sexta-feira,29 março 2024
ColunaDireitos (&) HumanosA Depressão e o Exercício de Direitos

A Depressão e o Exercício de Direitos

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou relatório apontando a Depressão como a doença que gerará mais afastamento do trabalho no mundo (até 2020)[i]. Não é por acaso que ela tem ganhado visibilidade nos últimos tempos.

Embora exista o espaço para informação, principalmente na internet, observa-se grande dificuldade na compreensão e tratamento da doença. Isso ocorre porque ela ainda está associada a uma subjetividade do paciente, como se o doente detivesse o poder de deixar de apresentar os sintomas da doença.

É devido a essa visão que, em alguns momentos, o paciente não é visto pelos demais como doente. E assim surgem vários litígios, principalmente os provenientes das relações empregatícias.

Não são raros os casos em que o empregado é demitido por “desídia” [ii] e depois precisa reverter a situação na justiça do trabalho. Isso, pensando em um cenário mais grave, mas também há casos em que auxílios são negados, mesmo quando a pessoa apresenta um quadro avançado da doença.

É para refletir sobre os direitos das pessoas com depressão que traremos alguns julgados sobre o tema.

 

1. Características da Depressão

 

Para compreendermos o contexto em que a pessoa deprimida está inserida, faz-se necessário observarmos os principais sintomas da doença. Yeda Oswaldo (2009)[iii] os exemplifica[iv] da seguinte forma:

 o conjunto de sintomas que inclui humor deprimido (tristeza, desesperança), perda de interesse e prazer por atividades anteriormente satisfatórias; irritabilidade, sensação de desânimo, significativa perda ou ganho de peso, insônia ou hipersonia, pensamento autodestrutivo, fadiga emocional diminuição da energia, levando a uma importante falta de ânimo que interfere na vida no indivíduo […] sonolência, dificuldades de concentração, agitação ou retardo psicomotor, fraqueza muscular e agitação.

 

Por todos esses sintomas, pode haver uma rejeição por parte daqueles que convivem com o indivíduo, por entenderem que existe a possibilidade de um controle desses agouros. O que não acontece.

É claro que em alguns níveis há a possibilidade de controle por meio de um trabalho complementar, como a prática de atividades físicas, meditação e em um nível mais grave, por meio de medicação. Essas são algumas alternativas que podem ser utilizadas. Porém, há a necessidade de um acompanhamento multidisciplinar, pois dificilmente o paciente conseguirá fazer isso sozinho.

Andrew Solomon[v], em seu livro “O demônio do meio-dia: uma anatomia da depressão”, relata como esses sintomas são vivenciados pelo paciente:

 

Tornar-se deprimido é como ficar cego, a escuridão no início gradual acaba englobando tudo; é como ficar surdo, ouvindo cada vez menos até que um silêncio terrível o envolve, até que você mesmo não pode fazer qualquer som para penetrar o silêncio. É como sentir sua roupa lentamente se transformando em madeira, uma rigidez nos cotovelos e joelhos progredindo para um terrível peso e uma isolante imobilidade que o atrofiará e, dentro de algum tempo, o destruirá”.

 

O que se pode observar é a sensação de imobilidade. O indivíduo perde o controle sobre os seus pensamentos, o que leva a um descontrole das atividades cotidianas. E, exatamente por apresentar essa consequência, que o sujeito pode ser confundido como uma pessoa descompromissada e irresponsável. Quando na verdade, o que precisa é de tratamento para que consiga direcionar o rumo da sua vida.

 

2.   Julgados Trabalhistas e Previdenciários

 

Quando pesquisamos nos tribunais sobre o tema Depressão, os principais litígios são de ordem trabalhista e previdenciária. Isso ocorre, porque, quando a causa da depressão estiver relacionada com as atividades laborativas, pode caracterizar acidente de trabalho, que ocasionará o afastamento do trabalho, e o consequente recebimento de auxílio doença. E em muitos casos está associada a outras doenças, conforme consta no seguinte julgado:

 

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ACIDENTÁRIA. INSS. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO. RECONHECIMENTO DA NATUREZA ACIDENTÁRIA. COXARTROSE BILATERAL, TENDINITE DO OMBRO DIREITO, ARTROSE LOMBO-SACRA, LOMBOCIATALGIA BILATERAL E DEPRESSÃO. CONCAUSA. 1. A pretensão dos benefícios acidentários pressupõe a comprovação do nexo de causa e efeito entre a moléstia e a atividade laboral desempenhada pelo segurado. Além disso, para a concessão da aposentadoria por invalidez e do auxílio-doença, imperativa a comprovação de que o segurado se encontra incapacitado permanentemente ou temporariamente para o labor. 2. O auxílio-acidente, por sua vez, será concedido ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. Inteligência dos arts. 42, 59 e 86 da Lei nº 8.213, de 1991. 3. Caso concreto em que há evidências de que as moléstias coxartrose bilateral, tendinite do ombro direito, artrose lombo-sacra, lombociatalgia bilateral e depressão de que padece a segurada foi causada/agravada em decorrência da atividade laboral concausa -, conforme reconhecido em perícia médica, em que a autora está incapacitada temporariamente de exercer a atividade laboral…. Auxílio-doença. Benefício devido. TERMO INICIAL. 4. De acordo com laudo pericial a incapacidade remonta à 30/11/2012, sendo que houve concessão do benefício NB/6008416639 até 01/04/2013. Assim, benefício devido a partir da cessação do auxílio-doença anteriormente concedido, respeitada a prescrição quinquenal. APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70077161610, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 16/05/2018).

 

Assim, a depressão sozinha ou associada a outras doenças, poderá ensejar o recebimento de auxílio doença e também aposentadoria por invalidez, desde que esteja  relacionada com a atividade laborativa.[vi]

Como a depressão apresenta vários níveis [vii], em alguns casos as atividades do empregado poderá ser adaptada, não necessitando de afastamento. Nesses casos, também podem surgir conflitos nas relações empregatícias, o que pode inclusive levar à demissão do empregado.

Caso a rescisão do contrato seja com justa causa, e tendo o empregado um diagnóstico de depressão, há a possibilidade de reversão pela Justiça do Trabalho:

 

JUSTA CAUSA – DESÍDIA – DEPRESSÃO – ART. 482, E, DA CLT. O trabalhador Acometido de quadro depressivo agudo não se enquadra como desidioso, nos moldes exigidos pelo art. 482, e, da CLT, por lhe faltar a ação volutiva de ser negligente, imprudente ou imperito na execução de suas funções [grifo nosso]. (TRT-24 00004887220115240002, Relator: NICANOR DE ARAÚJO LIMA, 2ª TURMA, Data de Publicação: 31/01/2012)

 

Assim, nesses casos, o melhor a fazer é procurar uma adaptação das atividades do empregado, respeitando a sua condição.

 

Considerações Finais

 

O presente artigo descreveu algumas características da Depressão trazendo julgados sobre o tema.

Essa é uma doença que muitas vezes não é encarada como tal, o que dificulta um olhar mais direcionado para os indivíduos, de modo a proporcionar uma melhor qualidade de vida e também o exercício efetivo de direitos.

 

[i]  Relatório disponível em: http://www.who.int/eportuguese/publications/pt/

[ii]  A desídia consta como uma das causas da demissão por justa causa pelo empregador (alínea “e”, do art. 482, da CLT)

[iii] OSWALDO, Yeda Cirera. VULNERABILIDADE AO ESTRESSE NO TRABALHO, COPING, DEPRESSÃO E QUALIDADE DE VIDA:: EVIDÊNCIAS DE VALIDADE.. 2009. 103 f. Tese (Doutorado) – Curso de Programa de Pósgraduação Stricto Sensu em Psicologia, Universidade de São Francisco, Itatiba, 2009.

[iv]  O conceito foi elaborado com base nas orientações da  Organização Mundial de Saúde e da American Psychiatric Association.

[v] SOLOMON, Andrew. O demônio do meio-dia: uma anatomia da depressão. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2003.

[vi]  O seguinte julgado descreve essas situações: DOENÇA OCUPACIONAL. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS ACERCA DA CONCAUSALIDADE E DA CULPA DA EMPRESA. Afastada a possibilidade de o trabalho desenvolvido na empresa ter atuado como concausa para o aparecimento ou agravamento da doença, e, ainda, não havendo provas capazes de demonstrar a culpa da empregadora, não prospera o pleito indenizatório. (TRT18, RO – 0001253-45.2010.5.18.0002, Rel. GENTIL PIO DE OLIVEIRA, 1ª TURMA, 15/06/2012) (TRT-18 – RO: 00012534520105180002 GO 0001253-45.2010.5.18.0002, Relator: GENTIL PIO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 15/06/2012, 1ª TURMA)

[vii] Yeda Oswaldo (2009) descreve as principais classificações propostas por Mackinnon e Michels (A Entrevista Psiquiátrica. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas.1992): “• Depressão menor ou distimia, caracterizada por um mau-humor crônico, com duração de, aproximadamente, dois anos, onde o indivíduo não sofre tantos prejuízos sociais, todavia ocorre significativa falta de prazer diante da vida; • Depressão reativa ou secundária, que se refere a 60% dos quadros depressivos, surgindo em situações estressoras, como por exemplo, perda e luto, doenças graves; • Depressão dissimulada ou equivalente, onde os pacientes apresentam sintomas típicos da depressão, mas negam seu componente afetivo, expressando somente os sintomas somáticos. • Depressão maior ou unipolar, que corresponde a 25% de todas as depressões, sendo caracterizada por episódios depressivos em períodos variáveis da vida do indivíduo, onde estes são geneticamente predispostos à doença. • Transtorno de humor bipolar, que é caracterizado por episódios depressivos alternados com fases de mania. Na fase maníaca, o indivíduo tem o seu raciocínio e sua capacidade de julgamento alterado, bem como seu comportamento social.”

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