sexta-feira,29 março 2024
ColunaDiálogos Constitucionais50 anos do assassinato de Martin Luther King: Que mudou?

50 anos do assassinato de Martin Luther King: Que mudou?

Na última quarta-feira (dia 04) completou-se 50 anos do assassinato de Martin Luther King Jr.

Pastor da Igreja Batista, Luther era influenciado pelas ideias reformistas da Igreja endereçadas por Martin Lutero responsáveis pelas teses do protestantismo.  Assim, como o líder religioso, Luther iniciou como pastor em Atlanta.

Com seu conhecimento em sociologia foi responsável por defender ideias antissegregacionistas. Enfrentou governos locais, foi detido e interrogado pelo FBI, considerado comunista tornou-se, ao longo dos anos, vigiado e odiado pela massa opressora da elite e do racimo.

Nunca se abalou, como demonstra a história. Em todo protesto Luther proferia memoráveis discursos que movia aquela massa, os informava de seus direitos de acordo com a religião e de acordo com a Constituição.

Luther King foi responsável por colocar fim à segregação de negros no transporte público (Browder v. Gayle), caso que chegou à Suprema Corte em novembro de 1956. Dois anos antes, no caso Brown v. Board of Education, a Suprema Corte declarou inconstitucional a segregação nas escolas.

Luther King não discursava em vão. Seu comício não era puramente teológico nem inflamado, mas havia um arcabouço de fundamentação jurídica por trás, na qual sempre buscava arrimar a luta pela igualdade e liberdade na Constituição, conforme declarou no caso do Ônibus de Montgomery:

E não estamos errados; o que fazemos não está errado. Se estivermos errados, a Suprema Corte desta nação está errada. Se estivermos errados, a Constituição dos Estados Unidos está errada.

Afinal, a 13ª Emenda aboliu a escravatura de negros em 1865 e foi estabelecida a igualdade perante a lei em 1870 pela 14ª Emenda. De 1950 a 1960 foi intensa a luta de Luther King pelo fim do apartheid.

Houveram outros movimentos, liderados por outros nomes, porém o diferencial de Luther era realmente o uso da palavra e não da violência para disseminar a ideia, tal qual o modelo que ele buscou em Mahatma Gandhi.

Luther acreditava que a violência opressora contra seus manifestantes causaria maior sensibilidade no restante da população, fixando em todos o ideal de obediência dos direitos civis, diante da consequência do descumprimento.

Imperava até então a abominável ideia do separate but equal (separados, mas iguais) segundo a qual brancos e negros teriam os mesmos direitos, mas não eram ainda iguais, razão pela qual não precisariam ocupar o mesmo lugar, usar mesmo banheiro, mesmo ônibus, mesma sala de aula etc.

Luther King destacava o quanto a África foi explorada, manipulada e extraída. Para lá foram os americanos e europeus buscar mão-de-obra. Venceram algumas tribos locais com escambo, com traição, com riqueza, armas, coisificando a liberdade e a dignidade do homem negro, transformando-a em objeto.

Como disse Luther King em discurso proferido em 07/04/1957:

Parafraseando as palavras do Otelo shakespeariano: “Quem me rouba a bolsa rouba lixo; isso nada representa; era meu, é dele, serviu a milhares; mas quem de mim leva a liberdade rouba-me algo que não o enriquece, mas que definitivamente me empobrece”.

Luther criticou a guerra do Vietnã e o envio dos americanos a ela. Entre outros pontos enaltecia os gastos com a manutenção dos soldados nos campos de batalha em vez do investimento com questões sociais.

Em 10 de novembro de 1964 Martin Luther King recebe o Prêmio Nobel da Paz.

Seu último discurso foi em 3 de abril de 1968.

A igualdade e a liberdade são duas faces de uma mesma moeda. Em Direito, quando se persegue a igualdade, infalivelmente a discussão que repousa é o quanto de restrição de liberdade isso custará.

Se se abre a liberdade de manifestação e pensamento, por exemplo, na mídia e em redes sociais, o quanto a igualdade de manifestação daqueles que detém o controle e o acesso da comunicação em massa será diferente em relação aos que não podem pagar nem sequer um recorte na página do diário local.

Quanto mais se luta pelo incremento da igualdade das mulheres, percebe-se a violência com a qual é combatida, seja porque os homens são, invariavelmente, fisicamente mais fortes e ainda representam a chefia da estrutura familiar, seja porque ainda existem mais homens nas lideranças.

Havendo número maior de homens no comando é muito mais fácil articular ataques, perseguições, vinganças, como o recente caso da vereadora carioca Marielle Franco, não só ela, é claro, vários casos de mulheres que são vítimas de assédio em metrôs, roubo seguido de morte etc.

Há um maior número de mulheres trabalhando, deixando suas casas, porém, se tem igualdade de direitos não estão tendo liberdade de exercê-los, haja vista toda sorte de violência às quais estão sujeitas.

As cotas para educação propiciaram a igualdade de acesso dos negros aos bancos das faculdades, porém isso não significou a cessação do direito de os brancos manifestarem seu ódio e racismo, como recente caso de universitário que disse haver um “escravo no fumódromo”.

A classe dos idosos e portadores de deficiência também sofrem. A inclusão social nem sempre implica na integração social. O primeiro passo de formalmente conceder-lhes direitos de igualdade de locomoção, acesso, educação especial, facilitação etc., não se traduziu na prática como plena liberdade de exercício.

Quantos de nós já viu no dia-a-dia ônibus de transporte coletivo no qual o elevador de acesso ao cadeirante não funciona? Ou que está com defeito e o cadeirante despenca ao chão e corta a testa?

Os idosos ganharam da Constituição de 1988 o direito ao transporte coletivo público. Há muito o que ser feito. Não há lares suficientes para albergar os idosos em estado de vulnerabilidade, estando expostos à violência física, mental.

Além dos relatos, é claro, de familiares que usam sua aposentadoria ou benefício assistencial em proveito próprio deixando o idoso em situação de necessidade.

A formulação das noções de liberdade e igualdade são determinadas pelos grupos que compõem o poder, que dirigem o processo de adoção de decisões, que conduzem o sistema político para que se faça acreditar que, no esquema capitalista, todos têm a falaciosa sensação de participação e envolvimento.

Ultrapassados 50 anos do assassinato de Martin Luther King as estruturas sociais ainda não se amoldaram. Avançamos no papel, mas muito pouco na prática. O ódio que circula nas manifestações em redes sociais e que permeiam as ruas é muito forte.

E, como sempre sustentou Luther King, também não acreditamos que a violência como resposta resolva, e muito menos modificação das já fatigadas leis que temos produzidas por um decrépito Congresso do qual dezenas de membros são investigados por corrupção.

O movimento, a informação, a cultura, a educação, e porque não a religião seja ela qual seja, deve auxiliar no aperfeiçoamento do indivíduo em sociedade, para compreender a estrutura jurídica da sociedade e o plexo de relações.

Não é preciso cursar a faculdade de Direito para que alguém possa compreender a ideia básica de igualdade e liberdade que consiste em não frustrar a identidade alheia, não reduzir outrem a objeto de piada ou gracejo, não tratar melhor ou pior uma pessoa de acordo com a coloração de sua pele ou sua diversidade sexual.

É um sonho? Pode ser, mas reproduzo o sonho discursado por Luther King há cinco décadas:

Tenho um sonho esta tarde de que a fraternidade entre os homens tornar-se-á realidade um dia

(Proferido em Detroit, Michigan, em 23 de junho de 1963).

Cristiano Quinaia

Mestre em Direito - Sistema Constitucional de Garantia de Direitos (Centro Universitário de Bauru). Especialista LLM em Direito Civil e Processual Civil. Advogado.

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