quinta-feira,28 março 2024
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A necessidade de atuação de Defensor Técnico no Processo Administrativo Disciplinar: garantia ao princípio da ampla defesa e do contraditório

O Processo Administrativo Disciplinar (PAD) é a ferramenta adequada e formal utilizada pela administração pública para apurar supostas infrações graves cometidas por seus servidores. O texto constitucional traz que o servidor público estável somente perderá o cargo mediante um processo administrativo. Há de se salientar que as regras relativas ao PAD e os regulamentos disciplinares dependerão de normas editadas por cada ente federado, em razão da competência legislativa própria.

O PAD possui como sujeitos da relação processual a Administração Pública, que acumula as funções de parte e órgão julgador, e o servidor público, que assume a função de acusado. Há sindicância sem processo, há processo sem sindicância. No primeiro caso, a denúncia foi arquivada, nada se apurou de positivo contra quem quer que seja; no segundo caso, pela natureza da falta cometida e pelas circunstâncias especiais que cercam o fato, a Administração iniciou logo o processo administrativo, sem passar pela sindicância.

Todo o processo (os autos), juntamente com o relatório conclusivo será encaminhado para a autoridade competente para que essa possa emitir seu julgamento. No julgamento, a autoridade pode discordar do parecer da comissão processante, emitindo sua decisão de acordo com as provas produzidas nos autos. Há margem de discricionariedade no PAD e nem todas as decisões são vinculadas. Ainda, são assegurados aos acusados em geral o devido processo legal que deve garantir a ampla defesa e o contraditório. Muito desse entendimento decorre da aplicação de princípios constitucionais, que devem estar presentes durante o PAD, principalmente no que tange ao contraditório e à ampla defesa.

A hipótese básica é que para a garantia do princípio da ampla defesa e contraditório em PAD é indispensável a assistência por advogado habilitado. No entanto, não é esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que, no ano de 2008, editou a Súmula Vinculante nº 5, a qual traz que a falta de defesa técnica por advogado no PAD não ofende a Constituição. Tal entendimento da Corte Suprema do país trouxe muita discussão e divergência no mundo jurídico.

Assim sendo, o objetivo do presente artigo é apontar as críticas feitas ao STF direcionadas à Súmula Vinculante nº 5, demonstrando que somente uma defesa técnica, exercida por um advogado, seria a garantia da aplicação plena do princípio da ampla defesa e contraditório. A metodologia utilizada caracteriza-se como exploratória, tendo em vista que buscou demonstrar, no âmbito jurídico, a repercussão (e críticas) sofrida pela Súmula Vinculante nº 5.

A hierarquia no serviço público pode ser entendida como o conjunto de relações de subordinação e coordenação dentro de uma pessoa jurídica. Ela pressupõe duas condições, sendo a primeira a organização administrativa e, em segundo lugar, a distribuição de competências. Em virtude dessa hierarquia, surgem vários poderes, hierárquicos ou decorrentes da hierarquia.

Assim sendo, um dos poderes decorrentes da hierarquia é o poder de dar ordens aos subordinados, que acarreta, em contrapartida, em um dever de obediência, desde que a ordem não seja manifestamente ilegal. É a chamada subordinação.  Outro poder que decorre da hierarquia é o chamado poder de autotutela, também conhecido como controle hierárquico ou controle administrativo interno. O poder de autotutela significa que a própria Administração Pública pode anular os seus atos ilegais ou revogar os seus atos inoportunos e inconvenientes.  Ainda, tem-se o poder de delegar competências, caso não haja nenhum impedimento legal, a outros órgãos ou titulares. Delegar é estender a competência para outra pessoa, seja subordinado ou de mesma hierarquia, por motivos técnicos, sociais, políticos, jurídicos ou territoriais.
Vale ressaltar, porém, que não se pode delegar competência em três hipóteses: atos de caráter normativo, decisão de recursos administrativos e também atos de competência exclusiva de um determinado agente ou de um órgão público, conforme art. 13, da Lei 9.784, que disciplina o processo administrativo. Surge aqui uma questão relevante que envolve o PAD e também o cerne da questão do presente trabalho, que é sobre a decisão de delegar a defesa de um servidor a um agente público, muitas vezes não qualificado com a formação jurídica, ainda que muitos possuam grande conhecimento jurídico. Isso porque para que haja garantia ao princípio da ampla defesa e do contraditório,  faz-se necessária a atuação de um defensor técnico devidamente qualificado.

O poder disciplinar decorre do poder hierárquico, mas um e outro não se confundem. Isso porque o poder hierárquico é mais extenso e o poder disciplinar mais limitado, sendo este uma particularidade do superior hierárquico.  Nesse sentido, poder disciplinar é o dever da administração pública de apurar as infrações cometidas em seu interior e, caso seja necessário, punir o seu infrator. O poder disciplinar diz respeito a uma relação de sujeição especial, ele só incide em pessoas que tenham um vínculo especial com a administração, como é o caso do servidor público.   O poder disciplinar é um poder-dever e não uma simples possibilidade, sendo assim, caso a Administração Pública tenha a ciência do cometimento de uma infração por um funcionário, tem a obrigação de averiguar. Para tanto, deverá valer-se do PAD.

Processo Administrativo Disciplinar (PAD)

O Processo Administrativo Disciplinar, por sua vez, é um meio pelo qual a Administração Pública pode apurar faltas graves que, por consequência, pode acarretar na aplicação de penas graves. É uma das formas utilizadas para apurar os ilícitos administrativos. Há de se evidenciar que a normatização do PAD dependerá da edição de regras específicas de cada um dos entes federados, em razão da competência legislativa própria. Geralmente, as penas são: suspensão de mais de trinta dias, pena de demissão, pena de cassação de aposentadoria e a destituição de cargo em comissão. O PAD é dividido em três etapas, sendo a primeira a instauração, com a publicação do ato que constitui a comissão, a segunda, o inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório e a última fase, que é o julgamento.

Instauração do PAD
A fase de instauração tem como característica o princípio do impulso oficial. A instauração do PAD é um ato praticado pela autoridade administrativa, podendo ter como base uma denúncia feita perante a Administração Pública, com indícios suficientes de autoria e materialidade, ou por um fato notório, amplamente divulgado. Nesse caso, sem haver nenhuma denúncia, pode-se instaurar o PAD. A Administração Pública através de uma portaria indica três servidores estáveis para formar a comissão processante.
É importante lembrar o princípio do juiz natural, previsto na Constituição Federal de 1988 no art. 5º inciso XXXVII, o qual traz que “não haverá juízo ou tribunal de exceção”. (BRASIL, 2014, p. 12). No inciso LIII desse mesmo artigo, tem-se que “ninguém poderá ser processado ou julgado senão por autoridade competente” (BRASIL, 2014, p. 13).
Ou seja, para evitar qualquer direcionamento, para não perder em eficiência no PAD, as pessoas que compõem a comissão processante deverão ser indicadas inicialmente. Será dada ciência ao acusado do que pesa em seu desfavor para que, desde logo, possa manifestar seu direito de defesa.

Inquérito Administrativo
A Lei nº 8.112/90, ao tratar da sindicância e do processo administrativo disciplinar, dividiu o referido feito em três fases distintas, sendo que o processo administrativo disciplinar desenvolve-se respeitando sucessivas fases, conforme art. 151: “I – instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão; II – inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório; III – julgamento” (BRASIL, 1990).
Na visão do professor Gasparini (2009), a sindicância é como o processo sumário de elucidação de irregularidades no serviço público, para bem caracterizá-la ou para determinar seus autores, para a posterior instauração do competente processo administrativo.
Ou seja, todas as provas admitidas em Direito poderão ser produzidas nessa fase: prova documental, prova testemunhal, caso haja denunciante ele deve ser ouvido, oitiva das testemunhas e, também, prova pericial.
Desde o início do processo, o acusado deve acompanhar o que está ocorrendo no PAD. O princípio constitucional da ampla defesa e contraditório, previsto na Constituição Federal no art. 5º inciso LV diz que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. (BRASIL, 2014, p. 13). Este deve ser muito bem protegido pelos membros da comissão processante para que o PAD não seja anulado. É possível encontrar medida cautelar no PAD, que seria, por exemplo, o afastamento preventivo do acusado, caso ele possa influenciar os rumos da investigação.
Encerrada a fase de instrução, os membros da comissão processante irão reunir-se para tomar uma decisão. Após análise acurada de tudo que foi produzido, decidirão se ficou tipificada a infração. Caso os membros da comissão processante entendam que não houve nenhuma transgressão disciplinar, irão, desde logo, elaborar um relatório conclusivo opinando pelo arquivamento do processo (OLIVEIRA FILHO, 2013).
Se forem do entendimento que houve uma transgressão disciplinar, deverá ser oportunizado ao acusado a realização de sua defesa. Se ocorrer de o acusado não apresentar sua defesa, deverá a autoridade instauradora do processo nomear outro servidor, de mesmo nível hierárquico ou escolaridade do acusado, para funcionar como defensor dativo e apresentar defesa em seu nome.
Uma vez apresentada a defesa, novamente os membros da comissão processante irão reunir-se, agora analisando a denúncia. Se, porventura, houve a denúncia, irão analisar o conjunto probatório, a defesa apresentada e irão elaborar o relatório conclusivo.
Ainda de acordo com o Procurador Federal Virgílio de Oliveira Filho (2013), o relatório conclusivo é um parecer, um entendimento dos membros da Comissão Processante a respeito de todo o ocorrido conforme se assevera na inteligência do artigo 133 da Lei 8.112/90. Ou seja, deverá a Comissão opinar pela absolvição ou condenação do acusado. Se for pela condenação, deverá, desde logo, sugerir a penalidade a ser aplicada. Após essa fase, haverá o julgamento do PAD.

Julgamento do PAD
A última fase do PAD, prevista na Lei nº 8.112/90, é o julgamento, nos termos do art. 138, III, da referida lei. Depois de encerrada a fase de inquérito administrativo, também se encerram os trabalhos desenvolvidos pela comissão processante. Todo o processo (os autos), juntamente com o relatório conclusivo, será encaminhado para autoridade competente para que ela possa emitir seu julgamento, conforme art. 168 da lei supracitada.
O julgamento fica vinculado às provas produzidas nos autos e não ao relatório conclusivo da comissão processante. A autoridade competente tem liberdade para decidir diferentemente do relatório conclusivo, para isso, deverá fundamentar de acordo com as provas produzidas.

Vinculação e Discricionariedade no Poder Disciplinar
De acordo com o Manual de Processo Administrativo Disciplinar da Controladoria-geral da União (2013, p. 48) os serviços públicos não podem sofrer solução de continuidade. Assim sendo, para impedir eventuais interrupções, capazes de trazer prejuízos à sociedade, a Administração Pública desfruta de inúmeras prerrogativas constitucionais e legais, a exemplo dos poderes administrativos, sem as quais seria árduo assegurar os objetivos institucionais, consubstanciados, primordialmente, na garantia do bem-estar social.
Ainda de acordo com o Manual de Processo Administrativo Disciplinar da Controladoria-geral da União, a Administração Pública é dotada desses privilégios, de caráter irrenunciável e limitado em lei e tem o poder-dever de exercê-los de forma efetiva, eficiente e em benefício da coletividade (BRASÍLIA, 2013, p. 49).
Assim, quando a autoridade administrativa recebe uma denúncia , ela tem o dever de apurar, de instaurar um PAD para verificar a conduta de tal servidor. De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2013, p. 91) “o poder disciplinar é o que cabe à Administração Pública para apurar infrações e aplicar penalidades aos servidores públicos e demais pessoas sujeitas à disciplina administrativa”.
Entretanto, na aplicação do poder disciplinar pelo administrador público, deve ser observada a discricionariedade no instituto da sanção disciplinar. Isso, porque, apesar de ser encontrada em maior predominância a ideia de vinculação em um PAD, existe discricionariedade em alguns momentos.
Ou seja, o administrador público acaba tendo, durante o procedimento do PAD, alguma liberdade para decidir qual é o melhor caminho a seguir de acordo com os interesses públicos. A autoridade administrativa terá a discricionariedade sobre qual sanção a ser aplicada perante o caso concreto, levando em consideração circunstâncias atenuantes, agravantes, prejuízo causado ao bom andamento do serviço público e também os antecedentes funcionais. Pode verificar a necessidade ou não de aplicar algumas medidas cautelares, como a transferência de setor do servidor investigado.
Não existe discricionariedade para autoridade administrativa instaurar o PAD. No momento de decidir qual penalidade (sanção) a ser aplicada, analisando o caso concreto, é que a autoridade administrativa terá discricionariedade. A sanção disciplinar é um ato administrativo propriamente dito, quanto à função da vontade, voltada para obtenção de determinados efeitos jurídicos definidos em lei (DI PIETRO, 2013, p. 204).
No mais, é assegurado aos acusados em geral um devido processo legal que deve garantir a ampla defesa e o contraditório. Qualquer penalidade, para ser aplicada, depende de prévio processo no qual devem estar presentes as garantias constitucionais, sendo que várias delas existem em decorrência da aplicação de vários princípios, como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, os quais serão tratados a seguir.

PRINCÍPIOS PROCESSUAIS

O princípio é a base, ele está acima das demais normas, de todas as normas ordinárias, a lei em si é que deve obediência ao princípio e não o inverso.
Os juspositivistas, por exemplo, que se formaram com o intuito de colocar em uma mesma dimensão o Direito e a norma jurídica, sustentavam que os princípios gerais equivalem aos princípios que informam o Direito Positivo servindo-lhe como fundamento. Ou seja, existia uma ideia de subsidiariedade dos princípios, bem como uma negativa deles como norma. Esse entendimento perdurou por bastante tempo. Inclusive, em uma breve leitura da antiga Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, verifica-se a ideia de que a lei era a fonte primária e fundamental do direito. Hoje a realidade dos princípios no ordenamento pátrio é outra: os princípios ocupam lugar de destaque no ordenamento. Com efeito, superou-se o modelo puramente positivista, sendo os princípios, atualmente, argumento de validade, bem como parâmetro do Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, para o servidor público é de enorme importância que no desenvolver de um PAD haja obediência ao devido processo legal e respeito ao contraditório e ampla defesa.
Nesse liame, percebe-se que além de servir como instrumento para o levantamento de dados, encerrando de pronto a apuração por não se haver detectado qualquer falta punível, poderá servir para a punição de servidor ou ao aprofundamento da investigação, quando se referir a fato de maior gravidade. Nessa hipótese, é possível observar claramente as duas espécies básicas de sindicância: investigatória e punitiva.

Devido Processo Legal, Ampla Defesa e Contraditório
O justo julgamento dos homens teve como um marco inicial para o Constitucionalismo a Carta Magna Inglesa de 1215. Origina-se daí o chamado devido processo legal, o qual se constitui em um dos pilares de todo processo democrático, de todo o sistema republicano.
O devido processo legal serve como um vetor a orientar as posturas que devem ser adotadas pelas autoridades. Está previsto na Constituição Federal no art. 5º, inciso LV, o qual diz que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. (BRASIL, 2014, p. 13). São as garantias mínimas que existem para que cada cidadão possa atuar perfeitamente perante um processo.

No processo administrativo deve haver uma observação restrita aos ordenamentos legais, mas esse processo não será devido se não for observada a ampla defesa e o contraditório, tudo com vistas a chegar a um resultado justo, que atenda ao interesse público, sem, contudo, esquecer ou descuidar do direito individual.
O devido processo legal é como se fosse um conjunto, dentro do qual estão inseridos vários outros princípios, que, observados, fazem com que o processo seja justo. Há de se destacar o princípio da ampla defesa e do contraditório.
Para explicação de ampla defesa, o saudoso Diógenes Gasparini (2002, p. 1106) externou que “consiste em se reconhecer ao acusado o direito de saber que está e por que está sendo processado; de ter vista do PAD para apresentação de sua defesa preliminar; de indicar e produzir as provas que entender necessárias à sua defesa […]”.

Já para o contraditório, o autor supracitado afirmou “que para cada passo do processo as partes devam ter a oportunidade de apresentar suas razões e suas provas, implicando, pois, a igualdade entre as partes” (GASPARINI, 2002, p. 811).
Tanto a ampla defesa quanto o contraditório, devem ser observados para que, no final, possa ser dito que o processo é justo e sendo justa, a decisão advinda desse ato é legítima. A decisão proferida deve estar fundamentada em situações jurídicas aceitáveis e razoáveis.
A parte, durante um processo, deve ser capaz de influenciar a decisão final do julgador, através de um debate de ideias, com argumentos e contra-argumentos, juntamente com os demais meios de provas admitidas no Direito. Tal embate só ocorrerá efetivamente se houver uma paridade de armas e para tanto é imperioso a presença de um defensor com capacidade e conhecimento técnico para desenvolver esse trabalho.
Nesse sentido, Léo da Silva Alves (2001, p. 83) assegura que defesas de fachada, produzidas somente para atender determinações da lei, não têm validade. O autor afirma ser preciso que defensor seja nomeado para levar adiante uma defesa técnica e segura. Defesa técnica é entendida a partir da presença daquele que se preparou para esse fim, o advogado.
Segundo Romeu Bacellar (2007), a aplicação de qualquer penalidade a servidor público, efetivo ou não, deve ser antecedida de PAD, asseguradas, além do devido processo legal, as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Sendo assim, diante das disposições legais, o PAD deve representar a garantia para a sociedade de que a competência disciplinar será exercida de modo responsável e consistente.
Noutro giro, o próprio judiciário já estabeleceu que defesa frágil é igual à inexistência de defesa. Nesse sentido deve ser citada a Súmula 523 do STF: “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.
É cediço, porém, que a defesa técnica varia de acordo com os ramos do direito e, com isso, as consequências da ausência de um advogado também variam. Nesse sentido, inclusive, a ausência de defesa técnica é motivo suficiente para atingir a soberania constitucional do Tribunal do Júri, como visto no Habeas Corpus 110.271, da 1ª turma do STF que concedeu, de ofício, o writ para anular processo penal no qual um homem foi condenado a cinco anos de prisão por crime contra a ordem tributária. O fundamento adotado pelo relator, Ministro Marco Aurélio, foi a ausência de defesa técnica do réu, cujo advogado, nas fases iniciais do processo, teria agido com desídia e estava com seu registro suspenso na OAB, por débitos pendentes.
Ao contrário, entretanto, no processo trabalhista, de acordo com o disposto no Decreto-Lei nº 5.452/43, que aprova a Consolidação das Leis do Trabalho, e alterações posteriores, a presença de advogado é facultativa, admitindo, inclusive, a representação por intermédio de solicitador, provisionado ou sindicato

NECESSIDADE DA PRESENÇA OBRIGATÓRIA DO ADVOGADO

A importância do defensor com capacidade técnica em nosso ordenamento jurídico é notória. O próprio texto constitucional prevê em seu art. 133 que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos, e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
A sindicância no serviço público brasileiro veio a ser regulamentada com o advento do Regimento Jurídico Único, a partir da publicação da Lei 8.112, de 11 de novembro de 1990. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórios, estabeleceu-se prazo para que os Estados, Municípios e Distrito Federal adequassem suas constituições e leis orgânicas à Lei Maior.
Na doutrina, não há uma posição unânime sobre a necessidade ou não de defesa técnica no PAD. Atualmente, tende a ser a corrente majoritária a que entende ser uma faculdade do servidor ser assistido por um advogado em um processo administrativo. Muito desse pensamento decorre da presença no ordenamento jurídico brasileiro da Súmula Vinculante nº 5, editada pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 2008. Tal súmula diz que a falta de defesa técnica por advogado no PAD não ofende a Constituição. Essa Súmula será explicada adiante.
Entre alguns doutrinadores que fazem a corrente majoritária serão citados: Hely Lopes Meireles, Celso Antônio Bandeira de Melo , Maria Sylvia Zanella Di Pietro e José dos Santos Carvalho Filho.
Para Hely Lopes Meirelles (2003, p. 662), “é admissível a defesa pelo próprio acusado ou por advogado regularmente constituído para o processo”. Neste pensamento, Mello (2009, p. 323) diz que “na fase de inquérito, a comissão tomará todas as providências necessárias à produção de provas, facultando-se ao servidor o direito de acompanhar o processo, pessoalmente ou mediante procurador constituído”.
Também para Di Pietro (2010, p. 639), “na fase em que autodetermina ‘defesa’, o servidor deve apresentar razões escritas, pessoalmente ou por advogado da sua escolha”. Ademais, Filho (2010, p. 1080) afirma que “por não haver o formalismo dos processos judiciais, o servidor pode comparecer sozinho ou representado por advogado munido do instrumento de procuração”.
Há também vozes divergentes desse entendimento e que compreendem como essencial a defesa técnica no processo administrativo. Podem-se citar: Odete Medauar e Diógenes Gasparini. Ao discorrer sobre ampla defesa, Gasparini (2009) afirma ser imperativa a presença de advogado no PAD; “sindicância administrativa” não é sinônimo de “processo administrativo”. Por isso, não é formada pelo princípio da ampla defesa. Sindicância é uma medida cautelar, é procedimento prudente da Administração para apurar irregularidades eventualmente existentes.
Para Odete Medauar (2008, p. 169), caso haja a possibilidade do processo administrativo resultar em uma sanção, a defesa técnica é necessária.
No PAD, exige-se a defesa técnica. Por isso, o indiciado deve constituir advogado para assisti-lo no processo, se não o fizer, a Administração é obrigada a indicar advogado dativo sob pena de anulação do processo.
Integram a garantia do contraditório, em especial: o advogado e o indiciado. Faz-se peremptória a garantia do direito de acompanhar o processo; direito à vista e cópia dos autos; como também o advogado deve ser cientificado de todos os atos da instrução, com certa antecedência (em geral, mínimo de 48 horas). Integram a ampla defesa, nessa fase, em especial: o indiciado, e o patrocínio do defensor para arrolar e reinquirir testemunhas, solicitar e produzir provas e contraprovas, formular quesitos na prova pericial.
O advogado não é somente uma pessoa com habilidade técnica e com profissão regulamentada. É também uma figura central para implementação das garantias constitucionais e efetivação do Estado Democrático de Direito, tanto almejado e ainda pouco implementado no Brasil. Para tanto, um defensor técnico torna-se essencial.
O contraditório materializa-se em uma efetiva defesa, não apenas a possibilidade de defesa. O servidor público geralmente não possui a capacidade e entendimento das questões jurídicas para se defender a contento. Quando a presença do advogado no processo administrativo é considerada uma faculdade, e não uma imposição, há um enfraquecimento dos princípios constitucionais e uma diminuição da importância do processo administrativo.
O STF publicou no ano de 2008 a Súmula Vinculante nº 5, cuja redação possui o seguinte teor: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”. Para melhor compreensão dessa Súmula, passaremos a uma explanação sobre esse tema.

SÚMULA VINCULANTE

Para clarear o presente artigo, é interessante, antes de nos dedicarmos especificamente à Súmula Vinculante nº 5, conhecer a introdução desse tipo de súmula no direito brasileiro e suas características, cuidando, dessa forma, de alguns aspectos.

Súmula e o Efeito Vinculante
Acrescenta-se, como especifica Ferreira (2011), que “sua finalidade precípua é ser um farol de tal compreensão jurisprudencial, proporcionando, ainda, estabilidade ao ordenamento”.
Destaca-se, uma diferenciação fundamental, já que uma súmula não se confunde, nem se resume, a um enunciado. Em uma súmula, acrescenta Ferreira (2011), há “o resumo de toda a jurisprudência pacífica de um tribunal; já o enunciado é apenas um verbete que expressa determinado posicionamento constante da súmula”.
Em síntese, poder-se-ia dizer que o efeito vinculante significa, nesse contexto, “que nenhum juízo ou tribunal inferior, bem como nenhum órgão ou entidade da Administração Pública direta ou indireta poderá contrariar o conteúdo da súmula” (ALEXANDRINO; PAULO, 2009, p. 748).
Com exceção das súmulas vinculantes, as demais, em regra, não possuem efeito vinculante e podem ser editadas pelos tribunais superiores. Esta inovação no direito brasileiro teve como objetivo contornar um quadro que se agravava no judiciário, o qual se passa à exposição para melhor compreensão das finalidades desse instrumento.
As súmulas vinculantes, para serem formuladas, devem visar ao objetivo para o qual foram criadas. O objetivo da edição de uma súmula vinculante, conforme extrai-se do parágrafo primeiro do artigo 103-A da Constituição Federal, é o de superar controvérsia atual sobre validade, interpretação e eficácia de normas determinadas, capaz de gerar insegurança jurídica grave e relevante multiplicação de processos, abrangendo “questões atuais sobre interpretação de normas constitucionais ou destas em face de normas infraconstitucionais” (MENDES; BRANCO, 2011, p. 1006).
Dessa forma, a súmula vinculante visa contribuir com a busca de razoável duração dos processos e os meios que garantam a sua celeridade à prestação jurisdicional, além de “estabelecer segurança jurídica, prestigiando o Princípio da Isonomia, já que a lei deve ter aplicação e interpretação uniforme” (LENZA, 2011, p. 724).
Para a edição de uma súmula vinculante, alguns requisitos fundamentais devem ser abarcados, de modo que esse instrumento esteja adequado tanto à forma quanto à função para o qual foi criado. Nesse contexto, abordam-se agora esses aspectos, visto serem fundamentais para a correta compreensão desse tipo de súmula.
A edição de uma súmula vinculante exige, especialmente, “a observância de quatro requisitos cumulativos”,conforme destacam Alexandrino e Paulo (2009).
O primeiro aspecto que merece destaque é a exigência de que a matéria objeto da súmula seja de cunho constitucional, nunca matéria infraconstitucional. Contudo, nada impede que seja de matéria infraconstitucional em face da Constituição (LENZA, 2011, p. 724).
O segundo aspecto, qual seja, a preexistência de reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria objeto da súmula, tem por finalidade evitar a aprovação precipitada de súmula vinculante, sobre tema que ainda não esteja devidamente consolidado. Ou seja, é fundamental que a súmula vinculante tenha sido objeto de vastos debates e discussões, obtendo-se, assim, maturação da questão, e, por consequência, refletindo a jurisprudência do tribunal maior, sedimentada em reiterados julgados no mesmo sentido, o que é dizer, com a mesma interpretação.
Outro ponto que merece destaque também é a exigência de que a matéria versada na súmula seja objeto de controvérsia constitucional atual entre órgãos judiciários ou entre eles e a Administração Pública. Por fim, a matéria somente poderá ser tratada em súmula vinculante se essa controvérsia estiver acarretando grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. Já o requisito relativo à possibilidade de relevante multiplicação de processos visa, segundo Moraes (2009, p. 791), “à preservação do Princípio da Igualdade, ou seja, a necessidade de uma mesma interpretação jurídica para uma questão idêntica que se repete em diversos processos”. Outro requisito, que também se extrai do caput do artigo 103-A da Constituição Federal exige que a aprovação da súmula seja por maioria de 2/3 dos votos do Supremo Tribunal Federal (oito votos), ressaltando ainda que esse tribunal é o competente exclusivo para criação, revisão e cancelamento de súmulas vinculantes.
Para que a súmula vinculante produza seus efeitos, além de “consectário de seu caráter vinculante e de sua ‘força de lei’ para o Poder Judiciário e para a Administração, requer-se que as súmulas vinculantes sejam publicadas no Diário Oficial da União” (MENDES; BRANCO, 2011, p. 1006). Como regra geral, a eficácia da súmula vinculante será imediata a partir de sua publicação na imprensa oficial, entretanto, poderá o STF restringir os seus efeitos ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento tendo em vista, conforme destaca Pedro Lenza (2011, p. 732), “razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público”.
A possibilidade de revisão e cancelamento de súmula vinculante, conforme cita Mendes e Branco (2011, p. 1007), “é de extrema relevância quando se tem em vista que é da natureza da própria sociedade e do Direito estar em constante transformação”. Em virtude disso, torna-se imprescindível a possibilidade de modificação nas súmulas vinculantes para que possa, de maneira adequada, atender aos anseios da sociedade, ou, como destaca Pedro Lenza (2011, p. 732), realizar a “adequação da súmula à evolução social”. Em suma, tais possibilidades permitem o atendimento de demandas da sociedade. Em que pese ser somente o STF o órgão competente para edição, revisão e cancelamento de súmula vinculante é importante destacar que a corte pode editá-las, revê-las ou cancelá-las de ofício e também por provocação. De ofício ocorre quando um ministro componente da corte propõe esse ato ao pleno do tribunal. O STF poderá ser provocado por alguns órgãos que estão na Constituição Federal e também órgãos que tenham autorização legal. O art. 103 da Constituição Federal traz o rol dos legitimados para o controle concentrado de constitucionalidade que também são legitimados para propor a edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante. Contudo, da mesma forma que a criação de uma súmula vinculante somente acontece após discussão cuidadosa acerca do tema, sua modificação também deve observar o mesmo procedimento, pois deve atender aos mesmos requisitos da criação da súmula. Tais possibilidades são fundamentais também em função da abrangência dos efeitos das súmulas, visto que repercutem no direito como um todo. Faz-se necessário assim, aprofundar um pouco mais neste campo.
Por coerência com o próprio nome do instrumento, fica claro que a súmula vinculante terá força vinculativa com relação aos órgãos judiciais e à Administração Pública em sua totalidade, permitindo que qualquer interessado faça valer a orientação estabelecida, por meio do instrumento cabível, qual seja, a apresentação de uma reclamação ao Supremo Tribunal Federal por descumprimento de decisão judicial, sem prejuízo de recursos ou outros meios cabíveis.
Este efeito vinculante abrange os demais órgãos do poder judiciário e a Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Entretanto, conforme Pedro Lenza (2011, p. 732), “não atingem o Poder Legislativo nem o próprio STF, sob pena de se inviabilizar a possibilidade de revisão ou cancelamento, conforme o caso”. O poder legislativo no seu mister principal, na sua função típica primordial de legislar, não está vinculado pelo enunciado de súmula, de sorte então que existe a plena possibilidade de o poder legislativo editar lei que tenha teor que afronte o enunciado de súmula vinculante. Este efeito extrapola o âmbito dos tribunais, trazendo reflexos e obrigações para a Administração Pública como um todo. Torna-se, então, relevante destacar a participação da Administração na implementação das súmulas e suas consequências.

Participação e Reflexos para a Administração Pública
Para a implementação das súmulas, a Administração Pública passa a ter papel fundamental no que tange à execução dos seus próprios atos. Ressalta-se ainda que tal implementação deve ser rápida, de modo que cumpra sua função, qual seja, de orientação das instâncias ordinárias e da Administração Pública. Entretanto, faz-se uma ressalva de que a adoção de súmulas vinculantes não é unanimidade na doutrina nacional, sendo que, em posicionamento contrário ao exposto, como destaca Alexandre de Moraes (2009, p. 794), argumenta-se que poderá haver engessamento de todo o poder judiciário e consequente paralisia da evolução do Direito, além da possibilidade de maior totalitarismo por parte do Supremo Tribunal Federal. Refutando tais argumentos, Pedro Lenza (2011, p. 737) cita que “não há que falar em engessamento do Judiciário, pois está prevista a revisão dos enunciados editados”. Conforme evidenciado, verifica-se que, embora existam posicionamentos contrários, a súmula vinculante é uma realidade no sistema jurídico nacional. Interessa especificamente ao trabalho proposto, a análise da Súmula Vinculante nº 5, aprovada em maio de 2008 pelo Supremo Tribunal Federal a qual dispôs que a falta de defesa técnica por advogado em PAD não ofende a constituição, gerando implicações para o servidor público.

SÚMULA VINCULANTE Nº.5

No dia 07 de maio de 2008, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, após julgar o Recurso Extraordinário 434.059 – Distrito Federal aprovou e editou, por unanimidade, a Súmula Vinculante nº 5 contendo o seguinte enunciado:

Súmula 5 – A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a constituição. (BRASÍLIA, 2008)

“Prevaleceu o entendimento do ministro Ricardo Lewandowski, no que acompanhado pelos ministros Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Ao rejeitar a proposta, asseverou que o CFOAB buscou refutar cada um dos fundamentos que serviram de base para o julgamento do Recurso Extraordinário 434.059/DF (DJe de 2.9.2008). Rememorou que, no referido julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, concluiu que a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a CF. Observou, também, que, durante as discussões em plenário, não se proibiu a participação dos advogados nos processos administrativos disciplinares. Pelo contrário, determinou-se que a Administração Pública viabilizasse a presença de advogado nesses procedimentos administrativos, bem como cientificasse os servidores públicos acerca da possibilidade de contratação desse profissional para sua defesa. Para o ministro, mero descontentamento ou divergência quanto ao conteúdo do verbete não propicia a reabertura das discussões sobre tema já debatido à exaustão pelo STF. Ademais, para se admitir a revisão ou o cancelamento de súmula vinculante, é necessário que seja evidenciada a superação da jurisprudência da Corte no trato da matéria, e que haja alteração legislativa quanto ao tema ou modificação substantiva do contexto político, econômico ou social. (…)
Há de se ressaltar que a redação da citada súmula STF é contrária à Súmula nº. 343 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 12 de setembro de 2007 que diz:

Súmula 343- É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar. (BRASÍLIA, 2007)

Vale ressaltar que, embora não fosse absolutamente pacífico nem mesmo no Superior Tribunal de Justiça, a corte editara a Súmula 343 supracitada, conforme o entendimento até então preponderante (BRASÍLIA, 2013). Entretanto, como a Súmula nº 5 do STF possui caráter vinculante, restou sem efeito a súmula editada pelo STJ.
A Súmula Vinculante nº 5, conforme sobredito teve origem do julgamento do Recurso Especial 434.059/DF, de 12/09/2008, cuja matéria versava sobre a anulação, pelo STJ, de punição administrativa imposta a servidor, cujos recorrentes foram a União e o Instituto Nacional do Seguro Social.
Seus precedentes foram quatro acórdãos. Sendo que o primeiro refere-se à defesa em processo administrativo fiscal; matéria de natureza tributária, o que não guarda grande semelhança com a temática da súmula.
O segundo precedente versava sobre o desligamento do curso de formação de um servidor policial de um Estado da federação, o que não se tratava de demissão do servidor, somente desligamento de um curso de formação.
Já o terceiro precedente para a súmula vinculante, tratou-se de procedimento de Tomada de Contas Especial, matéria de natureza administrativa, um instrumento que a Administração Pública dispõe para ressarcir de possíveis prejuízos sofridos. Teor diverso do assunto sumulado, não deveria ter sido admitido como fundamento para a edição da referida súmula vinculante.
O quarto precedente utilizado para a edição da Súmula Vinculante nº 5 tratou do pedido da anulação de punição imposta à servidora do Instituto Nacional do Seguro Social. Nesse caso, a servidora pleiteava a anulação de punição por não ter tido o acompanhamento de advogado durante o PAD.
Destaca-se que dos quatro precedentes à Súmula Vinculante nº 5, dois deles não se referiam a procedimentos disciplinares. O texto constitucional estabelece como condicionante para a edição de súmula vinculante a existência de reiteradas decisões sobre a matéria constitucional.
A edição da Súmula Vinculante nº 5 pelo STF teve o condão de pacificar um entendimento que foi sumulado de forma diversa pelo STJ. Enquanto o STJ entendeu que a presença do advogado é obrigatória no PAD, o STF diz que não, que ser assistido por um advogado é uma faculdade do servidor e que sua ausência não caracteriza violação ao princípio da ampla defesa e do contraditório. Caso prevalecesse o entendimento do STJ, milhares de servidores que foram demitidos em processos que a defesa técnica esteve ausente poderiam pleitear sua reintegração ao serviço público. Foi uma decisão mais política que técnica, que seguiu a inteligência do período.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), ainda no ano de 2008, ajuizou uma proposta de cancelamento de súmula vinculante autuada como Petição 4385, PET 4385, que pedia o cancelamento da Súmula Vinculante nº 5. Ocorre que o procedimento a ser seguido para o cancelamento ou revisão de súmula vinculante ainda não havia sido regulamentado pelo STF. Isso ocorreu somente após ser protocolada PET 4385 e nos termos do regimento interno do STF, ela foi transformada na Proposta de Súmula Vinculante 58, PSV 58.
A OAB fundamentou seu pedido apresentando que não houve reiteradas decisões sobre a matéria objeto da súmula e que a não exigência da defesa técnica no desenrolar de um PAD é uma grave violação do direito fundamental do servidor. Alegou que um PAD pode resultar em uma demissão ou em uma punição do servidor público e, portanto, exige a observância dos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
Alegou, também, que uma verdadeira defesa só será efetiva, se o servidor público que for submetido a um PAD tenha a assistência de um advogado. Requereu o cancelamento da Súmula Vinculante nº 5 e, como pleito alternativo, caso seja julgado improcedente o pedido principal, seja mudada a redação da aludida súmula, passando a constar que se houver advogado constituído no PAD, sua não intimação, nulifica o processo.
O PSV 58 recebeu parecer contrário do Procurador-geral da República e, também da Advocacia-Geral da União quanto ao cancelamento ou revisão da Súmula Vinculante nº 5. Ambos reiteraram que a possibilidade de ser assistido por advogado durante um PAD é uma faculdade do servidor e não entendem ser uma garantia constitucionalmente prevista.
Entretanto, por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal rejeitou, em 30 de novembro de 2016, o pedido de cancelamento da Súmula Vinculante nº 5. Em seu voto, o ministro Ricardo Lewandowski rejeitou os argumentos da OAB.
Acompanharam o voto do ministro Lewandowski, os ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Autor da divergência, o ministro Marco Aurélio acolheu o pedido da OAB por considerar configurado o vício formal na edição da Súmula Vinculante nº 5, na medida em que considerou não atendido o cumprimento do requisito que exige reiteradas decisões do STF no mesmo sentido do verbete jurisprudencial que se quer sumular. Acompanharam a divergência os ministros Edson Fachin, Luiz Fux, Celso de Mello e a presidente do STF, ministra Carmen Lúcia.
Vale ressaltar que, mesmo com a decisão favorável do STF de manter a Súmula Vinculante nº 5, ela segue recebendo diversas críticas.
Assim sendo, resta demonstrado, com todo o respeito ao entendimento da Suprema Corte, que a Súmula Vinculante nº 5 atinge, diretamente, princípios constitucionais de garantias fundamentais, quais sejam: a) essencialidade do advogado; b) devido processo legal (e seus derivados: contraditório e ampla defesa) e; c) legalidade.

Diante da magnitude do assunto tratado, não se teve a pretensão de esgotar todos os pontos relevantes da matéria, mas somente discorrer sobre alguns quesitos relevantes do conteúdo exposto.
Muito além do fortalecimento das questões do Estado ou das políticas de Estado, deve-se buscar a efetivação do Estado Democrático de Direito, capaz de garantir aos cidadãos e também aos servidores públicos, formas de anteparo contra os excessos da Administração Pública, no exercício da atividade administrativa. Resguardar a democracia é acima de tudo assegurar a Constituição e os princípios dela decorrentes, impelindo a todos, inclusive ao poder público, a completa submissão e observância de seus regramentos. A garantia ao processo como direito do acusado, principalmente no processo administrativo, no qual o Estado, através da Administração Pública, figura como parte interessada e também como autoridade julgadora tem sua relevância majorada. Se de um lado temos o Estado interessado na elucidação de uma suposta falta administrativa cometida por seu servidor, do outro, temos um acusado, sujeito possuidor de direitos e garantias constitucionalmente previstas. Havendo o aperfeiçoamento do sistema punitivo disciplinar, há também revigoramento da própria Administração. Sempre na busca do melhor interesse público, deve procurar um modo de agir mais legítimo e com decisões advindas de um processo administrativo mais democrático e garantista, capaz de proporcionar e resguardar os direitos individuais.
Deve a Administração Pública sustentar uma integridade na condução do processo, garantindo o devido processo legal e, como consequência, a aplicação do princípio da ampla defesa e contraditório.
O princípio do devido processo legal possui imensa grandeza, merecendo destaque a garantia individual fundamental à ampla defesa e ao contraditório, com os meios e recursos a ela inerentes. A ampla defesa apresenta-se como uma garantia fundamental, não basta garanti-la apenas formalmente. É necessário, em uma democracia, que se criem condições para que o acusado defenda-se de forma ampla, com todos os meios e recursos permitidos pelo ordenamento jurídico, o que só é possível com uma defesa técnica por advogado.
O contraditório, seguindo a mais apurada técnica processual, sempre contradizendo o apresentado pela parte contrária, somente será pleno se for exercido por um profissional tecnicamente habilitado. Assim que fosse instaurada uma portaria de processo administrativo, deveria a Administração Pública disponibilizar uma defesa técnica ao acusado.
O entendimento sumulado pela Suprema Corte Brasileira, que reconheceu que a ausência do profissional habilitado não ofende a Constituição, enfraqueceu a noção de Estado Democrático, pois houve a supressão das garantias (ampla defesa e o contraditório) do servidor público e afastou qualquer possibilidade de interpretação diversa por qualquer órgão da Administração Pública e, também, instâncias inferiores do poder judiciário.
O advogado é indispensável ao PAD e, como bem disse o Ministro Marco Aurélio , à administração da Justiça. Ainda, nas palavras do Ministro Celso de Mello, “a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar “ofende, vulnera, lesiona, transgride a Constituição da República”.


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