quinta-feira,28 março 2024
ColunaTrabalhista in focoA comunidade LGBTQIA+ no ambiente de trabalho, o que fazer em caso...

A comunidade LGBTQIA+ no ambiente de trabalho, o que fazer em caso de discriminação

Coordenação: Ana Claudia Martins Pantaleão

1. O paradigma da sexualidade nos dias atuais

Diversidade sexual e de gênero refere-se à pluralidade de identidade sexual e manifestações de gênero presentes na sociedade. Indivíduos que fazem parte de minorias sexuais que possuem orientação ou identidade de gênero que não coincidem com as expectativas da coletividade, isto é, às normas heterossexuais.

Habitualmente, essas pessoas identificam-se como gays, transgêneros, lésbicas, bissexuais e intersexuais LGBTQIA+, numa sociedade onde a diversidade sexual e de gênero são inteiramente reconhecidas. Assim, todas as pessoas sentem-se livres para exteriorizar as características masculinas ou femininas, sendo tratadas de forma igualitária, não obstante serem adotadas por homens ou mulheres.

A aceitação da diversidade sexual e de gênero dentro da sociedade, bem como das famílias, ainda é um tabu, mesmo vivendo na atualidade uma época de questionamento e transformação, marcada pela redefinição de quase tudo o que parecia estabelecido. Enquanto alguns países fazem um grande movimento em direção a uma maior aceitação dessa diversidade; em outros países, há uma maior resistência.

Contudo, na busca por uma sociedade mais pacífica e pela convivência harmoniosa entre todos os seres humanos, a comunidade internacional vem adotando medidas com o objetivo de proteger os grupos sociais mais vulneráveis, como a comunidade LGBTQIA +.

Destarte, nesse sentido, há trinta e dois anos atrás houve um acontecimento histórico que gerou o começo da mudança para a comunidade LGBTQIA +. Em 17 de maio de 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS), removeu a homossexualidade da lista de distúrbios mentais da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde – CID.

A remoção da homossexualidade da CID feita pela OMS, significou um grande avanço para a desestigmatização da comunidade LGBTQIA +, possibilitando o tratamento digno dessa parcela da sociedade e reconhecendo seu comportamento como simples expressão humana. A fim de evidenciar este feito, foi criado o Dia Internacional da Luta Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia.

Ademais, nesse diapasão, surgem os Princípios de Yogyakarta que buscam pela aplicação dos direitos humanos, previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), à comunidade LGBTQIA +.

Segundo a Introdução aos Princípios de Yogyakarta, tratam-se de princípios que “refletem a aplicação da legislação de direitos humanos internacionais à vida e à experiência das pessoas de orientações sexuais e identidade de gênero diversas e nenhum deles deve ser interpretado como restringindo, ou de qualquer forma limitado, os direitos e liberdades dessas pessoas, conforme reconhecidos em leis e padrões internacionais, regionais e nacionais.”

São apresentadas normas jurídicas internacionais vinculantes, que devem ser cumpridas por todos os Estados, assim como por outros agentes políticos. Os princípios prenunciam um futuro diferente, onde todas as pessoas, nascidas livres e iguais em dignidade e prerrogativas, possam desfrutar de direitos que lhes são natos e essenciais.

Depois disso, ocorreram muitas mudanças, como a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo. No Brasil, a decisão aconteceu no ano de 2013, quando o Conselho Nacional de Justiça – CNJ publicou a Resolução 175, que passou a garantir aos casais homoafetivos o direito de casarem-se no civil. Após a resolução, restou proibido aos juízes e tabeliães recusarem-se a registrar o casamento. Assim como o ministro Joaquim Barbosa afirmou que a partir da resolução, aos cartórios estava vedado recusar-se em registrar a união civil ou convertê-la em casamento. Já nos Estados Unidos, somente no ano de 2013 a Suprema Corte decidiu pela união entre pessoas do mesmo sexo em todos os estados americanos.

O dia 28 de junho passou a ser reconhecido como o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA +. Essa data é, fundamentalmente, o símbolo de luta pela construção de uma sociedade sem preconceitos e mais harmoniosa, onde todos possam conviver em paz, independentemente do gênero e da orientação sexual de cada cidadão.

Não obstante todos esses avanços, isso não quer dizer que vivamos em uma sociedade inteiramente acolhedora para com a comunidade LGBTQIA +. Atualmente, há cerca de sessenta e nove países no mundo que ainda criminalizam a homossexualidade, segundo dados do relatório publicado em 2020 pela International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association (ILga). Aliás, nesses países, os homossexuais correm o risco de serem presos ou até mesmo condenados à morte.

Como vimos, no Brasil, muitas ações vêm sendo realizadas com a finalidade de garantir esses direitos, inclusive, decisões judiciais recentes, como por exemplo a criminalização da homofobia, asseguram esses direitos, embora ainda sejamos o país que mais mata LGBTQIA + no mundo, conforme dados de entidades internacionais.

2. Os direitos da comunidade LGBTQIA+ no ambiente de trabalho

Conforme pesquisa realizada pela Oldiversity, efetuada em 26 de novembro de 2020, através de entrevistas online com a população brasileira, na qual o foco da análise era revelar o comportamento das marcas com a diversidade, 77% dos entrevistados afirmaram aceitar a diversidade; entretanto, outros 57% afirmaram que as empresas têm preconceito em contratar LGBTQIA +.

Outrossim, pesquisas mostram que, em média, 33% das empresas brasileiras não contratam LGBTQIA+ para cargos de direção. Aliás, 41% dos trabalhadores da comunidade LGBTQIA+ declararam que, no local de trabalho, foram vítimas de discriminação dissimulada ou direta, entre as quais comentários homofóbicos e piadas, ora em relação à orientação sexual ora em relação à identidade de gênero. Assim como, 74% dos entrevistados sentem falta de um ambiente de trabalho mais acolhedor e inclusivo; à vista disso, muitos não revelam sua sexualidade ou identidade de gênero no ambiente de trabalho por receio de represálias.

Esta situação traz sofrimento emocional a essas pessoas, em virtude de não serem acolhidas, respeitadas e não serem reconhecidas como qualquer outro profissional no ambiente de trabalho. Para combater a discriminação e o preconceito é fundamental que tanto empresas privadas quanto as públicas invistam em um local de trabalho que inclua essas pessoas, ao invés de discriminá-las.

2.1 Discriminação na fase pré-contratual

Muitas vezes a discriminação ocorre na fase pré-contratual que é o momento anterior ao trabalhador ser contratado, isto é, já na entrevista ou nas oportunidades de trabalho oferecidas pela empresa

Assim, mesmo sendo um concorrente capacitado, ele é excluído do processo seletivo em razão de sua orientação sexual. Isso ocorre quando a pessoa responsável pelo processo seletivo, ou até mesmo da maneira como a vaga é veiculada, faz perguntas ou dita condições de caráter pessoal que não tem nexo com a função pretendida pelo entrevistado.

2.2 O assédio moral no local de trabalho

O assédio moral tem como foco depreciar o empregado, humilhando-o ou colocando-o em situações embaraçosas que impactam seu estado psicológico, isso pode vir não só do superior hierárquico, como também de colegas de trabalho.

Por outro lado, o assédio sexual, pode ocorrer tanto de forma física, através de interações forçadas, toques, beijos e abraços sem permissão, além de tentativas de contato sexual forçada; assim como, de forma direta, ou seja, fazendo comentários eróticos ou de cunho sexual, mensagens, e-mails, comentários sobre o corpo do colega ou sua forma de se vestir, entre tantos outros.

Podem ocorrer também a colocação de apelidos de caráter sexual ou mesmo constrangedor, divulgação de boatos, e, ainda, isolar o trabalhador de atividades corriqueiras da empresa.

2.3 Equiparação salarial

Mais uma das dificuldades vivenciadas pela comunidade LGBTQIA+ no mercado de trabalho é a equiparação salarial com outros trabalhadores do mesmo setor, que desenvolvem as mesmas atividades e com a mesma perfeiçao técnica, contudo, por causa da discriminação do empregador, não são reconhecidos recebendo salário inferior e, muitas vezes, não são indicados à promoção para outros cargos ou funções.

Vale ressaltar que a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, por meio do art. 461, veda tratamento desigual por parte do empregador, já que, resguardada as diferenças por tempo de contrato de trabalho, garante ao empregado a possibilidade de requerer equiparação salarial, haja vista realizar as mesmas funções e atividades.

3. Cartilha dos Princípios de Yogyakarta – O direito ao trabalho digno e produtivo

Como dito acima, o Brasil é signatário, logo, se comprometeu em cumprir as diretrizes da Cartilha de Yogyakarta, que trata sobre os princípios para aplicação da legislação internacional de direitos humanos no que tange à orientação sexual e à identidade de gênero.

Na Cartilha de Yogyakarta há a previsão de que toda pessoa tem o direito ao trabalho digno e produtivo, condições de trabalho justas e favoráveis, além da proteção contra o desemprego, sem discriminação por razões de orientação sexual ou de identidade de gênero.

Em contrapartida, os países signatários da Cartilha devem buscar medidas legislativas, administrativas e judiciais, dentre outras medidas necessárias ao combate à discriminação da comunidade LGBTQIA+ nas empresas públicas ou privadas, até mesmo com relação à educação profissional, recrutamento, promoção, demissão, enfim, condições de empregabilidade e salário.

Ainda, o Tribunal Superior do Trabalho – TST, no combate à discriminação contra a comunidade LGBTQIA+, instituiu o Programa Trabalho Seguro, a fim de promover um ambiente de trabalho saudável, tanto quanto aos aspectos de segurança e integridade física quanto das boas práticas de relacionamento interpessoal entre os trabalhadores.

Para a juíza Mirella Cahú, o combate à discriminação contra a comunidade LGBTQIA+ é um assunto que não diz respeito somente a gays, lésbicas, bissexuais, trans e tantas outras orientações contidas na sigla. “Quando essa discussão do respeito e da dignidade é levantada por pessoas que não fazem parte do grupo LGBTQIA +, isso faz com que abra mais a perspectiva de que não se trata de um nicho social, mas sim que deve ser defendido por todos, para encontrarmos soluções coletivamente”.

Portanto, apesar de não haver previsão legal específica quanto às situações de discriminação, deve-se, invariavelmente, aplicar os princípios gerais dos direitos humanos aos trabalhadores LGBTQIA+.

4. O que fazer em caso de discriminação

Primeiramente, o trabalhador deve tentar resolver a questão de forma interna, isto é, procurar o setor de RH da empresa, ou conversar com seu superior hierárquico para denunciar a discriminação sofrida; ou, caso haja um canal próprio para esse fim na empresa, expor a situação solicitando providências para que o problema seja resolvido.

Por certo que a discriminação pode ser, sim, causa para demissão por justa causa, se dentro do local de trabalho. Se, por outro lado, ocorrer fora da empresa, o empregado também pode ser demitido caso os dirigentes da empresa entenderem que aquela conduta não esteja alinhada com seus ideais, valores ou cultura organizacional, nesse caso a demissão será sem justa causa.

Entretanto, caso não seja possível a resolução internamente na empresa, pode-se denunciar a situação de discriminação junto à Superintendência do Ministério do Trabalho e Previdência Social, podendo, também, fazer a denúncia virtual, através do site do Ministério.

Em suma, caso esteja sofrendo discriminação no ambiente de trabalho em razão de sua orientação sexual ou de identidade de gênero e a questão não foi solucionada no local de trabalho, é indispensável buscar orientação de advogado, para que tenha seus direitos resguardados conforme a lei.

5. Conclusão

Desse modo, apesar do aumento da conscientização social a respeito da discriminação sofrida pela comunidade LGBTQIA+, inúmeras pessoas ainda enfrentam muitas dificuldade, visto que a exclusão desses indivíduos, muitas vezes vem desde a infância, o que os impossibilita de estudar ocasionando uma formação profissional imperfeita e, à vista disso, a falta de oportunidade no mercado de trabalho formal.

Assim, é preciso combater o preconceito e a discriminação e possibilitar um diálogo mais abrangente sobre a questão, objetivando melhor compreensão e tolerância quanto às diferenças existentes entre os seres humanos.

Com esse objetivo, é imprescindível que o empregador promova as políticas inclusivas, tais como palestras, reuniões, dinâmicas, entre outras; assim como estimular as políticas voltadas para essa problemática, oferecendo suporte aos trabalhadores para um melhor acolhimento e segurança de todos, além do bom relacionamento interpessoal entre seus empregados.

Ademais, apenas com condutas inclusivas venceremos o preconceito e garantiremos os direitos fundamentais da comunidade LGBTQIA+, uma vez que trabalhadores satisfeitos e novas ideias podem trazer mudanças satisfatórias no meio empresarial, por esse motivo a diversidade e a inclusão social são tão importantes para a produtividade e a renovação.

Advogada, Pós Graduada em Direito Imobiliário pela Faculdade Legale, Conciliadora/Mediadora com formação pela ESA/OAB.

Receba artigos e notícias do Megajurídico no seu Telegram e fique por dentro de tudo! Basta acessar o canal: https://t.me/megajuridico.
spot_img

1 COMENTÁRIO

DEIXE UM COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

spot_img

Mais do(a) autor(a)

spot_img

Seja colunista

Faça parte do time seleto de especialistas que escrevem sobre o direito no Megajuridico®.

spot_img

Últimas

- Publicidade -