sexta-feira,19 abril 2024
ArtigosA desigualdade salarial de gênero ainda está longe de ser reparada

A desigualdade salarial de gênero ainda está longe de ser reparada

Coordenação: Ana Claudia Martins Pantaleão

O debate sobre diferenças salariais entre gêneros está crescendo, nada mais natural que a sociedade como um todo reaja com indignação quando um estudo sobre o tema mostra essa discrepância.

Conforme dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no ano de 2018 as mulheres recebiam 79,5% do total do salário médio dos homens, ainda que exercendo uma carga horária semanal 4,8 horas menor, não computada a jornada dupla, em razão dos afazeres domésticos.

Outros dados que evidenciam essa diferença salarial são mostrados pela pesquisa da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua) de 2019; segundo a pesquisa, os rendimentos das mulheres representam, em média, 77,7% do rendimento dos homens (R$ 1.985 frente a R$ 2.555).

Entre os mais importantes grupos profissionais, a menor proporção é constatada em cargos de direção e gerência: os salários das mulheres equivalem a 61,9% dos salários dos homens; enquanto o salário deles é de R$ 7.542, o salário médio delas é de R $4.666. A seguir estão profissionais das ciências e intelectuais, grupo em que mulheres recebem 63,6% dos proventos dos homens.

Entretanto, a diferença de salário entre gêneros não é observada apenas no Brasil. Conforme a ONU (Organização das Nações Unidas), a desigualdade salarial de gênero no mundo é de 16%, o que significa que as mulheres ganham em torno de 84% do que ganham os homens. E no caso das mulheres negras, essa diferença pode ser ainda maior.

“Se um homem e uma mulher exercem as mesmas funções, no mesmo local e com o mesmo grau de perfeição técnica e, no entanto, um deles é mais bem remunerado, estamos diante de um desvirtuamento inexplicável”, assevera a Ministra do TST Liana Chaib. “Como justificar, aos olhos de todos, o privilégio desmerecido ou a diminuição infundada? Não se pode marchar para o futuro sem soltar as amarras do passado”.

Não obstante a queda do desemprego no ano de 2022 e do aumento do número de empregados, o desemprego, historicamente, segue maior entre as mulheres; e, uma grande parte delas, em idade de trabalhar estão fora do mercado de trabalho ou exercendo ocupações precárias.

Por outro lado, são elas que dispensam mais tempo aos trabalhos domésticos, num total de 21,4 horas por semana, ao passo que os homens reservam apenas 11 horas semanais para essas atribuições. Assim, as mulheres ficam reféns dos chamados “trabalhos informais”, mais arriscados ou a contratos irregulares ou por tempo limitado.

As justificativas utilizadas para a diferença salarial entre gêneros

A maternidade

Se por um lado a sociedade exige que a mulher seja mãe, por outro, o mercado não suporta a maternidade. Ao contrário do que ocorre com as mulheres que se tornam mães, o nascimento do primeiro filho não acarreta qualquer impacto sobre a condição ou posição na ocupação pelos homens no mercado de trabalho.

A licença-maternidade é uma das justificativas usadas para explicar as razões da disparidade salarial entre homens e mulheres. Isso graças a algumas empresas que consideram o tempo de afastamento do trabalho, de 120 dias para as empregadas formais e de 180 dias para aquelas que trabalham em empresas afiliadas ao programa Empresa Cidadã, como sendo “prejudicial” às atividades corporativas.

Dupla jornada – Gestação e responsabilidades domésticas

De acordo com o departamento de economia da George Mason University, os homens tendem a se atualizar mais do que as mulheres, uma vez que elas interrompem mais suas carreiras por causa da gestação e criação dos filhos. Mulheres que não se casaram e que não têm filhos possuem renda média maior do que aquelas que são casadas e têm filhos.

O homem consegue trabalhos com maiores salários e mais empregos formais, em contrapartida, a mulher, muitas vezes por causa da dupla jornada, não consegue negociar tanto e acaba aceitando condições piores de trabalho. Há levantamentos que evidenciam que os homens com filhos são menos preteridos do que as mulheres com filhos.

Embora as mulheres trabalhem, em média, 7,5 horas a mais que os homens por semana devido à dupla jornada, os homens têm uma vantagem por poderem dedicar-se mais à carreira profissional.

Preconceito – Estereótipos

O preconceito prejudica as mulheres no ambiente de trabalho a ponto de restringir o número de empregadas em carreiras majoritariamente masculinas ou em posições de liderança.

Segundo a pesquisadora da IDados, Thaís Barcellos, a desigualdade salarial é um problema estrutural do mercado de trabalho de nosso país e retrata não só o machismo da sociedade, como também a ausência de políticas públicas que favoreçam o ingresso de mulheres em ocupações e formações de maior remuneração.

“Não é simplesmente usar a palavra machismo, mas ver como isso se reflete na nossa sociedade, na licença maternidade, para a mulher que precisa se dedicar tanto em afazeres domésticos a mais do que um homem, e no final das contas é tão produtiva quanto o homem no trabalho”, afirma Thaís. “Também, uma conta que eu sempre gosto de fazer: como as mulheres ganham 20% a menos, daria para trabalhar 20% menos, então no ano. Só até 18 de outubro. É como se a cada ano a mulher trabalhasse 74 dias de graça”.

Força braçal

Outra questão muito citada é a diferença de força física entre homens e mulheres. No decorrer da história, a maior parte do trabalho era distribuída entre a agricultura, mineração, navegação e metalurgia. Logo, profissões que demandam muita força do trabalhador.

Assim, naturalmente, essas profissões eram ocupadas pelos homens, trazendo reflexos até os dias atuais para o mercado de trabalho. As áreas da construção, extração e manutenção ainda são as que têm maior número de homens ocupando as vagas de trabalho. Daí porque nessas áreas apenas 4% são mulheres.

A inserção da mulher no mercado de trabalho – Questão histórica

Infelizmente, até o século XIX os trabalhadores escravos negros foram de suma importância para a economia do Brasil. Todavia, o período pós-abolição não lhes assegurou o direito à terra, à educação; ao contrário, os deixou sem qualificação profissional.

A inclusão da mulher no mercado de trabalho somente ocorreu a partir do final do século XIX, com um significativo aumento no século XX. Antes da Revolução Industrial, as mulheres tinham como única função a de cuidar dos afazeres domésticos e criação dos filhos. Enquanto os homens trabalhavam fora e eram provedores da casa. Essa questão histórica ainda é incontestável na atualidade, onde o preconceito e o racismo se repetem diuturnamente.

O que diz a legislação brasileira sobre a desigualdade salarial de gênero

Diversas leis tratam sobre a questão de gênero no mercado de trabalho. O art. 461 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) assegura que “Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade”.

Dessa forma, a lei brasileira determina que homens e mulheres que executam as mesmas ocupações e, portanto, geram o mesmo valor, não podem receber salários diferentes.

A propósito, além de convenções internacionais aplicáveis às relações de trabalho, a CLT também prevê em capítulo específico a proteção do trabalho da mulher. Em 1999, o texto recebeu nova redação com a Lei nº 9.029/95, que instituiu regras acerca do acesso da mulher no mercado de trabalho.

A lei proíbe, por exemplo, que vagas de trabalho sejam anunciadas com referência ao sexo ou que o sexo do trabalhador seja variável determinante para fins salariais e ascensão profissional.

A questão também é abordada na Constituição Federal, no art. 7º, que proibe a diferenciação de salários, de exercício de funções e de critério de admissão em razão de sexo, idade, cor ou estado civil. Também são proibidas pela Lei 9.029/95, as práticas discriminatórias que restrinjam o acesso ou a manutenção da relação de trabalho por causa do sexo do trabalhador.

No ano de 2021, o plenário do Senado Federal aprovou o projeto PLC 130/2011, apresentado pelo ex-deputado federal Marçal Filho, que prevê o pagamento de multa pelo empregador que remunerar de maneira desigual homens e mulheres que exerçam a mesma função. Todavia, o Presidente da Câmara, Deputado Arthur Lira, ordenou o retorno do projeto à Câmara dos Deputados, onde está desde então.

Senadoras que representam a bancada feminina criticaram o retorno do projeto ao Congresso, sobretudo com o pedido tendo sido feito pelo Legislativo, na esperança de que o projeto, apresentado em 2009, não fique parado por mais uma década.

A importância da equiparação salarial para as empresas

O empenho pela igualdade de gênero não é só a coisa certa a fazer sob o aspecto ético, antes de tudo é também uma estratégia inteligente sob a perspectiva econômica.

Assim, a equiparação salarial protege e dificulta a discriminação entre os trabalhadores que desempenham as mesmas atividades, fazendo com que todos tenham os mesmos direitos, independentemente de sexo, cor, raça ou etnia.

A empresa, ao colocar em prática a equiparação salarial, cria um ambiente íntegro e saudável, possibilitando aos seus empregados maior motivação no trabalho.

Conclusão

A inserção e evolução das mulheres no mercado de trabalho possibilitou a elas ocuparem cargos, postos e lugares antes tidos somente como masculinos. Os afazeres domésticos e a criação dos filhos, no entanto, não são mais as únicas ocupações que as mulheres exercem tanto no âmbito social quanto no âmbito econômico. Contudo, essa “herança” ainda persiste na vida de muitas brasileiras, sendo um reflexo da desigualdade de gênero e da discriminação das mulheres no mercado de trabalho.

Atualmente, as leis trabalhistas garantem direitos fundamentais à mulher no mercado de trabalho, prevendo legalmente sua formação e proteção na esfera profissional. Porém, somente a existência de dispositivos legais não produz mudanças culturais e comportamentais na sociedade em que vivemos. Tanto que, a questão da igualdade salarial entre gêneros está vigente desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, mas os dados citados no texto acima mostram que a remuneração das mulheres segue sendo menor se comparada à dos homens.

Por outro lado, para que a equidade seja conquistada, é preciso que haja conscientização popular sobre a situação da mulher não só no mercado de trabalho, mas na sociedade como um todo. Para que haja a conscientização é indispensável o pleno exercício da nossa cidadania, exigindo que os nossos direitos sejam efetivados na prática.

Enfim, o principal desafio nessa busca pela equidade salarial de gênero também requer que a mulher ocupe o seu espaço legítimo na sociedade, assim como prescreve a Constituição Federal, que, consagrando o princípio da isonomia, determina que “Todos somos iguais perante a lei”, estabelecendo os temas da “igualdade de gênero” e da “não discriminação”, referendada na ODS5, um dos objetivos do milênio criado pela Organização das Nações Unidas, ou seja:

“acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas em toda parte. Eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e outros tipos”.

 

 

 

 

Advogada, Pós Graduada em Direito Imobiliário pela Faculdade Legale, Conciliadora/Mediadora com formação pela ESA/OAB.

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