sexta-feira,29 março 2024
ArtigosA Desproporcionalidade Institucionalizada: Retenção de CNH por dívida.

A Desproporcionalidade Institucionalizada: Retenção de CNH por dívida.

Prezados: Abordaremos de maneira breve, sendo assim, a partir de uma ótica crítica a respeito da decisão do STJ relativa a retenção da Carteira Nacional de Habilitação devido a inadimplência de natureza divergente do bem móvel veículo automotor.

Em decisão pautada no Art.139, IV do Código de Processo Civil, STJ decide que a retenção da CNH por dívida a credor não ofende a CF/88. Afirmando que o Direito Constitucional de ir e vir, refere-se, unicamente e exclusivamente ao exercício da locomoção. Contudo, em minha simplória ótica a CNH é instrumento que possibilita acesso ao exercício de locomoção e por consequência o ir e vir.

Obviamente, sabe-se, que existem outros meios, ou seja, instrumentos que possibilitam ao exercício de locomoção, exemplo: Transporte público. Porém, pergunta-se: O fato que deu origem a inadimplência é de etiologia do bem móvel veículo automotor? A resposta é simplesmente não. A inadimplência possui etiologia da relação entre instituição de ensino e família, assim sendo, a obrigação de pagar em nada paira no âmbito do bem móvel veículo automotor. Além disso, mesmo estando diante de norma institucionalizada pelo vigente Código de Processo Civil, diga-se de passagem, que possibilita tal ação, de fato, estaríamos diante de uma norma que não se encontra em homeostase com as normas e princípios constitucionais.

Lembrei-me, da obra do brilhante Juiz do TJRJ Dr. Rubens Casara de título: “Estado Pós-Democrático, Neo Obscurantismo e Gestão dos Indesejáveis”. Segundo a linha de raciocínio do autor em um Estado Pós-democrático a exceção torna-se uma regra, ou seja, o que antes era impossível, ou simplesmente, possível em casos singulares, agora é regra, assim sendo, tudo em nome da manutenção do poder capital. Em minha humilde argumentação,  o Art.139, I, CPC/2015, poderá torna-se o instrumento perfeito de coação para os credores colocarem em prática o livre exercício arbitrário das próprias razões. A decisão é desproporcional e confronta o Princípio da Proporcionalidade, ou seja, é um confronto institucionalizado aos próprios critérios da proporcionalidade da incidência da norma de acordo com a realidade de cada problemática.

A Constituição Federal de 1988 apresenta uma diversificada e extensa lista de princípios basilares que protegem a pessoa humana em seus aspectos: Físico, psíquico (psicológico e emocional), ideológico, liberdade e da busca pela felicidade. Sabe-se, que os atos de constrangimento, ou simplesmente, atos de coerção podem abrir espaço para o sujeito reclamar ao seu Direito de reparação a partir da responsabilidade civil, ou mesmo, do âmbito da responsabilidade penal (criminal).

Os grandes credores diante do uso arbitrário das próprias razões, aliás, aqueles que fazem o uso indevido de meios coercitivos, por exemplo, por via de Cartas de Aviso Extrajudicial. A existência de uma relação obrigacional e um contexto de inadimplência na relação cliente e credor, de fato, vincula o inadimplente à obrigação, sendo assim, necessita ser devidamente cumprida, assim, sobre este prisma, a inadimplência deverá ser sanada por via do adimplemento da lacuna obrigacional não preenchida. Contudo, abre-se, uma pausa para o questionamento: A existência de inadimplência é autorização para o uso da força ou de outro meio coercitivo? Obviamente, a resposta será não, porém, é de ciência de toda a sociedade a existência de meios que se tornam abusivos e que ferem princípios e textos normativos tutelados pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Poder-se ia listar o diversificado rol de técnicas e meios que enumeram esse rol, aliás, diga-se de passagem, verbi gratia: Carta de Aviso Extrajudicial, ligações constantes, ameaças de inclusão aos serviços de proteção ao crédito (SPC-SERASA), além, do uso indevido de textos normativos materializados no Código Civil e Processo Civil vigentes. As Cartas de Aviso Extrajudicial, muitas vezes, fazem o uso dos citados códigos normativos de maneira a ferir a previsão constitucional e que possuem unicamente a função de tornar possível o cumprimento da obrigação por via do uso arbitrário da força.

E por falar em força: Sabe-se, que em nosso ordenamento jurídico a AUTOTUELA não é uma regra permitida, aliás, diga-se de passagem, sendo uma exceção em casos de extrema necessidade enquanto forma de proteção ao próprio Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. A Carta de Aviso Extrajudicial, per si, não é um instrumento invasivo, ou simplesmente, de uso arbitrário das próprias razões por via da força, mas, a problemática incide sobre o conteúdo da Carta de Aviso Extrajudicial, ou seja, o conteúdo é que muitas vezes possui natureza lesiva aos Direitos e Garantias Fundamentais.

O Código de Trânsito Brasileiro (CTN) Art. 261, apresenta, os critérios para SUSPENSÃO do Direito de dirigir. Percebe-se, a inexistência no referido texto normativo, da hipótese, de suspensão pode inadimplência de dívida que seja de etiologia contraria a natureza de veículo automotor. O Código de Trânsito Brasileiro não faz referência a dívida de ordem: Educacional, crédito bancário ou qualquer outra dívida que não incida sobre o tema trânsito. Dívidas de ordem por inadimplência de mensalidades educacional, neste aspecto, também não possuem força e proteção normativa no CTN quanto ao aspecto da suspensão da CNH.

Segundo o Art.261 do CTN:

“A penalidade de suspensão do direito de dirigir será imposta nos seguintes casos: (Redação dada pela Lei nº 13.281, de 2016 I – sempre que o infrator atingir a contagem de 20 (vinte) pontos, no período de 12 (doze) meses, conforme a pontuação prevista no art. 259” (Incluído pela Lei nº 13.281, de 2016).

Obviamente que a existência da hipótese de retenção da CNH deveria ser elencada no próprio Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Fato, este, que não consta no referido texto normativo, diga-se de passagem, tornando a sentença da retenção da CNH algo não previsto pelo próprio CTB e que é o texto normativo de competência efetiva para tal medida coerciva. Percebe-se, diga-se de passagem, que a decisão advinda do STJ possui enquanto pedra fundamental o Art. 139, IV, CPC/2015. Contudo, o referido texto normativo habilita o uso de medidas coercitivas, porém, não elenca quais medidas coercitivas incidiriam sobre o caso em tela. Ainda referente ao texto normativo, percebe-se, a incidência de medidas coercitivas inclusive no que diz respeito a prestação pecuniária.

“Determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. (Art. 139, IV, CPC/2015).

Poder-se ia afirma, diga-se de passagem, que tal medida não é elencada no CTB e nem no próprio CPC/2015. De fato, trata-se, da incidência da expressão “coercitivas” a partir de uma livre interpretação por parte do operador do Direito. Assim sendo, afirma-se, que a medida coercitiva, de fato, deveria está elencada, talvez, em um Rol Taxativo (Numerus Clausus) para a incidência de maneira mais harmônica possível, de acordo com o critério da proporcionalidade e em respeito ao Princípio da Transparência, uma vez que, o próprio texto normativo Art.139, CPC/2015, não elenca sobre quais hipóteses e bens ocorreria a incidência de sua previsão legal, assim sendo, poder-se ia dizer: Que a medida é ilegal, inconstitucional e definitivamente obscura, pelo simples fato, de que não possui transparência sobre quais bens moveis ou imóveis, ou mesmo, Direitos adquiridos incidiriam a força normativa do Art.139, IV, CPC/2015.

 

Referência Bibliográfica:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 2016.

BRASIL. Código de Processo Civil (Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em: 18 jul. 2014

Advogado, Secretário-geral da Comissão de Estágio e Exame de Ordem da OAB-PE, Pós-graduado em Direito Civil pela PUC-MG, Pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-MG, Pós-graduado em Direito da Saúde e Médico. Bacharel em Direito pela UBEC e Bacharel em Psicologia pela FIR.

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