quinta-feira,28 março 2024
ColunaDireito da SaúdeA Esterilização Humana

A Esterilização Humana

O tema sobre a esterilização humana e a seu resultado na fertilidade é algo bastante polêmico na sociedade pois traz repercussões na intimidade e na liberdade das pessoas, inclusive em questões religiosas.

No entanto, a esterilização humana é vista como um dos meios mais eficazes de controlar a natalidade, sendo considerado um grande problema social em razão do grande número de mulheres que possuem gravidezes indesejadas.

Atualmente, o Poder Público não é efetivo nas campanhas de conscientização sobre as formas de contracepção.

O médio Dráuzio Varela aponta que, com base no senso do ano 2000, as mulheres com formação universitária têm em média 1,4 filho, de acordo com países desenvolvidos, enquanto que as analfabetas têm 5,6, sendo taxa parecida com a Namíbia. Além disso, as mulheres que vivem em domicílios com renda per capita acima de cinco salários mínimos têm em média 1,1 filho, enquanto nas casas em que a renda é de até um quarto do salário-mínimo esse número aumenta para 4,6[1].

Os métodos adotados pelo Brasil para o controle da concepção envolvem: a entrega de pílulas (mais baratas, o que pode fazer com que haja maior risco de efeitos colaterais); os contraceptivos hormonais em forma de adesivo e DIU, porém não se encontram com regularidade nos postos de saúde; e as camisinhas, que possuem grande fluxo de disponibilização na época do carnaval[2].

A vasectomia e a laqueadura de trompas são disponíveis pelo SUS, considerando o direito à assistência à contracepção é disposta na Lei nº 9.263/96 que regulamenta o §7º do art. 226 do texto constitucional. Na referida legislação, o parágrafo único do art. 3º assim dispõe:

“As instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde, em todos os seus níveis, na prestação das ações previstas no caput, obrigam-se a garantir, em toda a sua rede de serviços, no que respeita a atenção à mulher, ao homem ou ao casal, programa de atenção integral à saúde, em todos os seus ciclos vitais, que inclua, como atividades básicas, entre outras:

I – a assistência à concepção e contracepção;

A legislação somente autoriza como método contraceptivo a laqueadura tubária, vasectomia ou de outro método cientificamente aceito, sendo vedada através da histerectomia e ooforectomia (§4º do art. 10).

No entanto desde o pedido até a realização, a pessoa irá enfrentar uma grande peregrinação passando por psicólogos e assistentes sociais para que possam levá-la a uma real consciência de resultados do seu desejo.

O professor Genival Veloso aponta que mesmo com todo esse trâmite, 25 milhões de mulheres brasileiras em idade fértil estão esterilizadas[3].

Pela referida lei, somente será permitida a esterilização voluntária em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico (inciso I) ou ainda quando houver risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto (inciso II do art. 10 da Lei nº 9.263/96).

Porém atualmente muitos médicos convivem com o pedido de esterilização em razão de motivos sociais ou por comodidade sem que esteja entre os permissivos legais. Deve ser esclarecido ainda que é vedada a indução ou instigamento individual ou coletivo à prática da esterilização cirúrgica (art. 12 da Lei nº 9.263/96).

O inciso II acima citado regula que a esterilização pode ocorrer, contudo, por indicação médica. Nesses casos a conduta médica é lícita, pois estarão presentes fatores de riscos gestacionais.

O professor Genival aponta que tem faltado “a preocupação de retomar-se uma antiga discussão em torno das normas para a identificação e o controle dos riscos reprodutivos, obstétricos e estatísticos, inseridos num Programa Materno-Infantil que tivesse como promotor e responsável o próprio Ministério da Saúde”[4].

Para o referido autor poderiam ser listados como fatores de risco gestacional permanente, patologias como hipertensão crônica grave, doença renal severa, cardiopatias e neuropatias graves não reversíveis ou ainda risco estatístico, como idade superior a 40 anos, multiparidade etc., sempre havendo a necessidade de um consentimento esclarecido da paciente.

Há de se destacar que o esclarecimento consentido é algo extremamente importante, pois é por meio deste que são expostos os riscos do ato, bem como as possíveis consequências que, no caso da esterilização pode não ser definitiva, tendo o condão de absolver de qualquer condenação o profissional e serviço de saúde de eventual demanda judicial:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. LAQUEADURA INTRAPARTO. PROIBIÇÃO. GRAVIDEZ POSTERIOR. INDENIZAÇÃO ESCLARECIMENTOS PRESTADOS. ATO ILÍCITO NÃO VERIFICADO. 1) O descumprimento de vedação legal de realização de laqueadura intraparto não tem por consequência a ocorrência de posterior gestação, afastando a responsabilização civil do profissional realizador do procedimento. 2) Comprovada a prévia ciência da paciente quanto à falibilidade do procedimento cirúrgico laqueadura, sabedora do risco de nova gestação, não há que se falar em falha no dever de informação pelo médico, excluindo a hipótese de responsabilização civil ou pensionamento mensal. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

(TJ-GO – Apelação (CPC): 02015466820168090051, Relator: DORACI LAMAR ROSA DA SILVA ANDRADE, Data de Julgamento: 28/07/2019, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 28/07/2019)

APELAÇÃO. RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. GRAVIDEZ APÓS REALIZAÇÃO DE VASECTOMIA. CONSENTIMENTO INFORMADO AO CASAL ACERCA DO OBJETIVO E RISCOS DO PROCEDIMENTO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA CLÍNICA MÉDICA. Trata-se na origem de ação indenizatória por conta da alegada ausência de informações claras e precisas em procedimento cirúrgico de vasectomia, que resultou em uma nova gestação. O caso dos autos retrata nítida relação de consumo, incidindo, pois, as disposições do CDC, em virtude da perfeita adequação aos conceitos de consumidor (art. 2º), fornecedor (art. 3º, caput) e serviço (art. 3º, § 2º), contidos na Lei 8.078/90. Pelo Código do Consumidor, o Hospital responde independentemente de culpa, pois bastaria a presença de conduta, dano e nexo de causalidade entre eles (art. 14, caput, do CDC). Por carecer de conhecimento técnico, o consumidor depende da inversão do ônus de prova como forma de facilitação de sua defesa, já que a comprovação do afirmado na inicial lhe exige encargo muito maior do que dispõe a parte ré, para demonstrar a regularidade da prestação do serviço. Dado o ônus que lhe incumbia, trouxe a clínica declaração, assinada pelo casal, que dá conta de que a cirurgia foi consentida com informação adequada sobre os riscos e os objetivos do tratamento, nos moldes da previsão contida no art. 31 do CDC e art. 10, §§ 1º e 5º, Lei 9.263/1996. O que se observa dos autos que as partes tiveram conhecimento claro e preciso de que as consequências do procedimento de vasectomia careciam de cem por cento de eficácia. De fato, a assinatura aposta pelas partes recorrentes, sem qualquer impugnação, confere autenticidade ao documento e atesta a ciência do conteúdo da declaração, razão pela qual a multa aplicada pelo juízo, ainda que façam jus ao benefício da gratuidade de justiça, encontra fundamento no art. 80, incisos I e II, do CPC em vigor. Desprovimento do recurso

(TJ-RJ – APL: 00076774320188190003, Relator: Des(a). MARCOS ALCINO DE AZEVEDO TORRES, Data de Julgamento: 12/06/2019, VIGÉSIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL)

O art. 15 da Lei nº 9.263/96 atribui a prática de crime a quem realizar a esterilização cirúrgica em desacordo com o estabelecido nas disposições acima, prevendo pena de reclusão de dois a oito anos e multa se a prática não constitui crime mais grave.

A pena é aumentada de um terço se a esterilização for praticada durante os períodos de parto ou aborto, com manifestação da vontade do esterilizado expressa durante a ocorrência de alterações na capacidade de discernimento por influência de álcool, drogas, estados emocionais alterados, incapacidade mental temporária ou permanente, através de histerectomia e ooforectomia em pessoa absolutamente incapaz sem autorização judicial e através de cesária indicada para fim exclusivo de esterilização.

Quanto às pessoas absolutamente incapazes, o §6º do art. 10 da referida legislação regulamenta que somente por meio de decisão judicial é que podem sofrer a esterilização cirúrgica.

[1] https://drauziovarella.uol.com.br/drauzio/artigos/controle-da-fertilidade-artigo/

[2] Idem.

[3] FRANÇA. Genival Veloso de. Direito Médico. 14 ed. Forense: Rio de Janeiro, 2017.

[4] Idem.

Advogado e professor. Doutorando em Ciências Farmacêuticas, Mestre em Direito da Saúde e especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário.

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