quinta-feira,28 março 2024
ArtigosA Bioética e o Direito

A Bioética e o Direito

Por Benigno Núñez Novo e Bruno Ribeiro de Almeida.

 

Definições não faltam para o termo, mas um resumo de todas seria: bioética, do grego bios (vida) + ethos (ética), é a ética da vida ou ética prática, isto é, um campo de estudo inter, multi e transdisciplinar que engloba a biologia, a medicina, a filosofia, o direito, as ciências exatas, as ciências políticas e o meio ambiente. Com foco em discutir questões, a área tenta encontrar a melhor forma de resolver casos e dilemas que surgiram com o avanço da biotecnologia, da genética e dos próprios valores e direitos humanos, prezando sempre a conduta humana e levando em consideração toda a diversidade moral que há e todas as áreas do conhecimento que, de alguma forma, têm implicações em nosso dia a dia.

O termo bioética é constantemente usado nas práticas que envolvem assuntos relacionados com a medicina. Com o crescimento de pesquisas envolvendo assuntos como mapeamento de DNA (deoxyribonucleic acid, em português ácido desoxirribonucleico) e códigos genéticos, novas áreas precisaram ser inseridas neste contexto.

De acordo com a Encyclopedia of Bioethics, a Bioética é um “estudo sistemático da conduta humana no campo das ciências biológicas e da atenção de saúde, na medida em que esta conduta seja examinada à luz de valores e princípios morais”.

Tem-se, então, a Bioética como a disciplina que examina e discute os aspectos éticos relacionados com o desenvolvimento e as aplicações da biologia e da medicina, indicando os caminhos e o modo de se respeitar o valor da pessoa humana, como unidade e como um todo. O biodireito como um processo de concretização normativa dos valores e princípios fixados pela ética, tomando como paradigma o valor da pessoa humana. É um novo ramo do direito da vida humana, necessário porque a legislação do passado é insuficiente.

Portanto a bioética acaba por envolver uma série de outras áreas, como a biologia, a psicologia, sociologia, filosofia, teologia, direito, antropologia e ecologia, todas analisando a bioética conforme seus valores e conhecimentos.

A bioética tem a função de assegurar o bem-estar das pessoas, garantindo e evitando possíveis danos que possam ocorrer aos seus interesses. O dever da bioética é proporcionar ao profissional e aos que são atendidos por ele, o direito ao respeito e a vontade, respeitado suas crenças e os valores de cada indivíduo.

Exemplos de casos que envolvem bioética são as polêmicas em torno do aborto, do transplante de órgãos, dos transgênicos, do uso de animais e humanos em experimentos, do uso de células-tronco, da eutanásia, do suicídio, da fertilização in vitro, entre outras.

Em sua infindável e mais que típica curiosidade, o ser humano jamais deixou de voltar os seus olhos e a sua atenção para o mundo em que vive e para o mundo que vive dentro de si mesmo. O passeio milenar pela história da humanidade nos leva sempre a verificar que ele, o homem, é incansável nesta busca e que não se satisfará jamais com o progresso ou com os resultados obtidos. Ele precisa sempre saber mais, conhecer melhor, desvendar as ocultas cavernas da racionalidade humana e os mistérios da vida e da ciência. Não absorve a existência de eventuais barreiras, sequer se intimida com os limites que deveriam ser naturais, físicos, morais ou éticos. Sua vivacidade, sua inteligência ímpar, sua aguda percepção dos fenômenos, sua supremacia na escala biológica, tudo isso que o colocou em pé, uma primeira vez, prossegue agigantando-se em seu espírito, não lhe conferindo paz, serenidade ou repouso, mas, antes, incitando-o eternamente a caminhar além, a esmiuçar segredos e a constranger costumes ancestrais.

O Direito precisa se adaptar as evoluções da sociedade e muitas vezes isso leva algum tempo. Por essa razão, alguns acontecimentos sociais ficam sem normatização, isso é chamado de lacuna no Direito. Isso aconteceu por algum tempo com a ética na Biologia, mas já existem alguns conceitos da relação entre a normatização da evolução cientifica, o Biodireito.

Certos princípios são fundamentais no Biodireito: respeito à dignidade do ser humano; ir ao contrário dos valores fundamentais da humanidade; não é permitido tratar o corpo humano como mercadoria; respeito a autonomia das pessoas submetidas a tratamento; obrigatoriedade do Estado de não pôr em risco a biodiversidade; e acesso aos benefícios dos resultados das pesquisas. Fora esses termos, o Direito deve se manifestar em casos que a insegurança se instale.

O Direito deve apresentar respostas às novas situações, se situando nos princípios Bioéticos para se aproximar das soluções justas.

As pesquisas biomédicas têm ganho cada vez mais impulsos, e muitas vezes ficamos assustados com os resultados. Clonagem de seres humanos, aborto eugênico, direito de morrer, transexualidade, transplantes de órgãos, esterilização de doentes portadores de anomalias graves, experimentos em seres humanos, segredo médico em face das determinações da saúde pública são alguns dos assuntos em que as discussões ainda não estão serenadas, carecendo de maior reflexão, sobretudo, por parte dos estudiosos do Direito. Será que o Direito teria direito de intervir nesses avanços, procurando determinar até onde a Ciência pode ir. Percebemos que a Ciência está caminhando mais rápido que a reflexão ética por parte da sociedade. A humanidade ainda não encontrou respostas para diversas questões éticas. Muitos requerem a discussão e a elaboração de leis sobre a bioética para legitimar a sua prática ou para proibir experiências julgadas abusivas. No entanto, com o progresso veloz das pesquisas biológicas, corre-se o risco de já estarem defasadas no momento da sua promulgação.

Philippe Le Tourneau[1] recusa a ideia de legiferar. Segundo ele, os grandes princípios do Código Civil são suficientes para regulamentar as situações. Se formos legiferar, acrescenta o professor da Universidade de Toulouse I, é preciso ser muito prudente, dando à matéria grandes princípios sem querer tratar detalhadamente todas as questões. Ademais, a moral não deve ser considerada como um conjunto de restrições, mas um caminho de liberdade e de felicidade.

A lei deve assegurar o princípio da primazia da pessoa, aliando-se às exigências legítimas do progresso do conhecimento científico e da proteção da saúde pública. A propósito desses casos, mesmo diante da inexistência de uma lei específica, cabe ao Juiz dizer o direito, baseando-se em princípios gerais, determinando os limites. Num ponto, contudo, estão assentes os poucos doutrinadores que se ocupam desse assunto: é preciso uma maior aproximação entre o cidadão e as tecnociências, facilitando o diálogo com a coletividade acerca do desenvolvimento coletivo. Todavia, adverte Francisco de Assis Correia[2], a ética não deve ser entendida apenas como solução de problemas intelectuais, mas como aquisição de hábitos, de qualidade de caráter. Bem a propósito, Englert[3] assevera que a bioética representa a esperança de uma terceira via, com o fim de conciliar o desenvolvimento e a democracia.

A questão econômica é altamente relevante quando se pensa nos objetivos dos cientistas que buscam a cura de várias doenças; contudo, isso pode corrompê-lo diante dos imperativos econômicos da sociedade moderna. A luta pelo poder econômico, ao longo dos séculos, vem tolhendo essa sociedade. Surge, então, a bioética como resposta aos abusos sofridos no intuito de garantir a dignidade da pessoa humana em vista dos avanços tecnológicos da sociedade moderna. Entretanto, sua força perante a sociedade foi por muito tempo questão apenas de desenvolvimento do dever-ser, sem que, com isso, fossem implantadas políticas que realmente visassem a assegurar a aplicação das tecnologias de forma ética.

A escola deve considerar o campo da bioética essencial à aprendizagem da vida em sociedade, pois ela permite manter o controle democrático de todos sobre as escolhas políticas de amanhã. A bioética deve priorizar a proteção do ser humano, não as corporações biomédicas.

A ciência deve existir como esperança e não como uma ameaça à vida humana. Contudo, não podemos impedir as pesquisas ou queimar os pesquisadores com o rigor da Inquisição. O ponto de vista da Igreja deve ser observado, no entanto, sem nenhuma imposição de caráter religioso. Uma vez a Ciência tendo avançado, não mais é possível o seu retrocesso, pois os conhecimentos novos que ela traz ficam incorporados definitivamente ao saber da humanidade, o Direito ganha maior importância na definição dos contornos de sua liberdade de ação. Não se pode simplesmente coibir a Ciência de dar prosseguimento às suas pesquisas, nem tampouco podemos determinar preliminarmente, com absoluta certeza de acerto, os limites que ela deve observar.

Pode-se dizer ainda que milhares de outras conquistas da Medicina e da Ciência de um modo geral, com grandes proveitos para o Homem, ocorridas nesses últimos séculos, teriam deixado de existir caso fossem os cientistas cerceados em sua liberdade de busca incessante. Já sabemos que não basta o Direito determinar onde a Ciência deve ir para que ela avance, pois, se as suas conquistas têm caráter irreversível, não é possível promover esse avanço pela simples vontade do Homem. Pesquisar ele pode, mas nem sempre é evidente que se conseguirá sucesso. Aliás, muitas das descobertas são obtidas ao acaso, procurando por outros resultados. Muitas descobertas são inesperadas – como, então, o Direito impor um ritmo a elas ou poder impedir que suas conclusões sejam obtidas? Além disso, aquilo que é ético ou moral hoje, amanhã poderá não ser mais, ou vice-versa.

Esse conflito de interesses, colocando de um lado o frágil equilíbrio da vida, o qual é submetido a novas provações a cada momento em que a Ciência promove novas descobertas, e de outro as novas exigências e expectativas que são impostas à Ciência no sentido de que ela promova conquistas para a superação dos problemas que cercam a vida do próprio Homem, obriga-nos a assumir uma posição de alerta permanente, e, talvez, a posição mais razoável para superar esse conflito seja o surgimento de mais um desafio, cujo preço que temos para pagar seja os novos rumos da Ciência, sem cercearmos seus avanços, mas também sem permitir que sejam simplesmente incorporados à nossa vida os novos conceitos e descobertas sem submetê-los a um rigoroso juízo de interesse moral e ético para a Humanidade. Em outras palavras, podemos permitir que a Ciência avance, mas devemos limitar a entrada em vigor daquilo que, naquele momento, ainda oferece mais riscos que soluções.

A perplexidade humana à face das impressionantes mutações das possibilidades de interferência dos homens nos assuntos até então exclusivos da natureza ou da divindade, promove sempre inquietantes indagações, algumas das quais nem sempre respondidas, ou não respondidas satisfatoriamente. As indagações de natureza jurídica, por certo, são parte delas, e são indagações de consideração muito importante, de alcance muito amplo, às quais nem sempre correspondem respostas bem estruturadas, posições bem definidas, soluções confortadoras.

Ainda assim, e como primeiro passo de reflexão, é imprescindível reconhecer que estas respostas, posições ou soluções devem sempre ser buscadas – e só assim deve ser – com a atenção voltada aos matizes de ordem ética, sob a máxima consideração do princípio constitucional – mas também princípio da vida de cada um e de todos nós – da dignidade da pessoa humana.

A bioética é, sem sobra de dúvidas, uma ciência que está voltada para o futuro, porém, já alcançando glórias no presente. Por esse motivo, estará em constante transformação, conduzida pelo desenvolvimento da ciência, da tecnologia e, principalmente, pela evolução da sociedade, visando sempre à proteção da dignidade humana.

A Bioética e o Direito devem estar lado a lado, cada um cumprindo o seu papel, a Bioética no campo da obrigação moral e o direito elaborando leis legítimas que regulem as atitudes humanas visando à proteção da VIDA. Assim, o Biodireito torna-se um dos pilares da Bioética.

A bioética representa a face mais dinâmica da ética, sendo um saber que está se aprimorando no decorrer na história. Os desafios da bioética precisam ser remetidos a uma mentalidade cultural que se refere a uma compreensão ética e antropológica. Entretanto, a visão da bioética como protetora apenas da vida humana está, aos poucos, se diluindo no entendimento de uma proteção a toda e qualquer forma de vida, destacando-se a proteção do meio ambiente.

E esse é o papel da bioética: tentar solucionar tais dilemas a partir de seus princípios, sabendo que não há apenas uma resposta que possa ser julgada correta. A busca da área é pelo equilíbrio justo entre a ciência e o respeito à vida, reconhecendo os benefícios que o avanço científico e biológico proporciona, mas também permanecendo alerta para os riscos que eles representam para a sociedade e para o meio ambiente.

 


Referências bibliográficas

COAN, E. I. Biomedicina e Biodireito. Desafios Bioéticos. Traços Semióticos para uma Hermenêutica Constitucional Fundamentada nos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Inviolabilidade do Direito à Vida. In: SANTOS, M. C. C. L, (org).

LE TOURNEAU, Philippe. De la bioéthique au bio-droit. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence,1996, p. 169-170.

CORREIA, Francisco de Assis. Alguns desafios atuais da bioética. In: Fundamentos da bioética. São Paulo: Paulus, 1996. p. 47.

ENGLERT. Les comités de bioéthique. In: Bioéthique: jusqu’où peut-on aller?. [ s.l.]: Éditions de l’Universitéde Bruxelles, 1996. p. 51.

VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e Direito. São Paulo: ed. Jurídica Brasileira, 1999.

[1] LE TOURNEAU, Philippe. De la bioéthique au bio-droit. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence,1996, p. 169-170.

[2] CORREIA, Francisco de Assis. Alguns desafios atuais da bioética. In: Fundamentos da bioética. São Paulo: Paulus, 1996. p. 47.

[3] ENGLERT. Les comités de bioéthique. In: Bioéthique: jusqu’où peut-on aller?. [ s.l.]: Éditions de l’Universitéde Bruxelles, 1996. p. 51.

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