PRESCRITOS – TÍTULOS EMITIDOS POR MICROEMPRESA E FIRMADOS POR SEU REPRESENTANTE – LEGITIMIDADE PASSIVA “AD CAUSAM” – RECONHECIMENTO – AVALISTA – ILEGITIMIDADE PASSIVA “AD CAUSAM” – OCORRÊNCIA.

I – O sistema jurídico brasileiro não considera a firma individual como entidade distinta da pessoa natural do comerciante, que não se investe de dupla personalidade, uma civil e outra comercial, pelo que os débitos contraídos pela empresa ligam a pessoa civil do comerciante e vice-versa, respondendo este pelas dívidas contraídas por uma ou por outro.

II – É parte legítima para figurar no pólo passivo de ação monitória o empresário individual que firma cheque emitido por sua microempresa individual”

(TAMG, Apelação Cível nº 395.448-3, Primeira Câmara, Relator Juiz OSMANDO ALMEIDA)

Em resumo, a natureza jurídica do empresário individual é de pessoa natural, sem separação patrimonial, exercendo ele mesmo a atividade econômica por sua conta e risco.

Regime jurídico

Nome empresarial

A pessoa natural que exerça a atividade empresarial tem o direito ao uso de um nome empresarial, nos termos do artigo 1156 do código civil, in verbis:

“Art. 1.156. O empresário opera sob firma constituída por seu nome, completo ou abreviado, aditando-lhe, se quiser, designação mais precisa da sua pessoa ou do gênero de atividade”

O empresário pode usar um nome fantasia, comercial para dar maior notoriedade a sua marca ou produto/serviço. [6]

Estabelecimento

O empresário desta natureza é protegido e submetido às regras relativas ao estabelecimento empresarial.

O código civil define estabelecimento empresarial, nos artigos 1142 e 1143:

“Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”

“Art. 1.143. Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza”

O professor Fabio Ulhoa Coelho [7], nos traz um conceito preciso deste elemento da empresa:

“Estabelecimento empresarial é o conjunto de bens reunidos pelo empresário para a exploração de sua atividade econômica. A proteção jurídica do estabelecimento empresarial visa à preservação do investimento realizado na organização da empresa. O valor agregado ao estabelecimento é referido, no meio empresarial, pela locução inglesa goodwill”

Em síntese, trata-se de uma universalidade de fato e de direito, albergando bens corpóreos e incorpóreos utilizados em favor da empresa, integrando o patrimônio do empresário.

A Súmula n. 451 do STJ dispõe que “é legítima a penhora da sede do estabelecimento comercial” quando inexistentes outros bens passíveis de penhora e desde que não seja servil à residência da família.

Contudo, como atualmente as empresas de alguma relevância jurídica e econômica são pessoas jurídicas, na forma de sociedades empresariais, essa questão atinente ao empresário individual tem pouca repercussão prática.

Inscrição e atos constitutivos

A pessoa natural que exerce a atividade empresarial está obrigada a inscrição no registro comercial e no cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas [8].

Rezam os artigos 1.150 e 1151 do Código Civil:

“Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária”

“Art. 1.151. O registro dos atos sujeitos à formalidade exigida no artigo antecedente será requerido pela pessoa obrigada em lei, e, no caso de omissão ou demora, pelo sócio ou qualquer interessado”

Contudo, como bem observa o Professor Campinho [9], o registro é um ato declaratório e não constitutivo da condição de empresário, ao afirmar que:

“temos, assim, o registro como declaratório e não constitutivo da qualidade de empresário. O arquivamento dos atos constitutivos das firmas individuais ou das sociedades na Junta Comercial não assegura, pelo só efeito do registro, a condição de empresário que se verifica pelo exercício profissional da atividade que lhe é própria, tal qual definida no artigo 966”

O registro é tão somente uma obrigação imposta por Lei ao empresário, mas não um pressuposto para aquisição desta qualidade.

Semelhança e diferença com a EIRELI e a sua responsabilidade patrimonial

A empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), assim como a empresa individual é uma categoria empresarial que permite a constituição de uma empresa com apenas um sócio: o próprio empresário.

A principal diferença [10] entre elas repousa no aspecto da responsabilidade patrimonial, o seu patrimônio de afetação.

O empresário individual possui uma responsabilidade ilimitada, sem separação patrimonial, podendo os seus próprios bens ser objetos de expropriação pelos credores.

Por sua vez, a EIRELI permite ao empresário limitar sua responsabilidade patrimonial. O titular não responderá com seus bens pessoais pelas dívidas da empresa, equiparando-se, para fins de responsabilização de seu titular, à sociedade limitada.

Todavia, essa benesse conferida pela lei a EIRELI não foi gratuita, sendo imprescindível a integralização de um capital social de cem vezes o salário mínimo, nos termos do artigo 980-A do Código Civil, in verbis:

“Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País”

Interessante observar que há decisões judiciais que desconstituem a responsabilidade limitada das EIRELI que não integralizam o correto capital social, atingindo o patrimônio particular do sócio, como se fosse empresário individual.

Confira-se:

“AÇÃO MONITÓRIA. LOCAÇÃO DE BEM MÓVEL. Pleito de bloqueio de ativos financeiros e penhora de bens de propriedade do sócio da executada. Admissibilidade, eis que, mesmo em se tratando de empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), o capital social não foi integralizado pelo único sócio, situação que equipara a devedora à empresa individual. Expedição de carta precatória para penhora do veículo de propriedade da executada. Providência prematura, tendo em vista que o bem sequer foi localizado. Recurso parcialmente provido” (TJ-SP – AI: 21884036020168260000 SP 2188403-60.2016.8.26.0000, Relator: Dimas Rubens Fonseca. Data de Julgamento: 18/10/2016, 28ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/10/2016)

Portanto, reprisa-se: a natureza jurídica do empresário individual é de pessoa natural, sem separação patrimonial, exercendo ele mesmo a atividade econômica por sua conta e risco, respondendo com seus próprios bens pelos débitos contraídos na atividade empresarial, ressalvada a EIRELI.

A execução da empresa individual

Da qualificação na inicial e a citação

Para os efeitos da responsabilidade patrimonial, tratando-se de empresa individual, o comerciante responderá ilimitadamente, com todos os seus bens, pelos atos que praticar atinentes ao comércio, inexistindo distinção entre dívida contraída pelo comerciante singular e aquela a que está obrigada a pessoa física, de modo que os seus bens respondem pelas obrigações assumidas, qualquer que seja sua natureza.

Por conseguinte, como a empresa individual não tem personalidade jurídica, a pessoa física que lhe empresta o nome, age pessoalmente em juízo, em seu nome individual.

Como corolário destas premissas, o credor deve qualificar a pessoa natural e não apenas o nome comercial da empresa individual.

Nesta toada, a capacidade processual é afeta a pessoa do empresário. Neste sentido, colacionamos a seguinte decisão:

“Acordão-origem: trf – primeira região classe: ag – agravo de instrumento – 01114857 processo: 9001114857 uf: mg órgão julgador: primeira turma data da decisão: 11/06/1991 dj data: 12/08/1991 página: 18393 relator(a) –Juiz Catão Alves descrição -a unanimidade, negar provimento ao recurso de agravo de instrumento. Ementa- processo civil – firma individual – capacidade para estar em juízo – inexistência.

A distinção entre firma individual e pessoa física só e considerada para efeito de imposto de renda já que a responsabilidade patrimonial perante credores una, que se concentra na pessoa física que atua, necessariamente, no próprio nome. Por conseguinte, como firma individual não tem personalidade jurídica, a pessoa física que lhe empresta o nome, age pessoalmente em juízo, em seu nome individual e é devedora ou credor de terceiros. 2. Decisão confirmada. 3. Agravo de instrumento rejeitado. Data Publicação-12/08/1991″

Em ato contínuo, citado a empresa individual, tem-se também como citada a pessoa física, sendo dispensável que se repita o ato para viabilizar a penhora de seus bens particulares.

Neste sentido:

“… Considera-se válida a citação da pessoa física e da empresa individual feita na pessoa natural do empresário individual, considerando-se que teve plena ciência da demanda (…)” (TJSP, AI nº 2037576-37.2016.8.26.0000, 20ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Rebello Pinho, DJ 11.04.2016)

Consigna-se ainda a possibilidade da citação da empresa individual na pessoa do seu preposto, representante legal ou funcionário, mediante aplicação da teoria da aparência, segundo a qual aquele que se encontra no estabelecimento comercial tem legitimidade para receber citação na qualidade de preposto da pessoa jurídica.

O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo nesse sentido:

“Segundo a jurisprudência dominante no STJ, é regular a citação de pessoa jurídica, por via postal, quando a correspondência é encaminhada ao estabelecimento da ré, sendo ali recebida por um seu funcionário. Desnecessário que o ato de comunicação processual recaia em pessoa ou pessoas que, instrumentalmente ou por delegação expressa representem a sociedade” (STJ-4ª Turma, REsp 190.690-RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 14.12.99, deram provimento, v.u., DJU 20.03.00, p. 77)

Aplicável, portanto, a teoria da aparência, exsurgindo a presunção de que o funcionário da empresa individual que recebeu a citação, no seu estabelecimento, estava legitimado para o ato.

Casuísticas

Título de crédito emitido apenas em nome da Empresa individual e a legitimidade ativa do empresário para perseguir créditos em nome da empresa individual

A pessoa física tem legitimidade passiva para a execução ainda que somente a empresa individual figure no título de crédito ou contrato.

Do mesmo modo, não há ilegitimidade ativa na cobrança, pela pessoa física, de dívida contraída por terceiro perante a pessoa jurídica.

O fundamento é o mesmo: ausência de distinção entre o patrimônio da empresa individual e de seu proprietário.

Neste contexto, reprisa-se: a empresa individual é mera ficção jurídica para fins tributários, de modo que não se trata de pessoa jurídica distinta do empresário individual, apesar de possuir número de “CNPJ”, frisa-se, mero artifício jurídico previsto em lei para facilitar o recolhimento dos tributos por parte do empresário individual.

Neste contexto, alinha-se a jurisprudência:

“AÇÃO MONITÓRIA – CHEQUE EMITIDO POR MICROEMPRESA E FIRMADO POR SEU REPRESENTANTE – LEGITIMIDADE PASSIVA. O sistema jurídico brasileiro não considera a firma individual como entidade distinta da pessoa natural do comerciante, que não se investe de dupla personalidade, uma civil e outra comercial. Os débitos contraídos pela empresa ligam a pessoa civil do comerciante e vice-versa, respondendo este pelas dívidas contraídas por uma ou por outro. É parte legítima para figurar no pólo passivo de ação monitória o empresário individual que firma cheque emitido por sua microempresa individual”. (TAMG, Apelação Cível nº 288.748-5, Terceira Câmara, relator Juiz WANDER MAROTTA).

O E. Superior Tribunal de Justiça também segue o mesmo entendimento:

“Direito processual civil e comercial. Ação de cobrança de cheque, proposta, em nome próprio, pelo titular da empresa individual em favor de quem o cheque foi passado. Legitimidade. (…) A jurisprudência do STJ já se posicionou no sentido de que a empresa individual é mera ficção jurídica, criada para habilitar a pessoa natural a praticar atos de comércio, com vantagens do ponto de vista fiscal. Assim, o patrimônio de uma empresa individual se confunde com o de seu sócio, de modo que não há ilegitimidade ativa na cobrança, pela pessoa física, de dívida contraída por terceiro perante a pessoa jurídica. Precedente” (STJ, REsp 487.995/SP,3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 22.05.2006, p.191)

Mostra-se, indubitável, portanto, a possibilidade de o empresário individual integrar o polo passivo da execução ainda que somente a empresa individual figure como emitente no título, ou, na outra hipótese aventada, exercer a legitimidade ativa na persecução de um crédito da empresa individual.

Falecimento do empresário individual

 Constatado que o titular da empresa individual faleceu em data posterior ao ajuizamento da ação, é cabível o redirecionamento contra o espólio ou, nas hipóteses de ausência de abertura de inventário ou de encerramento deste, diretamente contra o administrador provisório (artigo 1797 do código civil) ou contra os sucessores do de cujus.

A hipótese inversa, qual seja, ajuizar a ação em face de empresário individual já falecido, não é possível, por falta de uma das condições da ação, qual seja, a legitimidade da parte.

Considerando que a firma individual ou empresário individual é mera extensão da pessoa física ou natural, sendo esta a responsável com seus bens pessoais pelos atos praticados pela empresa, a sua morte implica necessariamente o desaparecimento da firma por ele intitulada, ainda que não tenha dado baixa na Junta Comercial.

Nesse sentido, os seguintes arestos:

“EXECUÇÃO FISCAL. AFORAMENTO CONTRA SÓCIO DE EMPRESA INDIVIDUAL FALECIDO. EXTINÇÃO. No caso de falecimento de sócio de firma individual, a demanda executiva deve ser proposta contra o espólio ou, nas hipóteses de ausência de abertura de inventário ou encerramento deste, diretamente contra os sucessores daquele, medidas que, se não observadas pelo Fisco, culminam com a extinção do processo, na forma do artigo 267, VI, do CPC.

(TRF-4 – AC: 806 RS 2006.71.01.000806-3, Relator: JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 10/12/2008, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E. 13/01/2009).

“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. FALECIMENTO DO REPRESENTANTE DA EMPRESA (FIRMA INDIVIDUAL) ANTES DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL. EXTINÇÃO. REDIRECIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A firma individual ou empresário individual é mera extensão da pessoa física ou natural. As relações entre a pessoa física (empresário) e a pessoa jurídica (empresa) são tão estreitas que, muitas vezes, se confundem. Por isso, a pessoa física é responsável, com seus bens pessoais, pelos atos praticados pela empresa e o seu falecimento implica necessariamente o desaparecimento da firma por ele intitulada. 2. O falecimento da parte antes do ajuizamento da ação impõe a extinção da execução fiscal. Por se tratar de pessoa inexistente, caracterizada está a nulidade absoluta. 3. O redirecionamento do feito contra o espólio ou sucessores do de cujus configura verdadeira substituição do sujeito passivo da cobrança, o que é vedado, nos termos da Súmula 392 do STJ.

Incabível a suspensão prevista no art. 791, II, combinado com o art. 265 do CPC, uma vez que tal regra apenas se aplica quando o falecimento ocorre no curso da lide. 5. Apelação a que se nega provimento.

(TRF-1 – AC: 6981020114013604 MT 0000698-10.2011.4.01.3604, Relator:

DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO, Data de Julgamento: 13/12/2013, OITAVA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.565 de 17/01/2014).

Comprovado que a pessoa demandada em ação judicial já era falecida à época da propositura da ação, extingue-se o processo, sem possibilidade de redirecionamento da causa para os herdeiros.

EIRELI. Impossibilidade de penhora de bens de seu proprietário, que não figura no polo passivo da execução. Separação patrimonial

 As dívidas contraídas pela EIRELI são de sua responsabilidade. O empresário individual que a administra não responde com seus bens, salvo em caso de desconsideração da personalidade jurídica.

De acordo com o art. 980-A, § 6º do Código Civil “aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas”.

Nesta linha:

“A.I. Nº 2233821-21.2016.8.26.0000. Execução de título extrajudicial. Decisão que indeferiu o pedido de penhora de ativos financeiros do titular da empresa individual de responsabilidade limitada (Eireli). Pretensão de reforma. INADMISSIBILIDADE: O patrimônio da empresa individual de responsabilidade limitada não se confunde com o patrimônio do seu titular. Art. 980-A do CC. Decisão mantida. RECURSO DESPROVIDO. Des. Relator: Israel Góes dos Anjos. Julgado em 06/12/2016. 37ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo

Do exposto, é patente a impossibilidade de constrição de bens particulares da pessoa natural, que não figura no polo passivo da execução.

Conclusão

De todo o exposto, podemos concluir quanto a esta categoria de empresário que não há autonomia patrimonial entre a pessoa física e a empresa, integrando, desse modo, todos os bens apenas um patrimônio.

Justamente por isso não há necessidade de instauração do incidente previsto no artigo 134 do CPC, pois a rigor não há “desconsideração” sendo forçoso o reconhecimento da unicidade patrimonial, razão pela qual os bens da pessoa física respondem diretamente por eventuais obrigações assumidas pela pessoa jurídica.

O empresário individual exerce a atividade em nome próprio, sendo pessoa jurídica apenas para fins tributários, para simplificação da cobrança de seus tributos. A obtenção de CNPJ não lhe dá uma personalidade jurídica suplementar.

Não há dupla personalidade do empresário individual; as obrigações exercidas pela pessoa física se confundem com aquelas assumidas pela firma comercial e vice-versa.

Não se pode cogitar de desconsideração da personalidade jurídica de um empresário individual, dada a inexistência de distinção entre a firma individual e a pessoa física do empresário.

Deste modo, a inclusão da pessoa física no polo passivo da demanda, é de rigor, sendo desnecessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

A única hipótese de a empresa individual ostentar a separação patrimonial entre a empresa e a pessoa natural é quando tiver sido constituído sob a forma EIRELI. Neste caso, o empresário individual que a administra não responde com seus bens, salvo em caso de desconsideração da personalidade jurídica.

Inexiste, portanto, guarida jurídica para se confundir pessoa jurídica com empresa, em face das peculiaridades e lições de Direito empresarial presente na espécie.

Ressalvada a hipótese da EIRELI, o empresário individual assume sempre responsabilidade ilimitada pelas dívidas assumidas em razão do exercício da atividade empresarial, respondendo com seus bens particulares perante os credores.

Referências bibliográficas

[1] [2] [9] CAMPINHO, Sérgio. O Direito de empresa à luz do novo código civil. 4ª.edição. 2004. Ed. Renovar. Pg. 14 e 28.

[3] REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, vol. 1, Saraiva, São Paulo, 2004

[4] CARVALHO DE MENDONÇA, J. X. Tratado de direito comercial brasileiro, 7ª ed., Vol. II, Livraria Freitas Bastos S/A, 1963.

[5] O Fisco o equipara a pessoa jurídica para tratamento do imposto de renda e para conferir-lhe os benefícios do SIMPLES, previsto na Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006, caso se caracterize, pela receita bruta auferida, como microempresa ou empresa de pequeno porte.

[6] Para maiores informações: JUCESP. Juntada Comercial do Estado de São Paulo. Manual de registro – empresário individual. Disponível em: http://www.institucional.jucesp.sp.gov.br/downloads/anexo1_empresario-individual.pdf Capturado em 25/05/19.

[7] ULHOA, Fabio. Curso de Direito Comercial. 9ª edição. Saraiva. 2005. Pg. 97.

[8] O artigo 12 da Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal 200/2002 diz textualmente que “todas as pessoas jurídicas, inclusive as equiparadas” estão obrigadas a se inscrever no CNPJ. Entenda-se: pessoas físicas equiparadas a pessoas jurídicas, como é o caso do empresário individual.

[10] Outra importante diferença merece ser destacada: O empresário individual exerce a atividade em nome próprio, sendo inscrito no CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas) apenas para fins tributários, não se tratando, obviamente, de uma pessoa jurídica. Por sua vez, a EIRELI é pessoa jurídica, conforme dispõe os artigos 44, inciso VI, e o 980-A, todos do Código Civil.

Advogado e Consultor. Pós-Graduado em Direito Societário pelo Instituto Insper (SP), com Especialização em Direito Processual Civil pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP (Lato Sensu). Atua nas áreas de Direito Empresarial, Societário, Direito Bancário e Recuperação Judicial. Autor de diversos trabalhos científicos publicados na área.

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1 COMENTÁRIO

  1. Artigo muito elucidativo, agradeço pelo desenvolvimento do presente artigo, com ele tirei todas as minhas duvidas quanto a diferenciação entre empresário individual e o EIRELLI, algo que me chamou atenção foi a impossibilidade de haver nesse ultimo caso, a possibilidade de responder o empresário com seus bens, claro, salvo nas ressalvas legais, que diga se de passagem, muito difícil de comprovar, ou seja, a má fé desse empresário, algo que infelizmente pode acarretar o beneficiamento do empresário inescrupuloso que tem o condão única e exclusivamente para dar o calote.

    A meu ver o legislador deixou essa lacuna, algo perigoso na execução cível visto a crescente inadimplência que o país vive.

    De toda forma, tive as minhas dúvidas sanadas no presente artigo, sou advogado no Direito do Consumidor: https://santosampaio.com.br/,

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