sexta-feira,29 março 2024
ColunaBioéticaA Bioética de Potter faz 50 anos

A Bioética de Potter faz 50 anos

Bioética é a ciência que observa o agir humano e as consequências resultantes desse agir, objetivando com isto a melhoria nas relações da vida e do viver.

Nas relações médicas não há diferença, sendo que a bioética está fortemente ligada às relações da saúde, pois quando adoecemos queremos saber verdadeiramente os motivos e se há possibilidade de cura. Se não houver possibilidade de cura, pedimos tratamento digno para percorrer a jornada até o último dia do nosso viver e acreditamos que o profissional irá nos proporcionar conforto e humanidade.

Diante destas e de tantas outras premissas do viver foi que Van Rensselaer Potter (1911-2001) debruçou os seus pensamentos na tentativa de fazer emergir uma ética, além da ética médica, onde o olhar para o paciente e o meio ambiente fosse de humanidade, defendendo-os de qualquer forma de abuso, nomeando-os de Bioética.

Potter, como era conhecido, estabeleceu que a Bioética seria uma “ponte para um futuro com dignidade e qualidade de vida humanas” através da ética aplicada, trazendo para as nossas relações questionamentos infindos sobre determinada tomada de decisão, como os questionamentos sobre determinada técnica ou tratamento se trará qualidade de vida para o paciente ou dor e sofrimentos desnecessários.

Um dos seus precursores, Albert Schweitzer já afirmava a necessidade de se repensar a ética daquela atualidade, não cabendo mais o simples entendimento de que a ética deveria estar relacionada apenas aos homens e a sociedade. Este entendimento seria muito pobre e limitado da própria ética de ser. Teríamos que abranger a sua aplicação para o todo, obrigando-se a todos a reflexão e a aproximação com o todo universal para nos conectarmos com a sua vontade, bem como posterior aplicação em sociedade.

O Pai da Bioética como ficou mundialmente conhecido era médico oncologista estadunidense e preocupado com os avanços da humanidade e suas consequências, passou a encarar a sua missão de conscientizar a sociedade de uma vida mais digna.

Em sendo assim, caberia ao homem o dever de zelar pelo planeta através da aplicação da ética em seus relacionamentos dentro da sociedade em que está inserido, de forma humilde e sustentável, para preservar o todo para as gerações futuras.

As reflexões de Potter passaram a se intensificar ao longo dos anos, sendo que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1949, seriam cruciais para os movimentos dos direitos civis e o desenvolvimento da biomedicina durante a segunda guerra mundial de forma indevida, conhecidas por terem sido responsáveis pelos crimes contra a  humanidade mais chocantes vistos até os dias atuais.

Podemos brevemente recordar dos experimentos realizados pelo médico alemão Josef Mengele, o qual se afeiçoava por técnicas desumanas, como a tentativa de obter informações dos efeitos do frio no organismo humano resultando em hipotermia, fez com que soldados russos permanecessem por horas em tanques de água gelada e, mesmo chegando ao limite entre a vida e a morte, eram reanimados e expostos novamente a temperaturas baixas para a conclusão das experiências.

Embora as pesquisas realizadas nos campos de concentração tenham sido de grande avanço para a medicina, eticamente foram e sempre serão lembradas como inaceitáveis.

Tanto o é que o Código de Nuremberg (1947) foi criado com o objetivo de delimitar a autonomia médica nas pesquisas, principalmente exigindo requisitos éticos essenciais como o termo de consentimento livre e esclarecido daqueles que se propõe a submeter-se às pesquisas.

Outros foram os eventos que, diante do crescimento dos movimentos civis pelo mundo é que fortaleceram as bases da bioética e, na atualidade, mais precisamente no ano de 2005, foi reforçado pelo surgimento da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (DUBDH), elaborada pela Unesco.

O novo horizonte da bioética passou a incluir em suas reflexões preceitos éticos nos avanços da genética e a sua utilização pelos seres humanos, pois ao mesmo tempo que trazem esperança para diversas situações médicas, como o tratamento com células tronco, por exemplo, também  podem causar grandes preocupações envolvendo  medicamentos que prolongam a vida do paciente e tratamentos dolorosos desnecessários, criando uma verdadeira relação entre a medicina e a justiça.

A Bioética está presente em nossa sociedade mais do que nunca e, a formação de uma sociedade virtuosa e esclarecida só poderá ser fortalecida de acordo com os preceitos éticos trazidos pelos diversos filósofos sobre o assunto, sejam eles dos mais remotos aos atuais.

Podemos dizer, usando as palavras de Oliva Teles, que “a Bioética passou de ciência ou teoria para movimento cultural e social – no fundo, corresponde à necessidade que a presente sociedade tem de conciliar os conceitos da moralidade com os conflitos éticos resultantes do evoluir da bio-medicina e da tecnologia científicas, sob pena de comprometer os destinos da vida humana”[1]

Próximos do final, importante lembrarmos que, comemorou-se no dia 10 de Outubro de 2020 os 50 anos da primeira contribuição de Potter para a Bioética, dando origem a uma nova disciplina do sabe e o surgimento da necessidade de reflexão sobre os dilemas sociais. Potter, há 50 anos preocupou-se com a humanidade não de forma antropológica, mas também inseriu em suas reflexões, amplamente, a necessidade da defesa e preservação da natureza e do meio ambiente, fatores intimamente ligados à saúde dos seres humanos.

Finalmente, trago logo abaixo o credo de Potter :

  1. Creio na necessidade de uma ação terapêutica imediata para melhorar este mundo afligido por grave crise ambiental e religiosa. Compromisso: trabalharei com os outros para aperfeiçoar a formulação de minhas crenças, desenvolver credos adicionais e procurar um movimento mundial que torne possível a sobrevivência e o aprimoramento do desenvolvimento da espécie humana em harmonia com o meio ambiente natural e com toda a humanidade;
  2. Creio que a sobrevivência futura, bem como o desenvolvimento da humanidade, tanto cultural quanto biologicamente, é fortemente condicionado pelas ações do presente e planos que afetam o meio ambiente. Compromisso: tentarei adaptar um estilo de vida e influenciar o estilo de vida dos outros, bem como ser promotor para um mundo melhor para as futuras gerações da espécie humana, e tentarei evitar ações que coloquem em risco seu futuro, ao ignorar o papel do meio ambiente natural na produção de alimentação e fibras.
  3. Creio na unicidade de cada pessoa e em sua necessidade instintiva de contribuir para o aprimoramento de uma unidade maior da sociedade, de forma que seja compatível em longo prazo com as necessidades da sociedade. Compromisso: ouvirei os pontos de vista dos outros, sejam estes de uma minoria ou de uma maioria, e reconhecerei o papel do compromisso emocional em produzir uma ação efetiva.
  4. Creio na inevitabilidade do sofrimento humano que resulta da desordem natural das criaturas biológicas e do mundo físico, mas não aceito passivamente o sofrimento que é resultado da desumanidade do homem para com o próprio homem. Compromisso: enfrentarei meus próprios problemas com dignidade e coragem. Assistirei os outros na sua aflição e trabalharei com o objetivo de eliminar todo sofrimento desnecessário na humanidade.
  5. Creio na finalidade da morte como uma parte necessária da vida. Afirmo minha veneração pela vida, creio na fraternidade humana e que tenho uma obrigação para com as futuras gerações da espécie humana. Compromisso: viverei de uma forma tal que será benéfica para as vidas de meus companheiros humanos de hoje e do futuro, e que serei lembrado com carinho pelos meus entes queridos.
  6. Creio que a sociedade entrará em colapso se o ecossistema for danificado irreparavelmente, a não ser que se controle mundialmente a fertilidade humana, devido ao aumento concomitante na competência de seus membros para compreender e manter a saúde humana. Compromisso: aperfeiçoarei as habilidades ou um talento profissional que contribuirão para a sobrevivência e aprimoramento da sociedade e manutenção de um ecossistema saudável. Ajudarei os outros no desenvolvimento de seus talentos potenciais, mas ao mesmo tempo cultivando o autocuidado, a autoestima e o valor pessoal.
  7. Creio que cada pessoa adulta tem responsabilidade pessoal em relação à sua saúde, bem como responsabilidade para o desenvolvimento desta dimensão da personalidade em sua descendência. Compromisso: esforçar-me-ei por colocar em prática as obrigações descritas como compromisso bioético para a saúde pessoal e familiar. Limitarei meus poderes reprodutivos de acordo com objetivos, nacionais ou internacionais”[2]

[1] AZEVEDO, Maria Alice. Origens da Bioética da Revista Nascer e Crescer. Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/pdf/nas/v19n4/v19n4a05.pdf com acesso em 30/09/2020;

[2] PESSINI, Leo. As origens da bioética: do credo bioético de Potter ao imperativo bioético de Fritz Jahr. Revista de bioética do CFM, impressa de 2013; 21 (1): página 19.

Advogada e Professora. Mestranda em ciências da saúde e nutrição; Pós Graduada em Direito Médico e da Saúde; Pós Graduada em Direito Privado; Coautora de livro e autora de artigos.
Conheça mais em meu Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9041659103820598

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