quinta-feira,18 abril 2024
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Réquiem para o Impeachment

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Caro leitor, sim, vamos falar do impeachment mais uma vez, porém, sem nenhuma conotação partidária. O objeto da coluna de hoje é a análise puramente dogmática do pano de fundo institucional que recai sobre nós, os brasileiros. Ótima sexta a todos!

No processo de impeachment, “interesse maior é proteger o Estado e não punir o delinquente” destacava o então Ministro Paulo Brossard, em sua festejada obra, cuja conclusão não poderia ser diferente, pois, a Constituição não pode ser individualista.

Assim, tudo que dela sai enquanto decisão política deve ser apoiada na preservação das instituições e ter como finalidade uma meta maior, que é proteger a própria estabilidade democrática. E por que é assim?

Porque uma vez deflagrado o processo de impedimento do Presidente da República expõe-se as estranhas do Estado, em uma transição do Legislativo sobre o Executivo.

É o momento em que o interesse de abiscoitar o poder emerge das mais variadas fontes, nem todos com o objetivo de salvaguardar o Estado, mas, sim de obter o almejado cargo de Chefe de Estado e Chefe de Governo.

O poder é, de fato, algo contagiante. Faz emergir alianças políticas onde até então não existiam, com o objetivo de ascenderem à tomada do posto presidencial. Eis o risco de um processo de impeachment.

Kelsen (2001, p. 10), ilustre gênio do positivismo, não descurava que “a democracia é um regime justo somente sob a premissa de a preservação da liberdade individual ser o fim maior”.

Se a democracia é única forma de garantir a liberdade, logo, este é o cerne da discussão que repousa no impeachment, até que ponto se pode sacrificar um mandato da maioria com o risco de transgressão ao direito de liberdade?

Na Câmara dos Deputados vimos o completo afastamento do contexto político do processo de impedimento, para um teatro de locuções inflamadas das mais impróprias que conduziu alguns dos parlamentares a sofrerem processo ético pelo indecoro.

Nada se disse sobre o fato típico do impeachment (o que diria Kelsen sobre aquela sessão?). Ficou evidente a falha na subsunção do tipo abstrato a uma perfeita configuração de um fato típico concretizado.

Em prosseguimento, o Presidente interino deu início ao discurso para explicar o inexplicável, justificando o injustificável. Do corte incansável de despesas, tivemos em um mês a aprovação de diversas autorizações orçamentárias, com reajuste de salários, caixa extra para os jogos olímpicos, renúncia fiscal, e outros.

Precisamos de ferramentas mais democráticas de controle da atividade presidencialista, sem dizer, é claro, na responsabilidade que deve ser atribuída ao voto.

É hora de repensar, sobretudo, a responsabilidade na reeleição, se de fato corresponde a uma medida democrática ou se pode se tornar prejudicial à impessoalidade no uso da máquina administrativa.

Desastres econômicos, decisões equivocadas, crise financeira, são fatos incidentes sobre a atividade de qualquer gestor público ou privado.

O que se está a esclarecer é: o problema de fundo não é jurídico, quiçá político, mas, sem dúvida é econômico, e, nisto, não havia nenhum crime praticado pela ocupante do cargo presidencial que está sendo agora solucionado.

Estamos mais próximos de uma punição do que da salvaguarda do regime democrático.

O problema que enfrentamos é de representatividade, pois, não sabemos mais quais interesses são protegidos pelos parlamentares diante de tantas inconstâncias que vão, aos poucos, sendo levantadas pela Polícia Federal.

Se crime houve, foi por nós, consumado nas urnas, porém, devemos suportar a crise econômica dele resultante, pois, por mais paradoxal que possa parecer, é esta representatividade que sustenta a nossa jovem democracia.

Vou encerrar com a conclusão que o saudoso Paulo Brossard nos deixou no Correio Braziliense de 6 de janeiro de 1993: “O impeachment não é mais para os nossos dias”.


Brossard, Paulo. O Impeachment. Porto Alegre: Globo, 1965.

KELSEN, Hans. O que é justiça? A Justiça, o Direito e a Política no espelho da ciência. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Cristiano Quinaia

Mestre em Direito - Sistema Constitucional de Garantia de Direitos (Centro Universitário de Bauru). Especialista LLM em Direito Civil e Processual Civil. Advogado.

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