quinta-feira,28 março 2024
ColunaO princípio da insignificância e sua aplicação pelo delegado de polícia

O princípio da insignificância e sua aplicação pelo delegado de polícia

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1. Conceito e natureza jurídica.

O princípio da insignificância ou crime de bagatela foi idealizado pelo jurista alemão Claus Roxin o qual defendia a inércia do Direito Penal por meio de interpretações restritivas nos casos em que a conduta do agente não era suficiente para ofender ou ao menos trazer risco ao bem jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico penal.

De acordo com ensinamentos de NUCCI (2014, p. 400), “sustenta-se que o direito penal, diante de seu caráter subsidiário, funcionando como ultima ratio do sistema punitivo, não se deve ocupar de bagatelas.” Continua o renomado jurista aduzindo que tal “postura decorre do princípio da intervenção mínima, que, no Estado Democrático de Direito, demanda mínima ofensividade ao bem tutelado para legitimar o braço punitivo estatal”.

Divide-se a tipicidade penal em a) tipicidade formal e b) tipicidade material. A primeira é a subsunção da conduta do agente ao dispositivo legal que a prevê como crime. É, portanto, a adequação do fato praticado ao arquétipo do que a lei definiu abstratamente como crime. Por sua vez a tipicidade material nada mais é que a relevante lesão ou perigo de lesão que a conduta do agente oferece ao bem jurídico.

Para haver crime, o fato deve preencher os conceitos aludidos da seguinte forma: a) se a conduta do agente estiver abstratamente prevista em lei como crime e com ela se moldar, estará a tipicidade formal preenchida; b) se a conduta do agente ofender ou no mínimo colocar em risco expressivo bem jurídico eleito pelo Direito Penal como protegido, estará a tipicidade material preenchida. Destarte, da junção de a) tipicidade formal + b) tipicidade material, nasce a conduta criminosa que o Estado deve coibir.

O princípio da insignificância visa retirar a tipicidade material por entender que o agente não ultrajou o bem jurídico tutelado e, tampouco o colocou em perigo. E assim o fazendo, estará excluindo um dos pilares do fato típico, tornando, por corolário, o fato atípico.

De acordo com o Supremo Tribunal Federal,

1. A tipicidade penal não pode se percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência foral, para a configuração da tipicidade, é necessária uma análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 2. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal. (STF, HC 108.946, 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 07.12.2011)

Com efeito, diante do que foi exposto, conclui-se que o princípio da insignificância tem a natureza jurídica de causa de exclusão da tipicidade.

2. Requisitos para aplicação do princípio da insignificância.

Há que se ponderar que a verificação do princípio bagatelar deve observar o preenchimento de requisitos objetivos, os quais relacionam-se com o fato, bem como deve submeter-se a apreciação de requisitos objetivos, relativos tanto ao agente, quanto à vítima.

2.1. Requisitos objetivos

Do ponto de vista objetivo, o princípio da insignificância deve obedecer concomitantemente aos quatro requisitos previstos pelos Tribunais Superiores (STF – HC 116.242 e STJ – HC AgRg no REsp 1388342), quais sejam: I) mínima ofensividade da conduta do agente; II) Ausência de periculosidade social da ação; III) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e; IV) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

2.2. Requisitos subjetivos

Como aludido, os requisitos subjetivos conecta-se ao agente e ao ofendido, verificando-se as condições das aludidas partes, conforme pormenorizadamente ilustra-se a seguir.

2.2.1. Condições do agente

Neste campo, o operador do direito deve analisar a o agente sob três prismas: sua reincidência, se ele é ou não criminoso habitual e se o crime é militar.

No que se refere a reincidência, as decisões dos Tribunais Superiores dividem-se em duas correntes: a que veda a aplicação do princípio da insignificância ao agente recidivo (HC 122.547/MG, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 19.08.2014), e a que permite utilizar referido instituto em benesse do reincidente (AgRg no AREsp 490.599/RS, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, 6ª Turma, j. 23.09.2014).

O criminoso habitual, segundo MASSON (2015, p. 103), “é aquele que faz da prática de delitos o seu meio de vida”. Segundo o autor, “a ele não se permite a incidência do princípio da insignificância, pois a lei penal seria inócua se tolerada a reiteração do mesmo crime, seguidas vezes”.

Ademais, ressalte-se que aos militares, não há que se falar em crime de bagatela. Primeiro porque o lema de ordem da instituição militar baseia-se na “hierarquia e disciplina” e, segundo, porque é de extrema repugnância imaginar condutas desviadas por quem deve servir e proteger ao Estado e à sociedade.

2.2.2. Condições do ofendido

Imprescindível que o operador do direito ao decidir pela aplicabilidade do princípio da insignificância, contemple as peculiaridades da vítima. Deve ponderar o prejuízo financeiro e sentimental por qual sofreu em razão do crime, bem como analisar suas condições financeiras e a extensão do dano provocado pelo delito, com o escopo de avaliar se sobreveio relevante lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.

3. Crimes que contemplam (ou não) a avaliação do princípio da insignificância

Diante de todo o exposto e, principalmente em razão dos requisitos mencionados para consideração do princípio bagatelar, extrai-se que os crimes com violência à pessoa ou grave ameaça são incompatíveis com tal instituto. Da mesma forma, ao crime de tráfico de drogas também é vedada a sua aplicação, vez que a Lei 11.343/2016 tem por objetivo tutelar a saúde pública. De modo semelhante, os crimes contra a fé pública, em razão da confiança que os documentos devem oferecer, não comportam a incidência do princípio da insignificância.
Em contrapartida, as infrações penais patrimoniais desprovidas de violência ou ameaça são compatíveis com o crime de bagatela se os requisitos foram fielmente preenchidos. Tal princípio também harmoniza-se com os crimes tributários, como no caso do delito de descaminho, por exemplo.

4. Aplicabilidade do princípio da insignificância pelo delegado de polícia.

O Delegado de Polícia, primeiro operador do direito a analisar a situação fática descrita, inicialmente como crime, deve valorar a conduta do agente de acordo com os princípios norteadores do direito penal e, assim o fazendo, não se limita a verificar a subsunção do evento tão somente à tipicidade formal. Pelo contrário, a fim de trazer efetividade à persecução penal, deve a autoridade policial fazer uma leitura detida dos fatos frente a tipicidade material, com o objetivo de verificar se houve reprovável lesão ou perigo de ofensa ao bem jurídico.

Assim, no caso exemplificativo em que um indivíduo é detido logo após subtrair um sabonete avaliado em R$ 3,00 (três reais) de uma rede farmacêutica e levado até o Plantão de Polícia Judiciária para deliberações da autoridade policial, deverá o delegado examinar se todos os requisitos (objetivos e subjetivos) para a aplicação do princípio da insignificância estão presentes e, caso positivo, poderá reconhecer a atipicidade do fato ante o emprego do princípio bagatelar, ocasião em que, deverá abster-se de lavrar o auto de prisão em flagrante delito.

Neste sentido, MASSON (2015, p. 116) afirma que “o princípio da insignificância afasta a tipicidade do fato. Logo, se o fato é atípico para a autoridade judiciária, também apresenta igual natureza para a autoridade policial”.

Complementa o mesmo autor (2015, p. 116) mencionando que

Não se pode conceber a obrigatoriedade da prisão em flagrante […] sob pena de banalização do Direito Penal e do esquecimento de outros relevantes princípios, tais como o da intervenção mínima, da subsidiariedade, da proporcionalidade e da lesividade.

Elencando hipótese de trancamento do inquérito policial, quiçá, sob pena de incorrer em constrangimento ilegal, acaso seja patente a adequação do fato ao princípio da insignificância, LIMA (2015, p. 173) expõe:

Manifesta atipicidade formal ou material da conduta delituosa: suponha-se que a autoridade policial determine a instauração de inquérito policial para apurar a subtração de uma lata de leite em pó, avaliada em R$ 2,00 (dois reais). Patente a insignificância da conduta delituosa atribuída ao agente, é possível a impetração do writ objetivando o trancamento do inquérito.

Sendo assim, de se concluir que é completamente aceitável, inclusive oportuna, a aplicação do referido instituto se acaso o delegado de polícia se convencer estarem presentes seus pressupostos. E, assim o faz com o fito de priorizar a persecução penal dos crimes mais graves, causadores de efetivas lesões e que demandem maior rigor na reprimenda pelo Estado, conferindo máxima efetividade ao Direito Penal, o qual deverá ser instado a atuar de forma fragmentária e subsidiária.

_____________________________

NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado, 14ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 2014.
LIMA, Renato Brasileira de, Manual de Processo Penal, 3ª ed., Salvador, Juspodivm, 2015.
MASSON, Cleber, Direito Penal Parte Geral Esquematizado, Vol. 1, 9ª ed., Método, São Paulo, 2015.

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