sexta-feira,29 março 2024
ColunaDireito da SaúdeA Autonomia de Vontade e o Paciente Menor de Idade

A Autonomia de Vontade e o Paciente Menor de Idade

INTRODUÇÃO

 

A utilização exacerbada da tecnologia e a consequente falta de humanidade para com os cuidados a saúde, leva a utilização desmedida de tratamentos e sendo a morte um enorme tabu a ser debatido, a presente questão toma um viés ainda mais polêmico quando se trata de pessoas com capacidades reduzidas, mais especificamente crianças e adolescente.

As dúvidas que pairam no fim da vida são dificilmente compreendidas pelos adultos, e quando se trata de crianças e adolescentes, o papel decisório recaem aos pais ou representantes legais.

Porém, embora juridicamente embasados deste encargo, sempre haverá conflito de interesses sobre os procedimentos clínicos a serem adotados.

Sob esta ótica, e diante da ausência de dispositivos legais que regulamentem tais decisões, o menor passa a ser relativizado quanto a sua autonomia.

 

DO PRINCIPIO DA AUTONOMIA

 

O princípio da autonomia, possivelmente é o mais importante quando se discute bioética atualmente, neste sentido, a autonomia quando se refere ao indivíduo toma-se o significado de liberdade, escolhas, vontade própria, ou seja, submeter-se através de determinação próprias as normas que deseja seguir.

O consenso que se tem é que, para que a mesma se concretize, é necessário é a liberdade e a qualidade do agente, ocorre que para a tomada de decisões autônomas, necessita-se de capacidade ou competência, e assim, a capacidade deve ser vista e entendida como aptidão de um paciente para compreender a situação em que se encontra, os riscos, benefícios, consequências.

Já a competência é mutável de acordo com a vivência e experiência das situações que se apresentam no decorrer da vida, e assim, aqueles que sempre expressaram nítidas competências/capacidades, em algum momento podem não mais as expressar.

Tratando-se de adolescentes, a diversidade de normas expõe a relativização da autonomia dos mesmos, e consequentemente a ausência de segurança jurídica para estes que se encontram por vezes na condição de pacientes, bem como aos profissionais da saúde que não sabem ao certo com atuar.

 

A AUTONOMIA DO MENOR E SEUS CONFLITOS

 

A sociedade moderna propicia uma quantidade de informação imensurável, principalmente com o advento da internet, e este fato faz com que o desenvolvimento dos adolescentes aumentem consideravelmente.

Há também outros fatores que interferem na extensão da adolescência atual, como o início precoce da puberdade, maior tempo de escolarização, dentre outros, e todos estes fatores causam uma evolução desenfreada que por vezes, causam conflitos quanto a medicina e tratamentos médicos.

Fato é que o menor passou a ter voz ativa, e sendo assim, se dentro de determinadas condições o adolescente for capaz de compreender o quão grave é ou não seu estado de saúde, nada mais justo do que permitir que faça suas próprias escolhas e assuma as consequências.

A capacidade é um dos elementos primordiais da expressão a autonomia, desta forma o termo capacidade voltou-se mais ao sinônimo de competência.

O Código Civil brasileiro utiliza o termo capacidade civil, e a subdivide em três, sendo os capazes para atos e negócios jurídicos, os absolutamente incapazes que são menores de 16 anos, e por fim os relativamente incapazes de idade entre 16 e 18 anos.

Os relativamente incapazes teriam limitações ao exercício de seus direitos, porém o ordenamento jurídico brasileiro em geral não é claro pouco quanto ao exercício e as reais restrição aos direitos dessa classe de pessoas.

A primeira confusão se apresenta na classificação de adolescência, pois a OMS classifica adolescência dos 10 aos 20 anos incompletos, enquanto o ECA em seu artigo 2º considera adolescentes as pessoas entre 12 e 18 anos de idade, já para o Código Penal a maioridade e a imputabilidade se dá aos 18 anos; entretanto permite-se o voto a partir dos 16 anos.

Curiosamente o ECA em seu artigo 28 parágrafo 2º, prevê a necessidade de consentimento dos indivíduos a partir dos 12 anos de idade para a colocação em família substituta, portanto fica evidenciado que a própria legislação considera o adolescente apto e capaz para determinadas situações e incapaz para outras.

A sociedade brasileira de pediatria assim como os serviços de saúde para adolescentes só os atendem a partir dos 12 anos de idade. (TAQUETTE, 2010, p. 7)

Desta forma infelizmente a incerteza acaba por confundir na pratica o médico e o adolescente que se vê passar por tratamentos diversos para situações que se assemelham, dependendo da idade em que se encontram.

 

A TEORIA DO MENOR AMADURECIDO

 

Visando dirimir as controvérsias, quanto as incertezas da capacidade de menores de idade, surge na doutrina a teoria do menor amadurecido.

A teoria reconhece que pode haver uma parcela de adolescentes maduros e conscientes o suficiente para mensurar os benefícios, riscos e probabilidades de sucesso ou não das suas intervenções médicas, e diante disso, escolher livre e voluntariamente.

Em locais onde já se consagraram a teoria, avalia-se o adolescente com base em sua idade, a maturidade que possui, suas habilidades cognitivas, situação social em que vive e a gravidade da situação em que se encontra sua enfermidade, porém a idade não é preponderante, devendo-se considerar sua interação com o meio social (FRANCO, 2016, p.2).

Outro fator relevante da presente questão é que na adolescência tende-se a agir de forma mais imprudente e inconsequente em situações emocionais, fazendo com que o momento e o contexto determine sua competência.

Uma das explicações que se pode dar a esse comportamento de risco, é a questão cerebral e neurológica, pois as áreas do cérebro que lidam com a assunção de riscos e busca por emoções se desenvolvem na puberdade, ao contrário do local das funções executivas e de controles de impulso, chamado de córtex pré-frontal, este é um dos últimos a amadurecer (FRANCO, 2016, p.2).

Certo é que havendo dúvidas e conflitos, é indispensável a consulta a uma equipe multidisciplinar composta por profissionais da ética, psiquiatras e psicólogos.

Uma das pesquisas mais importantes do desenvolvimento cognitivo infantil, classifica o último estágio de desenvolvimento de conhecimento costuma ocorrer entre os onze e quinze anos, fase da qual a criança ou adolescente passam a adquirir pensamento autônomo.

A Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança e do Adolescente em seu artigo 12º diz que os Estados partes devem garantir à criança que estiver apta a formular seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões sobre todos os assuntos que se relacionam a sua pessoa enquanto criança, devendo essas opiniões serem consideradas com base em sua idade e maturidade. (AFONSO, 2015, p.7-8)

O referido artigo norteia e serve de base para diversas aplicações práticas do dia a dia médico quando envolve a participação de menores no processo de escolha, pois acredita-se que violar a vontade do paciente agravaria suas chances de recuperação, e com base no que se observa, atitudes mentais positivas, confiança e tranquilidade no tratamento é fundamental para lidar com o combate de doenças graves.

E se observada todas as condições e ainda não se aceitar a liberdade de expressão do menor como forma de autonomia, caberá aos responsáveis buscar o melhor interesse para a criança deixando se possível de se influenciar de seus preconceitos sejam eles morais, religiosos ou intelectuais.

 

CONSULTA MÉDICA NA ADOLESCÊNCIA E ATIVIDADE SEXUAL

 

A problemática envolvendo adolescentes e sua saúde também surge quando se trata de consultas médicas.

A consulta médica envolvendo adolescentes deverá sempre acontecer em dois momentos, um sozinho e outro junto a família ou representante legal.

Ocorre que algumas vezes os familiares não concordam com a consulta feita individualmente, e neste caso, estariam violando um direito do adolescente, pois o artigo 3º do ECA preconiza que a criança e o adolescente desfrutam de todos os direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, devendo lhe ser assegurados por todos os meio possíveis seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Exigir a presença de um adulto pode acarretar em afastamento ou um empecilho ao exercício do direito fundamental do adolescente à saúde e a liberdade, e este é o entendimento do parecer CRM/MS nº30/2012 quando questionado sobre a realização de atendimento de pacientes menores de idade sem o acompanhamento dos responsáveis em pronto atendimento.

Este entendimento permissivo tem como base o artigo 15 do ECA que descreve o direito da criança e adolescentes à liberdade, respeito e a sua dignidade enquanto pessoas em desenvolvimento e como sujeito de direitos garantidos na Constituição Federal.

O artigo 17 do ECA faz um gancho com o artigo anteriormente exposto, explanando de maneira mais clara que o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da autonomia dentre outras.

Atendimentos de menores de idade também se reverberam no que diz respeito ao sigilo profissional, pois ainda que o paciente seja menor de idade conforme o artigo 74 do Código de Ética Médica o sigilo deve prevalecer sempre, ressalvando que o jovem deve ter capacidade de discernimento, e desde que o sigilo não acarrete risco de dano ao paciente.

Há exceção ao sigilo em situações onde haja suspeita ou confirmação de castigo físico, crueldade, maus tratos, devendo haver imediata comunicação do fato ao conselho tutelar.

Cabendo ao poder público prover políticas que visem esclarecer o tema, principalmente em âmbito escolar, o surge então normas que visam nortear o tema e trazer mais segurança.

Quanto ao HIV, a portaria interministerial nº 796/92 sustenta que não justifica a testagem compulsória em alunos quando realizada matrícula escolar, pois não estariam obrigados a revelar sua condição sorológica. (BRASIL, 2004, p. 38)

O ofício do Conselho Federal de Medicina nº1.865/96 relata que a testagem anti-HIV para menores de idade só poderá ocorrer de maneira voluntaria e consentida, desde que, mais uma vez, capacitado a avaliar a situação. E assim também se posiciona a resolução do CFM nº 1665/2003 em seu artigo 4º.

Via de regra, HIV se contrai através da atividade sexual, e esta é outra problemática que a sociedade moderna trouxe, em especial dos menores de 14 anos.

O Código Penal brasileiro capitula como estupro de vulnerável em seu artigo 217-A a conjunção carnal ou ato libidinoso praticado com menor de 14 anos de idade, ainda que o ato seja consentido.

Na pratica, a atividade sexual entre adolescentes tem se iniciado cada vez mais cedo, fazendo com que cada vez mais apareçam jovens menores de 14 anos em atendimentos a saúde procurando por métodos anticonceptivos, o que não lhe podem ser negados, haja visa que trata-se de um direito reprodutivo fundamental.

Tanto que a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia orienta que é possível a prescrição de métodos anticonceptivos para menores de quinze anos, desde que seja solicitado pelos interessados, e devidamente analisado de forma criteriosa de como o fato ocorreu e a capacidade de consentir, deixando então de se constituir um fato ilícito.

Portanto, nota-se que o exercício da autonomia se dá principalmente pelo acesso e compreensão da informação, que por vezes estão diretamente interligado com a educação escolar.

Ocorre que a desinformação não é único fator que propicia a um adolescente a exercer com clareza sua autonomia de vontade, o fator religioso em nosso país ainda é crucial.

 

O MENOR TESTEMUNHA DE JEOVÁ

 

A criança e o adolescente devido à idade por si só já possui suas particularidades, porém a problemática pode ser maior quando esse menor está vinculado a uma crença religiosa como as Testemunhas de Jeová.

Brevemente, as testemunhas de jeová por questões religiosas, estão impossibilitados de realizar transfusões sanguíneas.

Assim, quando esta situação se apresenta em emergência e urgência, o médico se encontra em um conflito moral de liberdade religiosa em detrimento ou não do direito a vida.

O direito à vida, descrito na Constituição Federal, dispõe a vida não somente sob o aspecto biológico do organismo, mas sim ligado a questão da dignidade, sendo o indivíduo neste aspecto, responsável por decidir suas escolhas, exercendo sua autonomia, ir e vir, e inclusive de qual tratamento escolher.

Neste sentido, quando um jovem que se diz testemunha de jeová recusa a transfusão sanguínea, não está caminhando para a morte, mas sim optando por aquilo em que crê, e assim, não exercendo apenas o seu direito à liberdade religiosa, mas também optando por aquilo que lhe é digno. (AFONSO, 2015, p. 17)

Entretanto, estando o menor impossibilitado de exercer sua autonomia, seja por condições físicas ou legais, a escolha pelos parentes do tratamento médico adequado, é direito reconhecido, e portanto o exercício do poder familiar quando feito em busca da garantia de acesso a saúde, permite a escolha dos procedimentos médicos que serão aplicados em seus filhos sem ensejar a figura do abandono ou omissão disposto no artigo 98, inciso II do Estatuto da Criança e Adolescente, tão pouco caracteriza a omissão de que dispõe o artigo 135 do Código Penal, desde que a opção seja por tratamentos alternativos cientificamente possíveis, sendo portanto um posicionamento razoável a ser considerado.

 

CONCLUSÃO

 

Resta claro que valores morais, éticos, sociais e as vezes religiosos são sempre considerados quando exercida a autonomia, sejam dos maiores ou menores de idade, totalmente ou relativamente incapazes, e portanto, a melhor opção a ser tomada é sempre subjetiva.

Porém quando se trata de crianças e adolescentes há uma agravante que é a ausência de norma clara para reger o tema, estando os pacientes menores não somente inseguros pela própria condição da idade, mas também inseguro juridicamente, ficando estes sujeitos a fatores alheios a sua vontade, como a decisão dos pais, o que por consequência reduz seu poder de autonomia e assim entender-se como indivíduo autônomo.

A melhor regulamentação do tema se faz necessária também para os profissionais da saúde que diariamente deparam-se com as questões aqui ventiladas, não sabendo ao certo os procedimentos e normas adequadas a se seguir, sujeitando-se cometer infrações éticas e possivelmente criminais.

 

REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA

AFONSO, Ana Luiza Reiss de Araújo Pimentel Nobre. Autonomia do menor amadurecido às decisões médicas em tratamentos alternativos a transfusões sanguíneas. (Artigo Científico Bacharelado em Direito). Universidade Tiradentes – UNIT – 2015.

ALBUQUERQUE, Raylla. Autonomia e indivíduos sem a capacidade para consentir: o caso dos menores de idade. Revista bioética. 2016; 24(3): 452-8.

ALMEIDA, José Luiz Telles. Respeito a Autonomia do Paciente e Consentimento Livre e Esclarecido: Uma Abordagem Principialista da Relação Médico-Paciente. (Doutorado em Direito). Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública. Rio de Janeiro 1999.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Implicações Éticas do Diagnóstico e da Triagem Sorológica do HIV. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

FRANCO, Elaine Cristine. O direito de escolha do menor. Publicado em 2016. Disponível em < https://jus.com.br/artigos/52665/o-direito-de-escolha-do-menor>. Acesso em 25 de mai. 2018

TAQUETTE, SR. Conduta ética no atendimento à saúde de adolescentes. Adolesc Saúde. 2010;7(1):6-11, disponível em < http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=174> Acesso em 05 de jun. 2018.

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